Acórdão Nº 5038873-72.2022.8.24.0000 do Órgão Especial, 07-12-2022

Número do processo5038873-72.2022.8.24.0000
Data07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5038873-72.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador TORRES MARQUES

AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - FLORIANÓPOLIS RÉU: MAFRA CAMARA DE VEREADORES RÉU: PREFEITO - MUNICÍPIO DE MAFRA/SC - MAFRA

RELATÓRIO

O Procurador-Geral do Ministério Público do Estado de Santa Catarina prôpos ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 4.587, de 6 de junho de 2022, do Município de Mafra, que garante aos estudantes do Município de Mafra o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino, na forma que menciona.

Afirmou que, "em linhas gerais, a normativa proibiu, no âmbito municipal, a utilização da denominada 'linguagem neutra' e impôs sanções pelo seu descumprimento, violando o disposto nos artigos 13 e 22, inciso XXIV, da Constituição da República, incorporados pelo artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina".

Alegou que "há possibilidade de cotejo entre a norma local com o artigo 4º, caput, da Constituição Estadual, em razão de violação do princípio federativo, nesta incorporado, em cujo bojo se incluem as normas relativas à repartição das competências legislativas entre os entes federados (CRFB/88, artigos 22, 23, 24, e 30, incisos I e II)".

Asseverou que "o município editou regras sobre diretrizes e normas gerais atinentes à educação, matéria que, de acordo com o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República, é de competência privativa da União. Sendo mais claro, ao proibir a utilização da chamada 'linguagem neutra' na grade curricular, nos materiais didáticos e nos concursos públicos, a lei municipal não suplementa a legislação federal, mas invade a seara privativa da União".

Defendeu que "a liberdade é a diretriz principal do ensino nacional, razão pela qual não se pode admitir a imposição de proibições e a cominação de sanções, de qualquer natureza, nos âmbitos estadual e municipal" consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Discorreu que o fumus boni iuris necessário à suspensão da norma reside na usurpação de competência da União para legislar sobre língua portuguesa e diretrizes e bases da educação, e o periculum in mora exsurge da imposição de sanções contra instituições de ensino e profissionais da educação que não observarem a vedação criada pelo art. 4º da lei contestada.

Ao final, pugnou pelo deferimento da medida cautelar, e, no mérito, requereu a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal.

Concedi, ad referendum do Órgão Especial, a medida cautelar para suspender até o julgamento do mérito desta ação os efeitos da lei impugnada e determinei a notificação do Prefeito Municipal e do Presidente da Câmara de Vereadores para prestarem informações, a citação do Procurador-Geral do Município para se manifestar e a abertura de vista à Procuradoria-Geral de Justiça.

O Prefeito Municipal apresentou informações relativas ao trâmite do processo legislativo e ressaltou que a proposição foi promulgada pela Vice-Presidência da Câmara Municipal de Vereadores.

A Câmara Municipal de Vereadores deixou transcorrer in albis o prazo para se manifestar.

O Procurador-Geral do Município concordou com a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo impugnado (Evento 30).

A Procuradoria-Geral de Justiça pugnou pela confirmação da medida cautelar e pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.

VOTO

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de provimento cautelar, na qual o Ministério Público do Estado de Santa Catarina pretende a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 4.587, de 6 de junho de 2022, do Município de Mafra.

Eis o teor da norma impugnada:

Art. 1º É garantido aos estudantes do Município de Mafra, o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).Art. 2º O disposto no artigo anterior aplica-se a toda a Educação Básica no Município de Mafra, nos termos da Lei Federal nº 9.394/96, assim como ao Ensino Superior e aos Concursos Públicos para acesso aos cargos e funções públicas do município.Art. 3º Fica expressamente proibida a denominada "linguagem neutra" na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos.Art. 4º A violação do direito do estudante estabelecido no artigo 1º desta Lei, acarretará sanções administrativas às instituições de ensino público e privado e aos profissionais de educação que concorrerem em ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente seu aprendizado à língua portuguesa culta.Art. 5º A Secretaria responsável pelo ensino do município, deverá empreender todos os meios necessários para valorização da língua portuguesa culta em suas políticas educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino.Art. 6º As despesas decorrentes desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Registro, inicialmente, a possibilidade de pronunciamento monocrático sobre pleito de medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade, ad referendum do Colegiado, assegurada pela legislação de regência e pelos tribunais pátrios, nas hipóteses de excepcional urgência.

Na espécie, o ato legislativo municipal impugnado proíbe o uso da denominada "linguagem neutra" na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos.

É cediço que a Constituição Federal confere privativamente à União a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV), de modo que não cabe aos Estados...

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