Acórdão Nº 5043009-38.2022.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-06-2023

Número do processo5043009-38.2022.8.24.0930
Data15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5043009-38.2022.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: JOAO CLARO MEIRELES NETO (AUTOR) ADVOGADO(A): LUIZ FERNANDO CARDOSO RAMOS (OAB MS014572) APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU) ADVOGADO(A): MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Crefisa S.A. Crédito Financiamento e Investimentos e João Claro Meireles Neto interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença do Evento 18 dos autos de origem, que, proferida pelo 18º Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por João Claro Meireles Neto em ação Revisional ajuizada em face da Crefisa, o que se deu nos seguintes termos:
JOAO CLARO MEIRELES NETO propôs a presente ação condenatória de reajuste de cláusula contratual abusiva e devolução de valores pagos indevidamente cumulada com repetição de indébito e danos morais em face do CREFISA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS ambos qualificados, aduzindo, em resumo, que firmou contrato n. 033350015237 com o banco réu, todavia foram incluídas nos pactos cláusulas abusivas e que merecem revisão.
Dessa forma, pleiteou a adequação dos referidos contratos aos parâmetros permitidos pela lei, especificamente: 1) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova; 2) a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, ou, ainda, à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil; 3) o afastamento da capitalização de juros; 4) a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente; 5) a indenização por danos morais e 6) a concessão da justiça gratuita.
O pedido de justiça gratuita foi deferido (Evento 4).
Devidamente citado, o réu apresentou resposta na forma de contestação, alegando, preliminarmente: 1) a impugnação à justiça gratuita; 2) a captação indevida da clientela e 3) a conexão com outras demandas. No mérito, sustentou a total legalidade da relação contratual, bem como discorreu sobre a inversão do ônus da prova e a repetição do indébito. Juntou documentos (Evento 12).
A parte autora apresentou réplica (Evento 16).
É o relatório necessário. Decido.
Julgamento antecipado da lide
A prova pericial é desnecessária, pois a compreensão da (i)legalidade de disposições contratuais pode ser feita sem a participação de profissional habilitado em contabilidade.
A solução do feito passa unicamente pelo exame de prova documental, que possui momento oportuno para produção, mais especificamente a primeira oportunidade que couber a cada parte se manifestar nos autos (art. 434 do CPC).
Por essa razão, resta autorizado o julgamento antecipado da lide, sem que se possa cogitar de cerceamento de defesa.
Nesse norte:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DOS EMBARGANTES-EXECUTADOS. CERCEAMENTO DE DEFESA EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE PERÍCIA. TESE REJEITADA. FEITO QUE SE ENCONTRA INSTRUÍDO PARA O SEU DESLINDE, COM O ARCABOUÇO PROBATÓRIO NELE AMEALHADO.O instituto do julgamento antecipado da lide não ocasiona cerceamento de defesa; ao contrário, evita a produção de atos dispensáveis para a resolução da demanda, notadamente quando o feito está instruído com documentos suficientes para o deslinde da questão (TJSC, AC 0307466-34.2017.8.24.0033, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 05.03.2020).
Das questões preliminares
Da impugnação ao benefício da Justiça Gratuita
De acordo com o art. 4º da Lei nº 1.060/50, "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família".
A alegação de hipossuficiência, em se tratando de pessoa física, dispensa prova ou declaração de hipossuficiência e goza de presunção "juris tantum" de veracidade, que pode ser ilidida mediante prova em contrário (art. 4°, § 1, da Lei 1.060/50).
Portanto, ao impugnante compete o ônus de demonstrar que a parte adversa não faz jus à benesse postulada.
Nesse sentido, decidiu-se:
Oferecida a impugnação à Justiça Gratuita compete ao impugnante a prova de que os beneficiários não ostentam a parca condição financeira alegada e que lhes autorizou a concessão da benesse (TJSC, AC 2013.011797-2, Rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 25.4.2013).
No caso em comento, a parte impugnante se limitou a infirmar o benefício pleiteado pela parte contrária, sem comprovar que esta realmente possui condições financeiras para arcar com as despesas processuais, ônus que lhe cabia.
Nessas condições, segue preponderando a presunção legal de hipossuficiência, mesmo porque a lei se contenta com a insuficiência econômica, requisito que não se confunde com o estado de miserabilidade.
Da captação indevida de clientela
A instituição financeira solicita a expedição de ofícios para que terceiros apurem a indevida captação de clientes pelo Advogado da parte contrária.
Todavia, entendo que o interessado nessa diligência pode encaminhar, sob a sua inteira responsabilidade, informações à Ordem dos Advogados do Brasil, à Delegacia de Polícia ou ao Ministério Público acaso entenda haver alguma violação ética ou criminal, sem a necessidade de requerer que o Poder Judiciário o substitua nessa tarefa.
Da Conexão
Alegou a parte ré que há conexão entre a presente demanda e outras ajuizadas pela parte autora.
Embora haja identidade de partes, tratam-se de revisões relativas a contratos diversos.
Desse modo, sendo diferente a causa de pedir, não há conexão entre as demandas.
Ademais, friso que, ainda que pertençam a mesma cadeia de refinanciamentos, não há qualquer óbice ao ajuizamento de demanda restrita a cada contratação.
Do mérito
Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova
Respeitante à aplicabilidade da Lei n. 8.078/90 ao caso em análise, cumpre anotar que o contrato objeto desta ação é relação jurídica subordinada às normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, isso porque o § 2º, do art. 3º, da legislação em epígrafe alude expressamente aos serviços de natureza bancária e financeira.
De outro lado, o contrato questionado, via de regra, é de adesão, na medida em que apresentam cláusulas pré-impressas e que impossibilitam sua alteração pelo consumidor, tal como previsto no caput do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."
Chama-se a atenção, ainda, para o disposto no inciso V, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a possibilidade de "modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas". Este dispositivo alicerça a pretensão da parte autora.
Além disso, admite-se a inversão do ônus da prova, conforme requerido pela parte acionante, quando ausente elemento probatório necessário ao deslinde da demanda e as alegações do consumidor estiverem revestidas de verossimilhança ou verificada sua hipossuficiência na relação, consoante disposto em seu art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Estabelecidas estas premissas, passa-se à análise das cláusulas impugnadas, ressaltando que pela dicção do enunciado da Súmula 381 do STJ, "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas."
Possibilidade de o consumidor revisar o contrato
Estando o contrato sub judice sujeito ao Código de Defesa do Consumidor, terá o consumidor o direito de revisar as cláusulas ilegais ou abusivas.
Ademais, em se tratando de contrato de adesão, resta cristalino que a única opção da parte autora - no que se refere às cláusulas estabelecidas -, diz respeito apenas entre se aceita ou não o conteúdo da avença, pois certo que ao consumidor não é permitido nenhuma ingerência sobre sua elaboração, restando-lhe somente a opção entre aderir ou não às condições ali elencadas.
Além disso, a revisão poderá ocorrer diante da mitigação do princípio da "Pacta Sunt Servanda", para que seja evitada a onerosidade excessiva à parte considerada hipossuficiente.
Nesse raciocínio, o art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, determina a nulidade das cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas abusivas, iníquas e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade.
Importante ressaltar, aliás, que, com a revisão do contrato, não se nega vigência ao princípio do Pacta Sunt Servanda, que faz lei entre as partes, para somente afastá-lo em relação às cláusulas abusivas, ou seja, aquelas que geraram a situação de desequilíbrio entre as partes.
Assim sendo, prevalece, atualmente, o princípio da relatividade do contrato, como forma de assegurar o equilíbrio da relação contratual.
Da capitalização dos juros
A capitalização mensal de juros foi admitida pela Medida Provisória 2.170-36, em seu art. 5º, alterando a sistemática então instituída pelo Decreto 22.626/33 e outros regramentos:
Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da capitalização mensal em recurso especial representativo de controvérsia, conquanto contratada, sendo assim entendido quando constar na avença a taxa de juros anual superior ao duodécuplo da taxa mensal:
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT