Acórdão Nº 5040133-52.2021.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 02-12-2021

Número do processo5040133-52.2021.8.24.0023
Data02 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5040133-52.2021.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: JAYME PEREIRA MARQUES NETO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Jayme Pereira Marques Neto, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 157, §2º, inciso II e §2º-A, inciso I, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

No dia 9 de fevereiro de 2021, por volta das 23h20, o denunciado Jayme Pereira Marques Neto e outro indivíduo ainda não identificado subtraíram, para proveito próprio, um capacete vermelho avaliado em R$ 200,00; um aparelho celular marca Samsung, modelo A10, avaliado em R$ 600,00; e, uma motocicleta Honda, placas QVN4D84, avaliada em R$ 16.650,00, pertencentes à Leanilson de Araujo de Lima, mediante grave ameaça contra a integridade física da vítima. Fato ocorrido na servidão do Jura, bairro Ingleses do Rio Vermelho, nesta Capital.

A grave ameaça consistiu em Jayme abordar a vítima, exibindo-lhe uma arma de fogo e proferindo ameaças de que iria atirar contra Leanilson, ocasião em que o constrangeu a tolerar a subtração dos bens citados anteriormente.

Após recolherem os bens, o denunciado e seu comparsa empreenderam fuga na condução da motocicleta ora subtraída.

A denúncia foi recebida (evento 3 da ação penal), o réu foi citado (evento 45 da ação penal) e apresentou defesa (evento 64 da ação penal).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 71 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como o réu foi interrogado (evento 95 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos 101 e 105 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 107 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto e do que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a denúncia de Evento 1 para CONDENAR o réu JAYME PEREIRA MARQUES NETO, nascido em 01/01/2000, filho de Adriana da Silva e Jessé Pereira Marques, já qualificado, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão em regime fechado, e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada dia no valor mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, por infração ao art. 157, §2º, inciso II e §2º-A, inciso I, do Código Penal.

Inconformado o réu interpôs recurso de apelação (eventos 114 e 116 da ação penal). Em suas razões arguiu a nulidade do seu reconhecimento efetuado na etapa inquisitorial. No mérito, nega a autoria delitiva e sustenta insuficiência probatória, razão pela qual pugna por absolvição com fulcro no artigo 386, incisos II, V e VII, do Código de Processo Penal (evento 127 da ação penal).

Apresentadas as contrarrazões (evento 133 da ação penal), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9).

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Jayme Pereira Marques Neto, o qual busca a reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão em regime fechado, e ao pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada dia no valor mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, por infração ao art. 157, §2º, inciso II e §2º-A, inciso I, do Código Penal.

O apelante arguiu, em sede preliminar, a nulidade do seu reconhecimento efetuado na etapa inquisitorial, pois entende ser prova ilegítima pela inobservância aos ditames do art. 226 do Código de Processo Penal.

A mácula não existe.

O indigitado art. 226 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Registra-se, inicialmente, que não se desconhece de precedente do Superior Tribunal de Justiça, no qual restou consignado pelos julgadores da Corte que o reconhecimento pessoal, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal (HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).

Contudo, também se sabe que tal decisão, proferida pela Sexta Turma daquele Tribunal Superior, não possui efeito vinculante, ou seja, as instâncias ordinárias não estão obrigadas a replicar tal entendimento.

Além disso, em precedentes mais recentes daquela Corte apontam pela impossibilidade de decretação da nulidade da prova ou absolvição do agente quando a comprovação de sua participação na empreitada criminosa não está amparada unicamente no reconhecimento fotográfico, ainda que este não tenha observado a integralidade dos preceitos do art. 226 do Código de Processo Penal e, assim, não possua valor probante pleno.

Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, I E IV, CP), ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, § 2º, LEI 12.950/2013) E CORRUPÇÃO DE MENOR (ART. 244-B, LEI 8.069/90). [...] RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADO EM SEDE INQUISITORIAL. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. IRREGULARIDADES QUE NÃO CONTAMINAM O RECONHECIMENTO EFETUADO POR TESTEMUNHA PROTEGIDA QUE JÁ CONHECIA A IDENTIDADE DOS ENVOLVIDOS NO DELITO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO QUE, ADEMAIS, NÃO INFLUENCIA NA LEGALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR, ANTE A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS INDEPENDENTES DA AUTORIA. PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. A jurisprudência mais recente das Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ se alinhou no sentido de que eventual reconhecimento fotográfico e/ou pessoal efetuado em sede inquisitorial em descompasso com os ditames do art. 226 do CPP não podem ser considerados provas aptas, por si sós, a engendrar uma condenação sem o apoio do restante do conjunto probatório produzido na fase judicial, com a observância do contraditório e da ampla defesa. 4. Isso não obstante, o reconhecimento fotográfico realizado em fase inquisitorial pode ser considerado indício mínimo de autoria apto a autorizar a prisão cautelar e a deflagração da persecução criminal, sobretudo quando aliado a outras evidências de autoria colhidas no inquérito. Precedentes: HC 651.595/PR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021; AgRg no HC 679.013/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021; AgRg no HC 690.505/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 06/10/2021. 5. Todas as precauções previstas no procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal (prévia descrição da pessoa a ser reconhecida, colocação de fotografias e suspeitos semelhantes um ao lado do outro para reconhecimento pessoal) têm como razão de ser a diminuição da margem de erro na identificação de suspeitos que não são previamente conhecidos pela vítima e/ou testemunhas. No entanto, se a vítima e/ou testemunha demonstra já conhecer de algum tempo o possível perpetrador do delito, declinando seu nome à autoridade policial, não há como se afirmar que eventuais irregularidades na observância dos preceitos do art. 226 do CPP possa conduzir à nulidade da identificação efetuada. No caso concreto, testemunha protegida que presenciou o evento delituoso e que já conhecia previamente todos os envolvidos, tendo identificado pelo nome os réus, os indicou dentre três fotos a ele apresentadas. [...] 12. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RHC 154.165/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021) - grifei.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE VIA PRÓPRIA. INVIABILIDADE. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NULIDADE DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA DELEGACIA. PROVA CONFIRMADA EM JUÍZO. VÍTIMA QUE ESTEVE EM PODER DOS ACUSADOS E QUE OS RECONHECEU SEM SOMBRA DE DÚVIDAS. DEPOIMENTOS, DECLARAÇÕES E RECONHECIMENTO REPETIDOS EM JUÍZO. PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO INCOMPATÍVEL COM A VIA ESTREITA DO WRIT. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] II - Embora a d. Defesa busque a absolvição com base na suposta nulidade da prova do reconhecimento fotográfico realizado na delegacia (em desacordo com a determinação do art. 226 do CPP), existem nos autos demais elementos aptos à condenação. In casu, a vítima, inicialmente, embora por meio de álbum de fotos na delegacia...

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