Acórdão Nº 5044952-04.2021.8.24.0000 do Primeiro Grupo de Direito Criminal, 29-09-2021

Número do processo5044952-04.2021.8.24.0000
Data29 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Direito Criminal
Classe processualRevisão Criminal (Grupo Criminal)
Tipo de documentoAcórdão
Revisão Criminal (Grupo Criminal) Nº 5044952-04.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

REQUERENTE: VALMIR LOCATELLI REQUERIDO: Quarta Câmara Criminal - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis

RELATÓRIO

Na Comarca de Xaxim, nos autos da Ação Penal 09000216320178240081, Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Valmir Locatelli, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 343, caput, c/c seu parágrafo único, do Código Penal, nos seguintes termos:

No período compreendido entre 26 de fevereiro de 2016 e 11 de março de 2016, em dias e horários que poderão ser melhor esclarecidos no curso da instrução processual, no interior da Prefeitura Municipal de Lajeado Grande, situada à Rua Vitória, n. 503, Centro daquele Município, o denunciado Valmir Locatelli ofereceu vantagens pessoais a Luiz Carlos Straube e a Ademar Almeida Cardoso para que ambos fizessem afirmações falsas em depoimentos que prestariam, na qualidade de testemunhas, no transcorrer da instrução do Inquérito Civil Público n. 06.2014.00003602-0.

Referido procedimento investigativo, integralmente anexado à inicial, tinha por objeto "apurar possível irregularidade praticada pelo Prefeito do Município de Lajeado Grande ao determinar o emplacamento de veículo municipal com as letras do seu nome e número da diferença de votos da última eleição".

Para a consecução do desiderato criminoso, o denunciado Valmir Locatelli valeu-se das facilidades e do status conferidos pelo cargo que ocupava (Prefeito Municipal) e prometeu a Luiz Carlos Straube, despachante, a vantagem de o indicar a todos os conhecidos de Lajeado Grande que necessitassem dos serviços por ele prestados, aumentando, assim, sua renda. Em contrapartida, Luiz Carlos Straube deveria dizer, em depoimento ao Ministério Público, que a reserva de placa relacionada ao veículo Renault/Master (ambulância), Renavan 526304901, teria sido feita por Ademar Almeida Cardoso.

Valendo-se do mesmo estratagema e durante a mesma "reunião", o denunciado Valmir Locatelli prometeu a Ademar Almeida Cardoso a vantagem de o manter no cargo público de provimento em comissão que ocupava; para tanto, deveria Ademar assumir a responsabilidade pela escolha da placa da ambulância em questão.

A ação do denunciado Valmir Locatelli tinha o objetivo de obter prova destinada a produzir efeito na vindoura ação civil pública de improbidade administrativa em que o Município de Lajeado Grande figuraria como vítima, notadamente isentando-o de qualquer responsabilidade (Evento 1, doc1).

Ultimada a instrução, o Magistrado Sentenciante julgou procedente o pedido formulado na exordial e condenou Valmir Locatelli à pena de 4 anos e 1 mês de reclusão, a ser adimplida no regime inicialmente semiaberto, e 12 dias-multa, por infração ao disposto no art. 343, caput, c/c seu parágrafo único, do Código Penal (por duas vezes em continuidade) (Evento 50, doc317, todas dos autos em Primeiro Grau).

Insatisfeito com o teor da prestação jurisdicional, Valmir Locatelli apelou. O reclamo foi julgado pela Quarta Câmara Criminal deste Tribunal em 18.8.20, que decidiu, à unanimidade, admiti-lo em parte e desprovê-lo (Ap. Crim. 09000216320178240081, Rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, Evento 26, doc12, dos autos em Segundo Grau). Participaram do julgamento, além do relator, os Excelentíssimos Desembargadores José Everaldo Silva e Sidney Eloy Dalabrida.

O recurso especial interposto contra o acórdão não foi admitido (Evento 63, doc27).

Após o trânsito em julgado da sua condenação, Valmir Locatelli ajuizou a presente revisão criminal.

Aduz, em síntese, que a incidência da causa de aumento de pena foi indevida, tanto por ausência de fundamentação quanto porque não havia, no processo a que se destinava a prova, participação de entidade da administração pública direta ou indireta.

Sob tais argumentos requer, liminarmente, a suspensão da execução da pena imposta a si e, ao final, a "declaração de nulidade absoluta da condenação no que concerne à incidência da causa de aumento do parágrafo único do art. 343 do Código Penal", ou seu afastamento do cômputo dosimétrico, com os reflexos daí naturalmente decorrentes (Evento 1, doc1).

A tutela de urgência foi deferida (Evento 4).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Hélio José Fiamoncini, manifestou-se pelo indeferimento da revisão (Evento 11).

VOTO

Destaco, de início, que o tema tratado nesta revisão não foi abordado por ocasião do julgamento da Apelação Criminal 09000216320178240081. O acórdão referente a tal julgamento foi ementado da seguinte forma:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA (ART. 343, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. CONDUTA TÍPICA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS GENÉRICOS. AUSÊNCIA ABSOLUTA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFRONTA À DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

Como se vê, o assunto ora debatido não foi alvo de exame em nenhuma ocasião até agora; é viável, pois, a admissão da revisão.

Quanto ao mérito, a ação deve ser deferida.

Com o devido respeito ao posicionamento do Ministério Público, tenho que a alegação de ausência de fundamentação referente à incidência da causa de aumento procede.

A sentença determinou a aplicação da causa de aumento do art. 343, parágrafo único, do Código Penal sem dedicar arrazoado que justificasse sua incidência.

A fundamentação da sentença, em sua integralidade, é a seguinte:

Busca o Ministério Público a responsabilização do requerido por infração ao art. 343, parágrafo único, do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71), em razão de possível favorecimento a testemunhas durante processo de investigação.

Inicialmente, importa mencionar que os atos praticados pelo réu podem acarretar tanto a sua responsabilidade penal, como também a civil e administrativa, independentes entre si.

O art. 12 da Lei n. 8.429/1992 prevê: Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato [...] (grifou-se).

Ainda, sobre o assunto, veja-se a lição doutrinária de Guilherme de Souza Nucci, quanto aos reflexos da sentença penal:

Sentença absolutória penal: não é garantia de impedimento à indenização civil. Estipula o art. 386 do Código de Processo Penal várias causas aptas a gerar absolvições. Algumas delas tornam, por certo, inviável qualquer ação civil ex delicto, enquanto outras, não. (...) Fazem coisa julgada no cível: a) declarar o juiz penal que está provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP); b) considerar o juiz penal, expressamente, que o réu não foi autor da infração penal ou, efetivamente, não concorreu para a sua prática (art. 386, IV, CPP). Reabrir-se o debate dessas questões na esfera civil, possibilitando decisões contraditórias, é justamente o que quis a lei evitar (art. 935, CC, 2ª parte) (Código de processo penal comentado, 11. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 193).

No caso concreto, observo que a verificação do fato delituoso apurado na presente ação penal não depende do conhecimento do mérito na ação civil pública de improbidade administrativa já que, de um lado, nem todas as decisões criminais fazem coisa julgada no âmbito cível e, de outro, nem todas as condutas ímprobas configuram ato ilícito criminal.

Nesse sentido, aliás, tem decidido a e. Corte Catarinense de Justiça:

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPOSTA FRAUDE NA LAVRATURA DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA PARA FINS DE RECEBIMENTO DE SEGURO VEICULAR. APONTADA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE, MORALIDADE E EFICIÊNCIA (ART. 11 DA LIA). INTERLOCUTÓRIO DETERMINANDO A SUSPENSÃO DO FEITO ATÉ O...

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