Acórdão Nº 5043044-26.2020.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 07-12-2021

Número do processo5043044-26.2020.8.24.0038
Data07 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5043044-26.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: EDELCI TEREZINHA SELL (AUTOR) ADVOGADO: PAULO SERGIO MELO GUEDES (OAB PR035274) ADVOGADO: GLAUCIO ALEXANDRE MELO GUEDES (OAB PR040182) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por EDELCI TEREZINHA SELL contra sentença de improcedência (evento 23) prolatada na denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A.

Em suas razões recursais (evento 31), requer a reforma do "decisum", com a procedência dos pleitos formulados na exordial, reafirmando a ocorrência de prática abusiva efetuada pela parte ré. Diante disso, postula a readequação da avença para a modalidade originalmente pretendida, qual seja, de empréstimo "puro e simples", com a devolução em dobro dos valores descontados do benefício da recorrente. Ainda, pretende a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais e dos ônus sucumbenciais.

Apresentadas as contrarrazões (evento 41), os autos ascenderam a esta Instância.

É o relato do essencial.

VOTO

Insurge-se a parte autora contra sentença de improcedência, objetivando a readequação da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), para a modalidade inicialmente pretendida, com a condenação da casa bancária à reparação por dano moral e à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente.

Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Prescrição

Antes de adentrar no tema, necessário se faz ressaltar que, embora não tenha a acionada ventilado a ocorrência de prescrição no curso do trâmite processual, possível é o exame da temática por esta Corte porque de ordem pública.

Sobre a questão, o art. 193 do Código Civil estabelece que "a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita."

Feita a ressalva, passa-se ao enfrentamento da matéria.

Em sede de contrarrazões, alega preliminarmente o banco réu que, no caso em análise, aplica-se a prescrição trienal, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, inciso IV do Código Civil, por se atrelar ao ressarcimento de enriquecimento sem causa.

Enuncia referido dispositivo: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3º. Em três anos: [...] IV a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; a pretensão de reparação civil; [...]".

Todavia, conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.

Nesse sentido:

É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)

E:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)

Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, evidencia-se que sequer teve seu curso iniciado, porquanto o dano discutido cessou somente após o ajuizamento da presente demanda.

Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.

Inexistência de contratação via cartão de crédito consignado

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a autora defende a existência de vício de consentimento, sustentando ter sido induzida a erro por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela validade da relação jurídica decorrente do contrato via cartão de crédito com reserva de margem consignável, julgando improcedente os pedidos exordiais, "decisum" contra o qual a autora interpôs recurso de apelação.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http://condege.org.br/publicacoes/noticias/ma-defensoria-promove-a%C3%A7%C3%A3o-civil-p%C3%BAblica-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados)

Extrai-se da narrativa ser esse o caso em questão.

Isso porque, da análise das circunstâncias em que a contratação foi efetivada, é possível verificar que a acionante pretendia firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber, que contraíra outra modalidade contratual, via reserva de margem...

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