Acórdão Nº 5045124-37.2022.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 22-11-2022

Número do processo5045124-37.2022.8.24.0023
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5045124-37.2022.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) APELADO: IA COMERCIO VAREJISTA LTDA (IMPETRANTE) INTERESSADO: DIRETOR DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - ESTADO DE SANTA CATARINA - FLORIANÓPOLIS (IMPETRADO)

RELATÓRIO

Este o resumo que constou na sentença:

Trata-se de Mandado de Segurança preventivo, com pedido liminar, impetrado por IA COMERCIO VAREJISTA LTDA contra ato a ser atribuído ao Diretor de Administração Tributária - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis.

Aduziu a parte impetrante, em suma, que: a) em decorrência do julgamento da ADI nº 5.469 e do RE nº 1.287.019/DF pelo STF (Tema 1.093), foi editada a Lei Complementar nº 190/2022, publicada em 05/01/2022, regulamentando a cobrança do DIFAL em operações de envio de mercadorias destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS; b) a referida LC estabeleceu, em seu art. 3º, que devem ser observadas a anterioridade anual e a nonagesimal, previstas no art. 150, III, alíneas 'b' e 'c', da Constituição Federal; c) o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) autorizou a cobrança pelos estados no exercício de 2022, por meio do Convênio 236/2021; d) a cobrança do DIFAL no exercício de 2022 é inexigível. Em razão disso, postulou a concessão da liminar para que seja suspensa a exigibilidade do Diferencial de Alíquota de ICMS no exercício de 2022. No mérito, requereu a concessão da ordem para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir da impetrante, antes de janeiro de 2023, o ICMS decorrente do diferencial de alíquota (DIFAL) nas operações interestaduais de circulação de mercadorias destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto. Valorou a causa e juntou documentos (ev. 1).

A liminar foi deferida e determinada a notificação da autoridade coatora para prestar as informações, no prazo legal (ev. 12).

O Estado de Santa Catarina prestou informações (ev. 25), aduzindo questões preliminares. No mérito, no que tange à produção dos efeitos da Lei Complementar n. 190, de 04/01/2022, defendeu a necessidade de aplicação tão somente da anterioridade nonagesimal (art. 150, inc. III, alínea "c" da CF/88). Por fim, pugnou pela suspensão da tramitação do feito até o julgamento do mérito das ADIs 7066, 7070 e 7075 pelo STF. Requereu a extinção do feito ou, subsidiariamente, a denegação da segurança.

Com vista dos autos, o Ministério Público manifestou-se pela denegação da ordem (ev. 31).

Adito que a segurança foi concedida para "que o impetrado se abstenha de exigir da parte impetrante o diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL), nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, no Estado de Santa Catarina, até que a lei complementar federal nº 190/2022 seja plenamente eficaz (a partir do exercício de 2023), observando-se a anterioridade nonagesimal e anual".

O Estado apela arguindo que a decisão foi extra petita "pois o Impetrante não formulou pedido expresso para observar o princípio da anterioridade em relação à Lei Federal 190/22, de modo que tal determinação deve ser excluída da parte final dispositiva".

No mérito, defende que a decisão do STF na ADI 5.469 e Tema 1.093 só atingiu as cláusulas do Convênio 93/15 do Confaz e não as leis estaduais editadas após a EC 87/2015, as quais são válidas, mas sua eficácia fica "sobrestada a partir do exercício de 2022 e apenas enquanto não editada a lei complementar nacional". Dessa forma, a Lei Estadual 16.853/2015 produz efeitos imediatos após a publicação da LC 190/2022, na linha do que decidiu o STF no Tema 1.094. O marco final "estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal para a elaboração da lei complementar federal (31/12/2021), foi direcionado tão somente ao Congresso Nacional, que tempestivamente exerceu o seu mister e encaminhou, no dia 20 (vinte) de dezembro de 2021, para a sanção do Presidente da República, o Projeto de Lei Complementar nº 32/21, do Senado Federal (substitutivo da Câmara dos Deputados), de modo que não há qualquer vácuo normativo para a cobrança do DIFAL-ICMS relativo a consumidor final não contribuinte do imposto". Afinal, o art. 3º da EC 87/2015 já previu prazo de não surpresa de 90 dias.

Além disso, não se pode permitir que "uma lei complementar federal estabeleça lapso temporal para cobrança do DIFAL-ICMS por outro Ente Federativo, sob pena de patente vício de inconstitucionalidade pela imposição de indevido obstáculo ao exercício de competência tributária outorgada constitucionalmente aos Estados".

A LC 190/2022, além do mais, cuida apenas de repartição de receitas entre os estados, de modo que não se submete à garantia da anterioridade anual ou nonagesimal pois destinadas apenas aos casos em que há mudança da regra matriz de incidência tributária, não se aplicando a leis que definem normas gerais. Sustenta, nessa linha, a inconstitucionalidade do art. 3º da LC 190/2022, como arguiu o Estado de Alagoas na ADI 7.070.

Aponta que a MP 250/22 apenas adaptou a Lei Estadual 16.853/2015 aos balizamentos definidos pela LC 190/2022, "de modo que não houve aumento da carga tributária. Ou seja, se as alíquotas interna e interestadual são as mesmas, sem que tenha havido qualquer alteração em seu percentual, o DIFAL-ICMS é, necessariamente, também o mesmo. Assim, em relação a essa sucessão normativa, igualmente não há que se falar em incidência das anterioridades". A lei estadual, dessa forma, "não sofreu qualquer solução de continuidade a obstar, ainda que temporariamente, a cobrança do DIFAL-ICMS para operações e prestação de serviços destinadas a consumidor final não contribuinte localizado neste Estado, o que determina a denegação da segurança".

Menciona, ainda, que foi deferida a suspensão da liminar nos autos 5010518-52.2022.8.24.0000.

Questiona, por fim, o fato de ter sido concedida a segurança para autorizar a produção de efeitos patrimoniais pretéritos, o que encontra óbice nas súmulas 213 do STJ e 269 e 271 do STF, de sorte que eventual concessão da segurança só pode abranger as prestações vencidas durante o trâmite do processo.

Em contrarrazões, a impetrante defendeu que a LC 190/2022 estabeleceu nova relação jurídico-tributária, estando por isso sujeita às duas regras de anterioridade, de sorte que o Difal só pode ser exigido a contar de 1º de janeiro de 2023. Sustentou, ainda, a constitucionalidade material do art. 3º da referida lei por não impor restrição à autonomia dos entes federativos, mas apenas concretizar os preceitos constitucionais. A Lei Estadual 16.853/2015 é válida, mas não eficaz, só produzirá efeitos no exercício financeiro de 2023.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do recurso.



VOTO

1. Destaca-se que a decisão não é extra ou ultra petita na medida em que a impetrante requereu expressamente a aplicabilidade da anterioridade anual, ou menos o respeito ao período nonagesimal, de sorte que a sentença é congruente com o pedido e a causa de pedir. Inexiste, portanto, afronta aos arts. 141 e 492 do CPC.

2. A partir da EC 87/2015, o ICMS incidente sobre circulação interestadual de mercadorias e serviços passou a ser repartido entre os Estados de origem e de destino, competindo a este o valor correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual (Difal do ICMS):

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;

(grifei)

A crescente utilização do comércio eletrônico tornou comum a remessa de mercadorias e serviços ao consumidor não contribuinte do imposto localizado em Estado distinto daquele de origem, o que ensejou a edição do Convênio 93/2015, do Confaz para operacionalizar esse regime fiscal de repartição do imposto:

Cláusula primeira - Nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada, devem ser observadas as disposições previstas neste convênio.

Cláusula segunda - Nas operações e prestações de serviço de que trata este convênio, o contribuinte que as realizar deve:

I - se remetente do bem:

a) utilizar a alíquota interna prevista na unidade federada de destino para calcular o ICMS total devido na operação;

b) utilizar a alíquota interestadual prevista para a operação, para o cálculo do imposto devido à unidade federada de origem;

c) recolher, para a unidade federada de destino, o imposto correspondente à diferença entre o imposto calculado na forma da alínea "a" e o calculado na forma da alínea "b";

II - se prestador de serviço:

a) utilizar a alíquota interna prevista na unidade federada de destino para calcular o ICMS total devido na prestação;

b) utilizar a alíquota interestadual prevista para a prestação, para o cálculo do imposto devido à unidade federada de origem;

c) recolher, para a unidade federada de destino, o imposto correspondente à diferença entre o imposto calculado na forma da alínea "a" e o calculado na forma da alínea "b";

§ 1º A base de cálculo do imposto de que tratam os incisos I e II do...

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