Acórdão Nº 5039753-35.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 03-08-2022

Número do processo5039753-35.2020.8.24.0000
Data03 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5039753-35.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

AUTOR: Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis AUTOR: PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: FLORIANOPOLIS CAMARA DE VEREADORES

RELATÓRIO

O Procurador-Geral de Justiça, representado pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - Ceccon, e o Promotor de Justiça da 12.ª Promotoria de Justiça da comarca da Capital ajuizaram ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 3.º, caput e § 3.º, 10-B, § 2.º, 10-C, § 2.º, 10-E, 10-G e 14 da Resolução n. 584/1994 da Câmara Municipal de Florianópolis.

Alegaram que os dispositivos impugnados preveem a possibilidade de alteração, por simples opção do servidor municipal e a qualquer tempo, dos cargos que ocupam para cargos efetivos diversos, "com atribuições de natureza e complexidade distintas daqueles que ocupam, o que configura modalidade de provimento derivado de cargos efetivos em violação ao artigo 21, inciso I, da Constituição do Estado de Santa Catarina".

Disseram que, por força do contido no art. 37, inc. II, da CRFB, e no art. 21, inc. I, da CESC, "àqueles que já integram os quadros de pessoal da Administração Pública é indispensável a aprovação em novo certame para ingresso em cargo de carreira distinta da qual ocupam", tendo o Supremo Tribunal Federal decidido reiteradamente que "ficou excluída do ordenamento jurídico a hipótese de provimento derivado de cargo público por ascensão ou aproveitamento que importe em transposição de cargo de uma carreira para outra", ressalvada a hipótese de mera reestruturação dos cargos, o que deve ser observado de acordo com "a análise das atribuições dos cargos, que devem guardar similitude".

Argumentaram que o art. 3.º, caput e § 3.º, da Resolução n. 584/94, da Câmara Municipal de Florianópolis, com a redação que lhes deu a Resolução n. 838/03, prevê a possibilidade de "ascensão funcional vertical" na forma regida no art. 14 da mesma Resolução, para determinar que os ocupantes do cargo de "Técnico Legislativo" possam optar, a qualquer tempo, "pelos cargos de Nível Superior correspondentes à sua formação profissional". Todavia, diante da ausência de similitude entre as funções atribuídas ao cargo de "Técnico Legislativo" e aos demais cargos abrangidos pela norma ("Administrador", "Contador", "Economista" ou "Advogado"), extrai-se a inconstitucionalidade do dispositivo, o que não é superado pela realização de processo seletivo, pois, "conforme entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, a realização de concurso interno, em que não se permite a ampla participação de todos os interessados na disputa do cargo, não supre a exigência constitucional de realização de concurso público, por violar o princípio da isonomia".

Ventilaram que o art. 10-B da citada Resolução transformou os cargos de "Contínuo", "Garçom", "Operador de Máquina Copiadora" e "Operador de Som" em cargo de "Agente Operacional", mas o § 2.º desse dispositivo franqueou aos ocupantes do cargo de "Contínuo" a opção, a qualquer tempo, do cargo de "Segurança". Esclareceram que, embora não tenham obtido resposta à requisição dirigida à Câmara Municipal para constatar as atribuições do cargo de "Contínuo", "é possível inferir logicamente a sua incompatibilidade com o cargo de Segurança", seja porque o cargo de "Contínuo" normalmente é executado para funções típicas "da profissão atualmente intitulada de office-boy", seja porque a comparação entre as funções designadas ao cargo de "Agente Operacional" (em que foram convertidos os cargos de "Contínuo") e as atribuições do cargo de "Segurança" revelam a falta de similitude entre ambos.

Quanto ao art. 10-C, § 2.º, da mesma Resolução, articularam que a norma prevê a possibilidade de os ocupante dos cargo de "Auxiliar de Atividades Diversas" optarem, a qualquer tempo, pelo cargo de "Telefonista", sendo certo que "as atribuições de ambos os cargos são claramente diversas, sendo as deste último bem menos abrangentes do que as daquele", adicionando que, "apesar de as responsabilidades do cargo de Telefonista, limitadas a serviços relacionados a chamadas telefônicas, serem menos complexas e mais restritas do que as de Auxiliar de Atividades Diversas, o dispositivo em questão autorizou essa opção e, ainda, garantiu a manutenção do '[...] mesmo nível salarial equivalente ao cargo anterior', em flagrante violação à regra do concurso público".

Arrazoaram que o art. 10-E da Resolução n. 584/1994, da Câmara Municipal de Florianópolis, permitiu aos ocupantes do cargo de "Assistente Administrativo" optarem, a qualquer tempo, pelo cargo de "Secretária", de cuja comparação de atribuições, "não obstante se possa identificar parcial sobreposição de incumbências, [extrai-se que] as de Assistente Administrativo possuem caráter mais técnico e são mais numerosas que as de Secretária".

Por fim, tocante ao art. 10-G da mencionada Resolução, defenderam que a norma prevê a opção, a qualquer tempo, dos ocupantes do cargo de "Agente de Manutenção" pelo cargo de "Digitador", "permanecendo no mesmo nível salarial do cargo anterior", derivando daí a mesma pecha de inconstitucionalidade encontrada nos demais dispositivos.

Requereram, então, a procedência do pedido, afastando-se os efeitos repristinatórios (Evento 1).

O Presidente da Câmara Municipal de Florianópolis, notificado (Evento 6), prestou informações no prazo legal, em conjunto com a Procuradoria-Geral da Câmara (Evento 7).

Defendeu que "Em nenhum momento se criou cargos novos para provimento. O que se processou foi a substituição nominativa de diversas funções com uma aglutinação funcional, considerando as Classes, os Cargos, Faixa e Nível Salarial, atribuições, dos servidores existentes e compatibilizando suas atividades", e que "as funções elencadas não sofreram preenchimento de cargos aleatórios, e, sim, correções de atribuições correlatadas, desvios, ou novas nomenclaturas, por estarem obsoletas e mais adequadas à realidade do Poder Legislativo".

Disse que "Há que se considerar, com gravidade, o lapso temporal e seus efeitos, na estrutura funcional do Poder, na vida dos servidores e na repercussão dos atos administrativos", e que "O questionamento constitucional trazido ao presente momento, 27 anos após a aprovação das normas, está por atingir servidores e todos seus atos e comportamentos, sendo que na sua maioria já se aposentaram, faleceram, ou adoeceram no exercício funcional e estão inativados em todos estes anos", a atrair a "prescrição, que não pode ser desconsiderada, protegendo a segurança jurídica dos atos até aqui praticados (todos de boa-fé), o interesse público, bem como a modulação dos efeitos posto sob análise".

Articulou que "A Resolução n. 584/1993 e a 828/2003 nada mais fez do que adequar e aglutinar os diversos cargos e funções em classes, sem proceder qualquer ascensão vertical ou horizontal", que "ninguém saiu de sua classe, nível e faixa salarial. Ocorrendo somente a mudança da nomenclatura do nome do cargo equivalente" e que "As ditas expressões guerreadas de que se permitiria 'optar', somente valeram aos cargos correlatos ou de nova nomenclatura, em razão da mudança imposta e de eventuais extinções de cargos, aplicados naquele momento".

Requereu, ao final, o reconhecimento da prescrição e, sucessivamente, a improcedência do pedido inicial ou a modulação de efeitos da decisão.

Lavrou parecer, pela Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão (Evento 14), opinando pela procedência do pedido.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público em face de dispositivos inseridos na Resolução n. 584/1994 da Câmara Municipal de Florianópolis, com a redação que, em maioria, deu-lhes a Resolução n. 838/2003, da mesma Câmara.

Alega o ente ministerial, em síntese, que as normas impugnadas preveem a possibilidade de provimento derivado dos cargos efetivos, destinadas a preenchimento por servidores públicos que já integram os quadros da Câmara Municipal de Florianópolis, para funções outras que não guardam correlação com aquelas para as quais foram designados mediante concurso público.

Quanto ao cabimento da ação direta em face de resolução editada por Câmara de Vereadores, é pacífico o entendimento de que essa modalidade de ação objetiva serve para impugnar atos normativos primários emanados do Poder Legislativo. A doutrina respalda a compreensão:

"O objeto das ações diretas e ações declaratórias se restringe às leis e atos normativos (CF, art. 102, I, 'a') que, dotados de vigência e eficácia, violem diretamente a Constituição. A existência de ato interposto entre o objeto impugnado e o parâmetro constitucional ofendido inviabiliza o cabimento de controle normativo abstrato. A análise de atos tipicamente regulamentares, de natureza secundária, deve ocorrer no plano da legalidade."O termo lei deve ser interpretado no sentido estrito, ou seja, de modo a abranger apenas leis ordinárias e complementares, independentemente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Esse o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal que, alterando sua jurisprudência anterior, passou a admitir a impugnação de 'leis de efeitos concretos' no controle normativo abstrato."Os atos normativos, por sua vez, são atos gerais e abstratos, com capacidade de inovar a ordem jurídica, produzidos pelos poderes públicos. Dessa espécie, entre outros: I) as emendas à Constituição; II) as medidas provisórias; III) os decretos legislativos; IV) as resoluções da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Congresso Nacional, de tribunais, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público; V) os regimentos internos de tribunais e de órgãos legislativos; VI) os atos do Poder Executivo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT