Acórdão Nº 5038870-54.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 16-12-2021
Número do processo | 5038870-54.2021.8.24.0000 |
Data | 16 Dezembro 2021 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Primeira Câmara de Direito Comercial |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Tipo de documento | Acórdão |
Agravo de Instrumento Nº 5038870-54.2021.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN
AGRAVANTE: CLESS COMÉRCIO DE COSMÉTICOS S. A. AGRAVADO: WALTER COSMETICOS LTDA. - EPP
RELATÓRIO
1.1) Da inicial
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por CLESS COMÉRCIO DE COSMÉTICOS S. A. em face de WALTER COSMETICOS LTDA. - EPP contra a decisão interlocutória proferida no incidente de desconsideração da personalidade jurídica n.º 5059701-88.2020.8.24.0023 que rejeitou os aclaratórios, mantendo anterior decisão que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Alega a parte agravante, em síntese, que a empresa agravada "encerrou suas atividades, sem cumprir suas obrigações junto a terceiros, deixando seus credores sem qualquer chance de recuperar seus créditos" (evento 1, fl. 2, da origem), o que caracteriza a dissolução irregular da empresa e demonstra a confusação entre o patrimônio da empresa e de seus sócios.
Falou que, com a saída de dois sócios, bem como o decurso de 180 dias deste fato, a sociedade se tornou uma sociedade comum, devendo o sócio remanescente responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações.
Ao final, requereu a modificação da decisão agravada.
1.2) Da decisão agravada
Por decisão interlocutória (evento 20 da origem), proferida em 24/06/2021, A Dra. Alessandra Meneghetti, rejeitou os aclaratórios, mantendo anterior decisão que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, nos seguintes termos:
3. Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração opostos (evento 13) e mantenho a decisão atacada (evento 10) por seus próprios fundamentos.
Sem custas.
1.3) Da decisão monocrática
Em sede de análise preliminar do recurso, este Relator (evento 17), admitiu o recurso e determinou seu processamento, ante a ausência de pedido liminar.
1.4) Das contrarrazões
Ausente.
Após, ascenderam os autos a este Colegiado.
VOTO
2.1) Do objeto recursal
Versa a questão recursal sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
2.2.1) Do esclarecimento necessário
Impõe-se consignar, de início, que em que pese a ausência de intimação da parte agravada, cabível o julgamento do recurso ante a ausência de prejuízos para esta em decorrência da decisão ora tomada.
2.3) Do mérito
2.3.1) Da deconsideração da personalidade jurídica
É sabido que a criação de uma sociedade, seja ela empresária ou simples, visa, dentre outros objetivos, constituir uma pessoa jurídica, com personalidade jurídica distinta da dos seus sócios, capacitando-a como sujeito de direitos e obrigações, além de limitar sua responsabilidade ao seu patrimônio, consoante a regra do artigo 1.024 do Código Civil.
Tal autonomia patrimonial, denominada por muitos doutrinadores como "uma armadura jurídica", permite que aquelas pessoas jurídicas tenham sua essência desvirtuada e sejam utilizadas por sócios e/ou administradores como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direito em desfavor de terceiros.
Em razão disso, a partir do século XIX, surgiram preocupações com a má utilização da pessoa jurídica, o que deu azo a teoria da soberania, de Haussmann e Mossa, que imputava a responsabilidade ao controlador da sociedade, mas esta não chegou a se desenvolver. Assim, com a perpetuação do problema, nos países da Common Law, a solução adotada foi relativizar a autonomia patrimonial para não chegar a resultados contrários ao direito.
O primeiro caso de aplicação de tal entendimento, conforme a literatura especializada, foi na Inglaterra, no caso Salomon x Salomon Co, em 1897. Neste, Aaron Salomon, prospero comerciante de calçados, com mais de 30 anos de atuação no mercado, constituiu uma "limited company" (algo semelhante a uma sociedade anônima fechada brasileira) e transferiu seu fundo de comércio para a empresa. Contudo, passado um ano de sua constituição, a empresa se mostrou inviável, entrando em liquidação, e os credores, sem garantias, restaram insatisfeitos, de modo que o liquidante buscou a responsabilidade daquele sócio pelas dívidas, o que foi acolhido pelo juízo de primeira instância. Posteriormente, a Casa de Lordes reformou a decisão, prestigiando a autonomia patrimonial, mas, com isso, deu inicio a "disregard doctrine", que veio e vem sendo aprimorada com o passar do tempo.
Em nosso País, o Código Civil de 1916, naturalmente, foi omisso a respeito, porque constituído ainda no fim do século XIX, quando a matéria engatinhava no direito Europeu. Porém, com a posterior promulgação de Diplomas Legais, esta teoria passou a ser...
RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN
AGRAVANTE: CLESS COMÉRCIO DE COSMÉTICOS S. A. AGRAVADO: WALTER COSMETICOS LTDA. - EPP
RELATÓRIO
1.1) Da inicial
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por CLESS COMÉRCIO DE COSMÉTICOS S. A. em face de WALTER COSMETICOS LTDA. - EPP contra a decisão interlocutória proferida no incidente de desconsideração da personalidade jurídica n.º 5059701-88.2020.8.24.0023 que rejeitou os aclaratórios, mantendo anterior decisão que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Alega a parte agravante, em síntese, que a empresa agravada "encerrou suas atividades, sem cumprir suas obrigações junto a terceiros, deixando seus credores sem qualquer chance de recuperar seus créditos" (evento 1, fl. 2, da origem), o que caracteriza a dissolução irregular da empresa e demonstra a confusação entre o patrimônio da empresa e de seus sócios.
Falou que, com a saída de dois sócios, bem como o decurso de 180 dias deste fato, a sociedade se tornou uma sociedade comum, devendo o sócio remanescente responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações.
Ao final, requereu a modificação da decisão agravada.
1.2) Da decisão agravada
Por decisão interlocutória (evento 20 da origem), proferida em 24/06/2021, A Dra. Alessandra Meneghetti, rejeitou os aclaratórios, mantendo anterior decisão que indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, nos seguintes termos:
3. Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração opostos (evento 13) e mantenho a decisão atacada (evento 10) por seus próprios fundamentos.
Sem custas.
1.3) Da decisão monocrática
Em sede de análise preliminar do recurso, este Relator (evento 17), admitiu o recurso e determinou seu processamento, ante a ausência de pedido liminar.
1.4) Das contrarrazões
Ausente.
Após, ascenderam os autos a este Colegiado.
VOTO
2.1) Do objeto recursal
Versa a questão recursal sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
2.2.1) Do esclarecimento necessário
Impõe-se consignar, de início, que em que pese a ausência de intimação da parte agravada, cabível o julgamento do recurso ante a ausência de prejuízos para esta em decorrência da decisão ora tomada.
2.3) Do mérito
2.3.1) Da deconsideração da personalidade jurídica
É sabido que a criação de uma sociedade, seja ela empresária ou simples, visa, dentre outros objetivos, constituir uma pessoa jurídica, com personalidade jurídica distinta da dos seus sócios, capacitando-a como sujeito de direitos e obrigações, além de limitar sua responsabilidade ao seu patrimônio, consoante a regra do artigo 1.024 do Código Civil.
Tal autonomia patrimonial, denominada por muitos doutrinadores como "uma armadura jurídica", permite que aquelas pessoas jurídicas tenham sua essência desvirtuada e sejam utilizadas por sócios e/ou administradores como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direito em desfavor de terceiros.
Em razão disso, a partir do século XIX, surgiram preocupações com a má utilização da pessoa jurídica, o que deu azo a teoria da soberania, de Haussmann e Mossa, que imputava a responsabilidade ao controlador da sociedade, mas esta não chegou a se desenvolver. Assim, com a perpetuação do problema, nos países da Common Law, a solução adotada foi relativizar a autonomia patrimonial para não chegar a resultados contrários ao direito.
O primeiro caso de aplicação de tal entendimento, conforme a literatura especializada, foi na Inglaterra, no caso Salomon x Salomon Co, em 1897. Neste, Aaron Salomon, prospero comerciante de calçados, com mais de 30 anos de atuação no mercado, constituiu uma "limited company" (algo semelhante a uma sociedade anônima fechada brasileira) e transferiu seu fundo de comércio para a empresa. Contudo, passado um ano de sua constituição, a empresa se mostrou inviável, entrando em liquidação, e os credores, sem garantias, restaram insatisfeitos, de modo que o liquidante buscou a responsabilidade daquele sócio pelas dívidas, o que foi acolhido pelo juízo de primeira instância. Posteriormente, a Casa de Lordes reformou a decisão, prestigiando a autonomia patrimonial, mas, com isso, deu inicio a "disregard doctrine", que veio e vem sendo aprimorada com o passar do tempo.
Em nosso País, o Código Civil de 1916, naturalmente, foi omisso a respeito, porque constituído ainda no fim do século XIX, quando a matéria engatinhava no direito Europeu. Porém, com a posterior promulgação de Diplomas Legais, esta teoria passou a ser...
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