Acórdão Nº 5041857-80.2020.8.24.0038 do Sétima Câmara de Direito Civil, 24-03-2022

Número do processo5041857-80.2020.8.24.0038
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5041857-80.2020.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

APELANTE: COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE (RÉU) APELADO: BRAYAN SEUDAZ CAMACHO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: JULIA DIAS CORREIA (Pais) (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: MARILENE DIAS CORREIA (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida, por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:

Trata-se de ação de indenização de danos morais promovida, por MARILENE DIAS CORREIA E OUTROS em face de COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE, partes qualificadas.

Aduziu a parte autora, em síntese, que reside em imóvel localizado nas imediações da estação de tratamento de esgoto do bairro Paranaguamirim, nesta Comarca. Aproximadamente no ano de 1984, a CASAN construiu a mencionada estação e, desde então, os moradores da região são obrigados a conviver com mau cheiro, insetos, roedores e doenças, além da vergonha e do constrangimento de residir em local nessas condições. Sustentou que, embora decorridos muitos anos desde a instalação da aludida ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), a requerida, até o momento, não tomou providências para solucionar tal problema. Requereu a reparação de danos morais e a concessão da Gratuidade da Justiça. Juntou documentos.

Recebida a inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça e foi reconhecida a relação de consumo existente entre as partes, invertendo-se o ônus da prova (evento 3).

Citada, a ré apresentou contestação (evento 13). Arguiu, em preliminar, a ilegitimidade ativa, sob a alegação de que a parte autora não comprovou residir no local, bem como a ilegitimidade passiva, ao argumento de que, por aproximadamente 32 anos, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município de Joinville estiveram a cargo da CASAN, antiga concessionária, de modo que não poderia responder pelos atos praticados por ela ou pelo Município. Como prejudicial de mérito, sustentou que a pretensão da parte autora fora atingida pela prescrição trienal, vez que os fatos tiveram início em 1984. No mérito, afirmou ser uma empresa distinta da CASAN. Defendeu, ainda, a inexistência de prestação de serviços e de relação de consumo no caso concreto; que a ETE Jarivatuba é a principal estação de tratamento do Sistema de Esgotos Sanitários de Joinville; que o sistema de tratamento foi concebido sob a forma de "lagoas de estabilização", constituído por seis lagoas em série, duas anaeróbias, uma facultativa e três de maturação. Com o crescimento da cidade, a área em torno da referida ETE passou a ser ocupada pela população, sendo natural a existência de odores; que as concentrações de sulfato constituem a maior causa dos odores emitidos pela dita estação, vez que em condições anaeróbicas o sulfato é reduzido a sulfeto e, dependendo do pH do meio, é liberado para a atmosfera na forma de gás sulfídrico, o qual possui forte odor. Em razão disso, foi instalado um Sistema Neutralizador de Odores, ao passo que a construção de uma estação de tratamento de esgoto mais moderna está em vias de ocorrer, o que reduzirá a emanação de odor. Sustentou que a estação de tratamento de esgoto proporciona qualidade de vida à população e que doenças, roedores e insetos não são observados nas adjacências. Aduziu não haver prova de que o odor e a aludida estação tenham causado a proliferação de doenças, de roedores e de insetos, ou de qualquer problema de saúde para a população local ou mesmo à parte autora. Ao final, requereu o acolhimento das preliminares e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 20).

No saneador, foi reconhecida a conexão instrumental com os Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038, e as preliminares foram afastadas. Na dita decisão, também fora deferida a utilização da prova pericial produzida nos Autos n. 0302016-66.2015.8.24.0038, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil.

Os laudos periciais foram juntados (evento 25 dos Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038), sobre os quais ambas as partes se manifestaram (eventos 39 e 42).

Por fim, o Ministério Público se manifestou (evento 45).

O Juiz de Direito Rafael Osorio Cassiano julgou procedente o pedido, constando da parte dispositiva do decisum:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão inicial, para o fim de CONDENAR a requerida ao pagamento de R$ 18.000,00, a título de danos morais, acrescido de correção monetária, pelos índices estabelecidos pela Corregedoria Geral de Justiça, a partir da presente data (Súmula 362 do STJ), e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2°, do CPC.

Extingo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC).

Irresignada, a empresa ré recorre.

Em suas razões recursais, esclareceu inicialmente que responde a mais de seiscentas ações com idêntica pretensão indenizatória face a emissão de odores no processo de tratamento de esgoto da ETE Jarivatuba e que, durante a instrução processual, realizou-se negócio jurídico processual para a produção de prova pericial. Assim, encerrada a instrução, "as ações foram dividas em grupos de acordo com a incidência de odor, partindo do ponto central (lagoa de tratamento) até sua dispersão total (raio de aproximadamente 500m). Isso resultou em três grupos de ações de acordo com sua localização: (i.) fora da pluma de odor, (ii.) faixa lilás; e (iii.) faixa azul". Suscitou a ilegitimidade ativa dos autores. No mérito propriamente dito, defendeu a inexistência de dano moral indenizável, porquanto a atividade praticada é despoluidora, tendo a perícia judicial demonstrado que "a concentração de gases que extrapolam os limites da estação de tratamento não são suficientes para gerar incomodo à população do entorno". Aduziu que "a verificação do dano moral, no presente caso, é extremamente subjetiva, pois a percepção de odor varia de pessoa a pessoa, em razão disso que deve ser regrado o que seria passível de dano ao 'homem médio', nessa linha a OMS recomendou que a concentração de H2S não ultrapasse 7,0 µg/m³ a fim de evitar a reclamação da comunidade, o que restou cumprido pela recorrente". Desse modo, inexiste a prática de ato ilícito (arts. 186, 187 e 927 do CC/2002), pois atua dentro dos parâmetros da Organização Mundial da Saúde. Teceu considerações sobre o laudo pericial produzido, ressaltando que "em que pese a existência de odor que ultrapasse os limites da ETE, segundo recomendação da OMS, a concentração verificada está dentro dos parâmetros que não causam incomodo, o que afasta o dever de indenizar". Sustentou estar a ETE - Jarivatuba instalada no local desde os anos 80 e que a comprovação de residência da autora é posterior à instalação, fato que afasta ou mitiga o dever de indenizar em razão do que já decidido pela Segunda Câmara de Direito Civil deste Tribunal de Justiça na Apelação Cível n. 20120763460, relator Des. Monteiro Rocha, j. 6-11-2013). Em caso de manutenção da condenação, defendeu que o valor deve ser reduzido, pois "a substituição da forma de tratamento está sendo implementada, mas que a conclusão da obra é complexa", e porque desproporcional ao dano, afetando "a universalização do esgotamento sanitário no Município de Joinville". Em relação aos consectários legais, insurge-se à fixação dos juros moratórios desde a citação, entendendo que o termo inicial deva fluir a partir do arbitramento, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 903258/RS, com incidência da Taxa Selic. Por fim, asseverou que diante do valor arbitrado em primeiro grau e o valor pretendido pela parte autora a título de danos morais, deve ser reconhecida a ocorrência de sucumbência parcial.

Houve contrarrazões.

Lavrou parecer o procurador de justiça Rogê Macedo Neves, manifestando-se pelo "parcial conhecimento e pelo parcial provimento do reclamo"(evento 13).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Como condição geral de admissibilidade, o conhecimento do recurso está condicionado ao cumprimento dos requisitos extrínsecos (regularidade formal e tempestividade) e intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) previstos na legislação.

Destaca-se que a competência desta Sétima Câmara de Direito Civil para o julgamento do presente e dos demais recursos envolvendo a concessionária demandada, e que tem como causa petendi indenização por danos morais em virtude de alegado mau cheiro advindo da estação de tratamento de efluentes do bairro Paranaguamirim (ETE - Jarivatuba) está assentada no artigo 73, I, Anexo III, item I, b do Regimento Interno desta Corte, e diante da prevenção estabelecida com a distribuição da apelação cível n. 0315033-33.2019.8.24.0038 (art. 117, RI).

Necessário registrar, ainda, que as prefaciais de ilegitimidade ativa e passiva ad causam e de prescrição, aventadas em contestação, foram rejeitadas pela decisão interlocutória irrecorrida proferida em 16-6-2015, ocasião em que declarada a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC).

Superadas essas prejudiciais pela preclusão, e porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, passa-se à análise de mérito.

2. Dos pressupostos à configuração da responsabilidade civil

2.1 Da espécie de responsabilização aplicável ao caso concreto

Trata-se na origem de ação de indenização por danos morais movida contra Companhia Águas de Joinville, sustentando a parte autora que reside nas imediações da estação de tratamento...

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