Acórdão Nº 5039031-92.2021.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 17-06-2021

Número do processo5039031-92.2021.8.24.0023
Data17 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5039031-92.2021.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: RUAN MARLEY VIEIRA NOGUEIRA (AGRAVADO)


RELATÓRIO


Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), inconformado com a decisão (Seq. 14 SEEU) proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca da Capital, que, nos autos do PEP n. 0009262-63.2018.8.24.0045, deferiu o pedido formulado pela defesa técnica representada por advogado constituído em favor do reeducando Ruan Marley Vieira Nogueira e, ao proceder a soma de penas, aplicou lei posterior mais favorável, para, então, fixar o percentual de 40% (2/5) em vez de 60% (3/5) para progredir de regime em relação ao crime equiparado a hediondo.
Em suma, o Parquet argumentou o seguinte: [a] "infere-se que o recorrido não se enquadra nos requisitos previstos, visto que a lei é clara ao firmar que merece ser atendido o percentual de 40% quando o condenado por crime hediondo ou equiparado for primário, contrário a reconhecida reincidência do agravado em sede condenatória"; [b] "sabendo-se que o delito cometido pelo recorrido ocorreu anteriormente à vigência da nova Lei citada, bem como não sendo caso de reformatio legis in mellius, já que a apresentada situação não se amolda devidamente como apontado, é de ser mantido a aplicação do quantum de 3/5 para progressão de regime do agravado, conforme acima mencionado"; [c] "considerando a condição de reincidente do agravado, logo, deve ser mantida a fração de 60% para cálculos de futuro benefício de progressão de regime, afigurando-se necessária a reforma da decisão objurgada".
Concluiu requerendo o provimento do recurso, "para os fins de revogar o decisum a quo e determinar a manutenção da aplicação da fração de 60% para fins de progressão de regime da pena aplicada antes da alteração para Ruan Marley Vieira Nogueira" (Evento 1 - petição inicial 1).
Com as contrarrazões (Evento 8), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao disposto no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 10), os autos formados por instrumento ascenderam a este Tribunal.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 14 - promoção 1)

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.
Como visto dos autos, o reeducando Ruan Marley Vieira Nogueira foi condenado, somadas as sanções, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 11 anos, 10 meses e 17 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e de 2 meses de detensão, por infração ao art. 33, "caput", ao art. 33, § 4º, ambos da Lei n. 11.343/2006, e ao art. 14, "caput", da Lei n. 10.826/2003, reconhecida a reincidência por ocasião da sentença condenatória.
No caso, a controvérsia tratou da interpretação e dos impactos da Lei n. 13.964/2019 no processo de execução penal, notadamente no requisito objetivo para progressão de regime.
O Ministério Público (MPSC) entende que a decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca da Capital deve ser revista, para aplicar a fração 3/5 (60%), nos termos do inc. VII do art. 112 da Lei de Execução Penal, para o caso de progressão de regime atinente ao crime hediondo ou a ele equiparado.
Razão não lhe assiste, adiante-se.
Oportuno destacar desde logo que a posição vigente na Quarta Câmara Criminal deste Tribunal era no sentido de, mesmo com o advento da Lei n. 13.964/2019, exigia-se do sentenciado, reconhecida a reincidência seja ela específica ou geral, no caso de crime hediondo ou equiparado, o cumprimento de 60% (3/5) da pena para progredir de regime.
A título exemplificativo: Agravo de Execução Penal n. 5016373-69.2020.8.24.0036, rel. José Everaldo Silva, j. 18-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0002344-93.2020.8.24.0038, de minha relatoria, j. 11-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 5023286-76.2020.8.24.0033, rel. Sidney Eloy Dalabrida, j. 4-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0001028-60.2020.8.24.0033, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. 8-10-2020.
Porém, a compreensão desta Câmara Criminal modificou-se a partir da unificação da jurisprudência das Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, que ocorreu a partir do julgamento, em 9-12-2020, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça do AgRg no HC 613.268/SP, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. VIA INADEQUADA. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). PROGRESSÃO DE REGIME. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM (FURTO QUALIFICADO). HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 40% DA PENA. ORIENTAÇÃO REVISTA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. CONCESSÃO DE HC DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Firmou-se nesta Superior Corte o entendimento no sentido de ser irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo). Interpretação da Lei 8.072/90. Precedentes.
3. Com a entrada em vigor da Lei 13.964/19 - Pacote Anticrime-, foi revogado expressamente o art. 2º, §2º, da Lei n. 8.072/90 (art. 19 da Lei n. 13.964/19), passando a progressão de regime, na Lei de Crimes Hediondos, a ser regida pela Lei n. 7.210/84.
4. A nova redação dada ao art. 112 da Lei de Execução Penal modificou por completo a sistemática, introduzindo critérios e percentuais distintos e específicos para cada grupo, a depender especialmente da natureza do delito.
5. No caso, o paciente foi sentenciado pelo delito de tráfico de drogas, tendo sido reconhecida sua reincidência devido à condenação definitiva anterior pelo crime de furto qualificado (delito comum). Para tal hipótese, inexiste na novatio legis percentual a disciplinar a progressão de regime ora pretendida, pois os percentuais de 60% e 70% foram destinados aos reincidentes específicos (sem destaque no original).
6. Em direito penal não é permitido o uso de interpretação extensiva, para prejudicar o réu, devendo a integração da norma se operar mediante a analogia in bonam partem. Princípios aplicáveis: Legalidade das penas, Retroatividade benéfica e in dubio pro reo.
- A lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu, e extensivamente no caso contrário (favorablia sunt amplianda, odiosa restringenda) - in NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, v. I, t.I, p. 86.
Doutrina: HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI e GIANPAOLO POGGIO SMANIO, Comentário ao Pacote Anticrime, Ed. Atlas, 2020; RENATO BRASILEIRO DE LIMA. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/19, Ed.
JusPodium, 2020; PAULO QUEIROZ, A nova progressão de regime - Lei 13.964/2019, https://www.pauloqueiroz.net; ROGÉRIO SANCHES CUNHA, Pacote Anticrime: Lei n. 13.964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodvim, 2020; e PEDRO TENÓRIO SOARES VIEIRA TAVARES e ESTÁCIO LUIZ GAMA LIMA NETTO; NETTO LIMA, Pacote Anticrime: As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro. e-book, 2020.
Precedentes: HC n 581.315/PR, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR e HC n. 607.190/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, ambos julgados em 06/10/2020.
7. Agravo regimental provido, concedendo habeas corpus de ofício para que se opere a transferência do paciente a regime menos rigoroso com a observância, quanto ao requisito objetivo, do cumprimento de 40% da pena privativa de liberdade a que condenado, salvo se cometida falta grave.
Colhe-se a seguinte fundamentação do corpo do acórdão, que bem ilustra cronologicamente a posição da jurisprudência frente às alterações legislativas aplicáveis à espécie:
Na hipótese, busca o impetrante a reforma da decisão...

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