Acórdão Nº 5038947-46.2021.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 18-05-2023

Número do processo5038947-46.2021.8.24.0038
Data18 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5038947-46.2021.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS


APELANTE: TEREZINHA DE JESUS POCOPETZ (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Em atenção aos princípios da economia e celeridade processual, adoto o relatório da sentença (evento 20, SENT1):
I - TEREZINHA DE JESUS POCOPETZ propôs ação conhecimento submetida ao procedimento comum contra BANCO BMG S.A por meio da qual requer a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a repetição em dobro do montante descontado indevidamente; e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Para tanto, alegou que i) contratou um empréstimo consignado com a parte ré; ii) por meio do pacto, vem sofrendo descontos excessivos em seu benefício previdenciário, sob a denominação "reserva de margem consignável"; iii) referida cobrança está relacionada a suposto cartão de crédito; iv) não contratou a aquisição de cartão de crédito da parte ré, tampouco autorizou os descontos; v) a cobrança é ilícita e configura a prática de venda casada.
Recebida a petição inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça.
Na contestação, BANCO BMG S.A arguiu, em preliminar, as teses aventadas, conforme resposta do réu. No mérito, alegou que i) a parte autora, diversamente do que alega, não firmou contrato de empréstimo consignado, mas sim "termo de adesão cartão de crédito consignado"; ii) ela estava ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais; iii) está comprovada a formalização do contrato de cartão, bem como a expressa autorização para a reserva de margem consignável de acordo com o limite de 5% estabelecido para beneficiários do regime geral de previdência; iv) por se tratar de um cartão consignado, o banco realiza o desconto mínimo em folha, cabendo ao cliente o pagamento do restante via fatura enviada para o seu endereço; v) o não pagamento do valor integral da fatura do cartão acarreta a incidência de encargos sobre o saldo devedor, conforme previsão contratual; vi) não praticou ato ilícito, sendo indevidos os pedidos de indenização por danos morais e de repetição do indébito. Requereu a rejeição do pedido com a inversão dos ônus sucumbenciais.
Ambas as partes juntaram documentos.
Houve réplica.
É o relatório.
Na parte dispositiva da sentença, o Magistrado a quo julgou procedentes os pedidos deduzidos na exordial, nos seguintes termos (evento 20, SENT1):
III - Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados por TEREZINHA DE JESUS POCOPETZ contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a ilegalidade da reserva de margem consignável no benefício previdenciário da parte autora; ii) condeno o réu à restituição dos valores debitados do benefício previdenciário da parte autora, quantia essa que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, mediante compensação, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; iii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso ; iv) determino que o banco requerido se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.
Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da condenação, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Transitada em julgado e mantida esta sentença em eventual sede recursal, cumpram-se eventuais providências pendentes e arquivem-se os autos.
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte ré interpôs recurso de apelação (evento 26, APELAÇÃO1), no qual postula a reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na exordial. A parte autora, por sua vez, requer a devolução em dobro dos valores descontados em seu benefício previdenciário, bem como a majoração do valor fixado a título de dano moral, visando atender de forma justa os abalos sofridos (evento 37, CONTRAZ1).
Intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (evento 35, CONTRAZAP1 e evento 37, CONTRAZ1)
Após, com os autos em grau recursal, sobreveio petição da casa bancária para requerer a aplicação de tese provisória fixada no IRDR n. 5040370-24.2022.8.24.0000, desta Corte, de modo a afastar a fixação de indenização por danos morais in re ipsa (evento 10, PET1).
Após, vieram os autos conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Cuida-se de recursos de apelações cíveis interpostos por TEREZINHA DE JESUS POCOPETZ e BANCO BMG S.A contra a sentença prolatada pelo 15º Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "ação declaratória de invalidade de negócio jurídico c/c restituição de valores, indenização por danos morais", julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais.
Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.
1. Do recurso do banco
1.1. Contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável
No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que a parte autora sustenta que pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos, a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.
O banco, por outro lado, defende a validade do contrato de cartão de crédito firmado entre as partes e a licitude dos descontos realizados diretamente no benefício previdenciário da parte autora. Aduz, ainda, que o contrato de empréstimo via emissão de cartão de crédito com reserva de margem está previsto legalmente, não se tratando de prática abusiva, bem como que a consumidora foi devidamente informada da modalidade contratada.
A insurgência, adianta-se não merece acolhimento.
De início, cumpre ressaltar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da parte autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).
In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que a apelante firmou, em 23.10.2015, com o Banco o "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", sob o nº adesão 39772012 (evento 13, CONTR5).
As faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido à requerente jamais foi utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, ao saque disponibilizado via "TED" (evento 13, OUT8), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 13, FATURA6,evento 13, FATURA6).
Resta evidente, portanto, que a parte autora, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
Assim, em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada. .
Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito.
Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor. É o que se extrai do art. 39, III e IV e 51, IV da mencionada Lei:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a...

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