Acórdão Nº 5044865-65.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 15-04-2021

Número do processo5044865-65.2020.8.24.0038
Data15 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5044865-65.2020.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: ALEXANDRE JOSE DOS SANTOS GOMES (AGRAVADO) ADVOGADO: LUIZ OTAVIO FONSECA AZEVEDO (OAB sc037637)


RELATÓRIO


Pronunciamento judicial agravado: o juiz de direito João Marcos Buch, da 3ª Vara Criminal da comarca de Joinville, concedeu a progressão ao regime semiaberto aberto ao apenado Alexandre Jose dos Santos Gomes, nos seguintes termos:
Trata-se de execução penal em face do apenado ALEXANDRE JOSE DOS SANTOS GOMES, condenado à pena de 7 anos e 4 meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, pela prática de crime comum e equiparado a hediondo, reconhecida a reincidência. Atualmente está o apenado em regime fechado, com alocação no Presídio Regional de Joinville.
1. Remição:
O Ministério Público opinou pela declaração da remição em relação a leitura (evento 44) .
Adoto a manifestação Ministerial do evento 44 como razão de decidir.
Ex positis:
Com base no art. 126, da LEP e Portaria n. 8/2013 deste Juízo, declaro remidos 4 (quatro) dias do apenado ALEXANDRE JOSE DOS SANTOS GOMES, relativos à leitura do livro "A transposição da fábula clássica" (evento 37)
Intimem-se e comunique-se à unidade prisional.
Até esta data a remição total é de 4 dias de pena, todos nesta decisão.
2. Progressão ao Regime Semiaberto:
A defesa formulou pedido de progressão ao regime semiaberto, sustentando que o requisito objetivo para tanto já está preenchido em razão da existência de novatio legis in mellius promovida pela Lei n. 13.964/2019 quando alterou o art. 112, da LEP (evento 48).
O Ministério Público manifestou-se nos seguintes termos: "a) pela não aplicação da fração de 2/5 (40%) ao crime equiparado a hediondo, mantendo-se a fração de 3/5 (três quintos) já utilizada no despacho do evento 26, tendo em vista o caráter pessoal de reincidente do apenado e a suficiência da reincidência genérica para se aplicar a fração mais gravosa; b) pelo indeferimento da progressão ao regime semiaberto" (evento 53).
É o necessário relatório. Decido.
O apenado foi condenado por crime comum e por crime equiparado a hediondo, tendo por ocasião da sentença sido reconhecida a reincidência genérica em seu desfavor.
Anote-se que para a progressão de regime em crimes hediondos e equiparados o art.2º, §2º, da lei de crimes hediondos assim dispunha: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).
Todavia, conforme a lei nº.13.964/2019, os critérios para progressão de regime foram alterados, in verbis:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:(...)V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;(...)VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
A previsão de fração mais gravosa para crimes hediondos e equiparados, no caso de reincidência, trouxe uma inovação. Acrescentou a necessidade do apenado ser reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado.
Vale dizer, para a aplicação da fração de 60% é necessária a reincidência específica.
Certa é assim a ocorrência da novatio legis in mellius, uma vez que a nova lei foi específica ao adicionar a reincidência na prática de crime hediondo ou equiparado.
Sobre essa hipótese, "Ocorre a novatio in mellius quando a lei posterior, mantendo a incriminação do fato, torna menos gravosa a situação do réu. Exemplos: a) lei que comina pena menos severa; b) lei que cria causa extintiva da ilicitude, da culpabilidade ou da punibilidade; c) lei que facilita a obtenção do sursis ou do livramento condicional." (SALIM, Alexandre Aranalde. Teoria da norma penal. www.lfg.Jusbrasil.com.br ).
Aplica-se assim o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, nos termos do parágrafo único, do art.2º, do Código Penal (novatio legis in mellius).
Não é demais lembrar que interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. É procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a maior precisão possível. O in clans non fit interpretativo é uma falácia, até mesmo porque para se concluir que a lei é clara já se faz necessária uma interpretação. Como se percebe, o que se procura com a interpretação é o conteúdo da lei, a inteligência e a vontade da lei (mens legis), não a intenção do legislador (mens legislatoris), embora esta última constitua um dos critérios de interpretação, porquanto, uma vez em vigor, a lei passa a gozar de existência autônoma (LIMA, Renato Brasileiro de. 7ªed. Salvador: Juspodivm, 2019, p.102).
Por outro vértice, em consulta proferida pelo Centro de Apoio do Ministério Público do Paraná, em 19.2.2020 (www.criminal.mppr.mp.br), reconheceu-se que a maioria da doutrina está inclinada para a novatio legis in mellius, muito embora a conclusão final seja pela adoção da mens legislatoris, desconsiderando-se a letra da lei:
[...]Com efeito, este resgate é relevante na medida em que bem demonstra o contexto no qual se insere o tema trazido pela Consulta. É que a questão afeta à natureza jurídica da reincidência prevista no artigo 112 da LEP é mais uma daquelas que não pareem enconrar esclarecimentos no texto da lei.Dentre a limitada doutrina localizada, parece existir uma tendência em aceitar-se que seria exigível a chamada reincidência específica para a aplicação do percentual maior de progressão de regime.[...]não há dúvidas de que a questão pode gerar um conflito interpretativo e que, num tal cenário, pode haver uma tendência em exigir-se a configuração de reincidência específica para o caso.
O Promotor de Justiça Rogério Sanches, ao tratar da aplicação do percentual de reincidência em crimes com violência ou grave ameaça, destacou que:
[...]O dispositivo faz referência à reincidência específica em crime com violência ou grave ameaça. Mas e se o reeducando for reincidente, mas não específico, ou seja, somente um dos crimes, passado e presente tiver sido cometido com violência ou grave ameaça? Lendo e relendo o artigo em comento, concluímos que estamos diante de uma lacuna, cuja integração, por óbvio, deverá observar o princípio do in dubio pro reo. (CUNHO, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: Lei n.13964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p.371.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Lima Netto e Tavares esclarecem ser necessária a reincidência específica para a aplicação do lapso temporal relativo aos crimes hediondos e equiparados e com resultado morte:
Antes do PAC, o tratamento mais gravoso ao condenado reincidente que cometeu crime hediondo ou equiparado hão exigia a reincidência específica. Percebam que a nova legislação exige, para o tratamento mais gravoso, a reincidência na prática de crime hediondo ou equiparado (com ou sem resultado morte, a depender do caso, incisos VII e VIII, isto é, é preciso que a reincidência seja específica. (TAVARES, Pedro Tenorio Soares Vieira; NETTO LIMA, Estácio Luiz Gama. Pacote Anticrime: As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro, e-book, 2020, p.175.
Em recente publicação doutrinária:
[...]Nesse passo a Lei 13.964/19 não trouxe qualquer novidade ou alteração. Uma lacuna, porém, surge: o que fazer se o indivíduo é condenado por crime hediondo ou equiparado e é reincidente, porém não em crime dessa natureza? Por exemplo, um sujeito é condenado por estupro, sendo reincidente, mas por causa de uma condenação anterior por furto simples. Essa situação não foi prevista pela lei e então a única solução é a aplicação da norma referente aos condenados por crimes hediondos, de acordo com o artigo 112, V, LEP, sendo o patamar de cumprimento exigido de 40%. Embora nesse inciso mencionado se trate originalmente de agente primário, o reincidente não específico terá de ser ali enquadrado na impossibilidade de impor-lhe o tratamento mais gravoso que só é permitido ao reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados. Nesse conflito, deve prevalecer a norma que melhor se adequa e que é mais benéfica para o infrator. Como antes, a progressão com 3/5 (equivalente a 60%) era aplicável tanto para reincidentes específicos, como para genéricos, no que tange aos genéricos, a Lei 13.964/19 criou novatio legis in mellius, já que agora a progressão se dará com somente 40% da pena. Dessa maneira, há que retroagir a nova regulamentação para os casos ocorridos antes da vigência da Lei Anticrime. Aqui reside, talvez, um dos grandes lapsos do novo sistema, pois, na esteira de aumentar o rigor com autores de crimes hediondos, acabou beneficiando em grande escala não somente um condenado por crime hediondo mas um reincidente que comete crime hediondo!" (Artigo: Lei Anticrime e Crimes Hediondos (CABETTE, Eduardo Luiz Santos & CARUSO, Gianfranco Silva).(www.meusitejuridico.com.br). Acesso em 15.7.2020)
Outrossim, em brilhante decisão, a Segunda Câmara Criminal do egrégio Tribunal do Estado de Santa Catarina assim decidiu:
RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE DEFERE PROGRESSÃO DE REGIME E AUTORIZA SAÍDA TEMPORÁRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. REINCIDÊNCIA. CONDIÇÃO PESSOAL. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL. PENA TOTAL. 2. FRAÇÃO DA PROGRESSÃO. LEI 13.964/19 (PACOTE ANTICRIME).REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA (LEP, ART. 112). LACUNA. 3. COMBINAÇÃO DE LEIS. APLICAÇÃO INTEGRAL. NOVATIO LEGIS IN...

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