Acórdão Nº 5045126-13.2021.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Civil, 04-08-2022

Número do processo5045126-13.2021.8.24.0000
Data04 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5045126-13.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

AGRAVANTE: NEIVA FILIPPINI PIACESKI AGRAVANTE: PEDRO PIACESKI AGRAVANTE: OROZIMBO FILIPPINI AGRAVADO: CLAUDIO LUDWIG

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por NEIVA FILIPPINI PIACESKI e PEDRO PIACESKI em face da decisão proferida nos autos de ação de reintegração de posse em trâmite na 2ª Vara Cível da Comarca de São Miguel do Oste aforada contra si por CLÁUDIO LUDWIG, que deferiu pedido de tutela de urgência.

A decisão agravada tem o seguinte teor (evento 33 da origem):

"Trata-se de ação de reintegração de posse, pautada em força nova, na qual o autor pretende a concessão de liminar objetivando que os réus sejam obrigados à desobstruir uma estrada que eventualmente caracterizava-se como servidão de passagem.

Em prelúdio, cumpre fazer uma breve distinção entre os institutos da servidão e passagem forçada, já que uma das teses alegadas na contestação refere-se a falta de encravamento do imóvel do autor, o que na visão dos demandados obstaria a concessão de liminar.

Uma das principais diferenças é que servidão de passagem constitui direito real sobre coisa alheia, já a passagem forçada pertence ao direito de vizinhança. Esta decorre de lei e possui a finalidade de evitar que um prédio fique sem destinação ou utilização econômica, pois ocorrendo tal hipótese, o dono do prédio encravado pode exigir a passagem, mediante pagamento de indenização. Concernente à servidão, geralmente nasce de um contrato, nem sempre determinado a um imperativo pela situação dos imóveis, mas simplesmente por mera conveniência e comodidade do dono de um prédio não encravado que pretende uma comunicação mais fácil e próxima.

Portanto, fácil concluir que a exigência de encravamento do imóvel dominante em relação ao prédio serviente somente é imprescindível na passagem forçada e não no caso de servidão de trânsito.

A propósito, tomo por liberdade em citar a mesma jurisprudência transcrita na contestação que evidencia a desnecessidade do encravamento, mas utilizada pelos requeridos para supostamente infirmar o direito alegado na exordial, vejamos:

Vale lembrar que "O direito real de servidão de trânsito prescinde do encravamento do imóvel dominante. Precedentes" (AgRg no Ag n. 431.929-SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ. 1.7.2004) (evento 26 - Contestação 1 - p. 5) - sublinhei.

Cediço que a servidão pode ser constituída por ato humano como por exemplo negócio jurídico, sentença, usucapião e destinação do proprietário, como também por fato humano, este último caso somente admitido em servidão de trânsito, como a que se está alegado na petição inicial.

Notadamente que somente as servidões aparentes e contínuas podem ser objeto de posse. Entretanto, a jurisprudência passou a admitir, somente em relação à servidão de trânsito, caracterizada por ser uma servidão descontínua e demonstrada por sinais externos, a possibilidade da proteção possessória.

Sobre a servidão constituída por fato humano, ensina o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, in verbis:

A jurisprudência revelou uma modalidade de constituição de servidão, aplicável exclusivamente à de trânsito, decorrente de fato humano. Tem-se entendimento que, se o dono do prédio dominante costuma servir-se de determinado caminho aberto no prédio serviente, e se este exterioriza por sinais visíveis, como aterros, mata-burros, bueiros, pontilhões etc., nasce o direito real sobre coisa alheia, digno de proteção possessória. Tal entendimento encontra-se cristalizado na Súmula 415 do Supremo Tribunal Federal, do seguinte teor: "Servidão de trânsito não titulada, mas tonada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória". Se o caminho não é demarcado e visível, será encarada como mera tolerância do dono do prédio serviente (in, Direito das coisas - 15. ed. - São Paulo : Saraiva, 2014, p. 202).

Com efeito, a petição inicial sustenta a existência de servidão de passagem não titulada, na qual pretende a proteção possessória frente a obstrução do acesso pelos requeridos.

Cumpre enfatizar que o bloqueio da estrada é fato incontroverso nos autos, já que alegado pelo autor e admitido pelos próprios réus como verdadeiro, os quais aduziram na contestação que realmente obstruíram o trajeto porque pretendem edificar no local.

Os depoentes inquiridos na audiência de justificativa apresentaram declaração segura e firme, desvelando que a estrada existe no local há mais de 11 anos, acesso utilizado não só pelo autor, mas também por toda a vizinhança, e que foi aberta e mantida pelo Município de São Miguel do Oeste por todos estes anos.

A testemunha Claudinei Luiz Knob disse que é vizinho do autor, relatando que mora no mesmo local há mais de 13 anos e que a estrada objeto da demanda foi aberta aproximadamente há 11 anos, acrescentando que muita gente utiliza o acesso.

Aduziu que por duas vezes o acesso foi obstruído com a colocação de carga de pedras: a primeira por volta de 2 ou 3 anos atrás, enquanto que a segunda ocorreu no mês de março de 2021. Acredita que na primeira obstrução a prefeitura tenha providenciado a desobstrução.

Já o informante Niceti Fiorante Sotilli afirmou ser proprietário de um terreno próximo da residência do autor, adicionando que também utiliza o acesso objeto da demanda.

Asseverou que a estrada que passa no imóvel dos requeridos foi aberta pelo Município de São Miguel do Oeste há 12 ou 15 anos, acrescentando que sua estrutura também foi mantida pelo poder público municipal, com a colocação regular de cascalho.

Relatou que muitas pessoas utilizam a estrada e que cerca de 60 ou 90 dias houve o bloqueio da via.

Não deve ser olvidado que ambos declarantes afirmaram que o imóvel do autor possui um outro acesso, embora mais difícil devido sua precariedade, mas como alhures mencionado, tal fato não é relevante para a proteção possessória da servidão aparente de passagem.

Como visto pelos depoimentos e também demonstrado pelas fotografias anexadas aos autos, o acesso é visível e possui estrutura, foi aberto e mantido por longos anos pelo poder público municipal, caracterizando-se, pelo menos nessa fase de cognição sumária, como uma servidão de passagem, não olvidando que o acesso é utilizado não somente pelo proprietário do prédio dominante (autor), mas por toda a vizinhança.

Certamente que não é o momento apropriado para realizar afirmações, até porque ainda pende de provas a serem produzidas, mas pelos elementos até então carreadas aos autos, nitidamente pelo acesso possuir estrutura e ser utilizado pela população há vários anos, não aparenta ser um caminho criado sem demarcação e pouco visível por conta de uma suposta tolerância dos requeridos na condição de proprietários do prédio serviente.

Logo, por aparentar que realmente houve a constituição de servidão de passagem por fato humano, passível a proteção possessória com base na súmula 415 do Supremo Tribunal Federal, deve se dar guarida à reintegração de posse.

Nesse mesmo sentido, em caso similar ao presente, já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DECISÃO QUE DEFERIU AO AUTOR A MANUTENÇÃO DA POSSE DE SERVIDÃO DE...

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