Acórdão Nº 5042103-93.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 03-03-2021

Número do processo5042103-93.2020.8.24.0000
Data03 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão










Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5042103-93.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ


AUTOR: Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra a Lei Estadual n. 18.014, de 6 de outubro de 2020, do ESTADO DE SANTA CATARINA, a qual "dispõe sobre a excepcional hospedagem de profissionais da saúde pública em hoteis, pousadas ou espaços de alojamento similares, por requisição do Estado, durante o período de calamidade pública resultante da pandemia de COVID-19".
Em resumo, o autor afirmou que "ao condicionar o pagamento da hospedagem ao valor das tarifas aplicadas em balcão, criou-se hipótese de requisição administrativa, dissonante do modelo constitucional, em evidente inobservância ao interesse público, infringindo-se, por consequência, o princípio da moralidade administrativa, de forma a contrariar o estipulado nos artigos 4º, caput, e 16, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina". Explicou que o art. 5º, XXV, da CRFB, prevê que a requisição administrativa, hipótese jurídica de intervenção do Estado na propriedade, que autoriza à autoridade competente, no caso de iminente perigo público, o uso de propriedade particular, assegura ao proprietário apenas a indenização ulterior, se houver dano. Observou que enquanto o mandamento constitucional garante a indenizacão correspondente, sempre que sejam produzidos danos intercorrentes do ato requisitório, a Lei Catarinense permite o pagamento arbitrado previamente pela denominada tarifa de balcão, sendo que esta corresponde à diária fixada na recepção, sem desconto, vale dizer, o preço de tabela dos produtos e serviços do hotel negociado diretamente com o cliente, já que os descontos são comumente praticados na hotelaria sobre essa tarifa de balcão. Sustenta que o art. 4º, caput, da Constituição Estadual internaliza a norma contina do art. 5º, XXV, da CRFB, de forma que serve de parâmetro de constitucionalidade para o controle de leis estaduais e municipais. Assim, em razão da desvantagem da tarifa de balcão, defendeu que há afronta ao interesse público e à moralidade administrativa, que são fatores norteadores das contratações pela Administração Pública, nos termos do artigo 16, caput e § 1º da CESC. Destacou que a manutenção dessa norma impugnada fará com que a Governo do Estado de Santa Catarina organize-se e requisite o uso dos estabelecimentos privados de hospedagem para os profissionais da saúde pública, o que gerará gastos ao erário, o que demonstra o perigo da demora. Por fim, pugnou pela suspensão cautelar da norma e a procedência do pedido para declarar sua inconstitucionaldiade (Evento 1, INIC1).
Diante da relevâcia da matéria, com especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, este relator adotou o rito do art. 12 da Lei Estadual n. 12.069/2001 (Evento 5).
O Governador do Estado de Santa Catarina informou que o parlamentar proponente do projeto de lei destacou que tinha por objetivo contribuir com a saúde dos profissionais envolvidos no combate à pandemia, em especial aqueles que trabalham na área da saúde, e resguardar os familiares que moram na mesma residência, e que a estratégia apresentada foi proposta e estava sendo praticada em outras unidades da federação, de que são exemplos os Estados do Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. Disse que não vislumbrou qualquer inconstitucionalidade ou ainda violação ao interesse público, de maneira que o texto foi sancionado. Esclarece que, no Estado de Santa Catarina, adotou-se a tarifa de balcão, a qual reembolsa o valor da diária contratada no dia, uma vez que não há qualquer reserva prévia pelo Poder Público. Além disso, destacou que o montante fixado a título de indenização revela-se como um parâmetro mínimo, consistente na tarifa de balcão, de forma que outros danos que possam vir a ser causados aos particulares poderão ser indenizados, desde que comprovado o prejuízo, em um processo administrativo específico (Evento12).
O Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, na defesa do ato impugnado, sustentou que se sabe de antemão que os hotéis, pousadas ou estabelecimentos similares experimentarão um dano, consistente na disponibilização aos agentes de saúde de quartos que poderiam ser ofertados à hospedagem de particulares. Acrescentou que a indenização será posterior, porém, com valor mínimo pré-definido, qual seja, a tarifa de balcão, compreendida como aquela negociada diretamente com o cliente, o qual, por óbvio, não efetuou uma pré-reserva. Registrou, ainda que a situação de calamidade pública impossibilita a definição quanto ao número de quartos a serem requisitados para hospedagem dos profissionais da saúde. Fundamentou que não se vislumbra ofensa à moralidade administrativa, senão o exercício legítimo da autonomia estadual, nos termos do inciso II do art. 1º da CE (Evento13).
O 1º Vice-Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, por sua vez, noticiou que a Comissão de Constituição e Justiça não constatou nenhum vício no combalido projeto de lei, tendo sido aprovado, e o Governador do Estado, após nova análise de constitucionalidade, apresentou sua anuência. Noutro ponto, argumentou que o Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON, órgão do Ministério Público de Santa Catarina, não tem legitimidade ativa para propor a ação, uma vez que a atribuição é exclusiva do Procurador-Geral de Justiça (art. 85, III, da CE; e art. 2º, III, da Lei Estadual n. 12.069/2001). Por fim, requer seja julgada improcedente a ação (Evento 15).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Fabio de Souza Trajano, manifestou-se pela concessão da tutela cautelar e no mérito pela procedência do pedido (Evento 18)

VOTO


1. Principio registrando que, em razão da existência de pedido cautelar, adotou-se o rito do 12 da Lei Estadual n. 12.069/2001, para que a causa possa ser julgada definitivamente por este Órgão Especial, em razão da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica.
A respeito:
Há no presente feito pedido cautelar, o qual, registra-se, ainda não foi analisado. Não obstante, tendo em vista que o processo encontra-se devidamente instruído, observando estritamente o postulado do devido processo legal e seus corolários, submeto a demanda diretamente a este colendo Órgão Especial, que dispõe da faculdade de julgar definitivamente a ação, com fulcro no art. 12 da Lei Estadual n. 12.069/2001 (ADI n. 2009.072645-5, de São José, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 15-2-2012).
2. Em preliminar, afasta-se a arguição de ilegimidade ativa do Coordenador Centro Apoio Operacional de Controle de Constitucionalidade - CECCON do Ministério Público Estadual.
Com efeito, interpretando-se o art. 85, III, da CE/1989, e o art. 93, XVI, da LCE n. 197/2000, infere-se que Procurador-Geral de Justiça pode delegar funções, o que de fato foi concretizado em favor do Coordenador do CECCON por meio da Portaria n. 1.498/2019/PGJ (Evento 18, PROMOÇÃO1).
Este é o entendimento desta Corte de Justiça:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO CECCON E DE ERRO MATERIAL NA PETIÇÃO INICIAL AFASTADAS [...] (ADI n. 8000459-61.2016.8.24.0000, da Capital, rel. Jaime Ramos, Órgão Especial, j. 21-08-2019).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. [...] PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO COORDENADOR-GERAL DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (CECCON). TESE AFASTADA. ART. 93, INCISO XVI, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 197/2000. PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA AUTORIZADO A DELEGAR A ATRIBUIÇÃO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR REJEITADA [...] RECONHECER A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 131-E, CAPUT E § 1º, INCISO V (ADI n. 8000030-60.2017.8.24.0000, da Capital, rel. Soraya Nunes Lins, Órgão Especial, j. 05-06-2019).
3. Ainda de forma prefacial, colhe-se que a Lei Estadual n. 18.014/2020, ora questionada, trata de hipótese de requisição administrativa, que segundo o autor estaria em desconformidade a previsão constitucional quanto ao valor da indenização a ser paga pelo ente público.
Segue o texto normativo:
Art. 1º Os profissionais de saúde pública atuantes no combate à calamidade pública gerada pela pandemia de COVID-19, por requisição do Estado poderão ser hospedados em hotéis, pousadas ou espaços de alojamento similares, nos termos do Decreto nº 562, de 17 de abril de 2020, para evitar a proliferação do vírus, garantida a justa indenização posterior, aos seus respectivos proprietários, das tarifas aplicadas em balcão .[...] (grifou-se)
A Constituição Federal de 1988, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, prevê a hipótese de requisição...

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