Acórdão Nº 5045180-13.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 06-10-2021

Número do processo5045180-13.2020.8.24.0000
Data06 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualMandado de Segurança Coletivo (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Mandado de Segurança Coletivo (Órgão Especial) Nº 5045180-13.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

IMPETRANTE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DISTRIBUIDORAS DE GAS CANALIZADO ABEGAS ADVOGADO: DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE (OAB ES012082) ADVOGADO: ANA PAULA CARVALHO DOS SANTOS (OAB RJ149441) IMPETRADO: PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO SANTA CATARINA ADVOGADO: KARULA GENOVEVA BATISTA TRENTIN LARA CORRÊA (OAB SC021613) IMPETRADO: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Cuida-se de Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado - ABEGÁS contra ato praticado pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

Sustentou a impetrante que sua associada - SCGÁS - teve direito líquido e certo violado pelos "efeitos concretos, diretos e imediatos" da Lei Estadual n. 18.025/2020, a qual, em seu entender, padece de vício de inconstitucionalidade.

Em seu discurso, alegou: (i) que em 3 de novembro de 2020 foi publicada a Lei Estadual de nº 18.025/2020 que vedou reajuste que venha a majorar "tarifas de serviço público concedido, durante a vigência de estado de defesa ou calamidade pública, que incorra na necessidade de isolamento social ou na suspensão de atividades econômicas, mesmo que parcialmente"; (ii) que a previsão alcança os serviços de gás natural canalizado; (iii) que ao disciplinar sobre reajuste tarifário, a referida Lei Estadual acarreta evidente desequilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão, impossibilitando o cumprimento e a garantia da prestação do serviço público de forma eficiente e adequada; (iv) que a justificação do Projeto de Lei demonstra que a pretensão do legislador foi atingir a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN em razão de um ato que alterou a metodologia de cobrança do consumo de água (e não necessariamente impondo reajuste da tarifa), mas que culminou por atingir todos os prestadores de serviço público; (v) que o Governador do Estado, após consultar a PGE, a ARESC, a CELESC, a CASAN e a SCGÁS, vetou na íntegra o Projeto de Lei, por reconhecer sua inconstitucionalidade; (vi) que ainda assim a lei foi promulgada pelo impetrado em 3.11.2020; (vii) que a SCGÁS tem contrato de concessão firmado com o Estado de Santa Catarina para exploração dos serviços de distribuição de gás canalizado, mediante justa remuneração advinda da cobrança de tarifas; (viii) que a vedação ao reajuste irá necessariamente impactar no equilíbrio da concessão, tendo em vista que não se permitirá o atingimento dos objetivos pretendidos pelo reajuste; (ix) que dessa forma a lei ordinária em comento padece de inconstitucionalidade, pois impõe ônus financeiramente insustentável à SCGÁS, ferindo o Contrato de Concessão com regra nova e mecanismo não previsto; (x) que em se mantendo a vedação de reajustes, a Companhia deve chegar a um saldo de caixa negativo de (- R$ 131 milhões) em dezembro/21 com um prejuízo econômico de (- R$ 104 milhões); (xi) que além da inconstitucionalidade material, há também vício de iniciativa, tendo em vista que o projeto teve início na assembleia legislativa, quando a matéria objeto da lei influencia diretamente na execução de serviços públicos delegados, prestados por concessionárias, e cuja iniciativa de lei incumbe ao Governador.

Pediu, então, liminarmente, a suspensão dos efeitos da Lei Estadual n. 18.025/20 e, ao final, a "Concessão de Segurança Coletiva, assegurando que a Associada da Impetrante não seja impedida de aplicar o reajuste tarifário, na forma das normas regulatórias e do Contrato de Concessão em vigor, bem como que as demais Associadas não sofram os prejuízos decorrentes da referida Lei Estadual".

A liminar foi deferida, "evento 6".

Notificada, a autoridade coatora apresentou informações. Disse, em síntese, que a proposição legislativa foi aprovada por todas as comissões da Assembleia Legislativa, e reconhecida sua constitucionalidade por envolver matéria consumerista. Afirmou, ainda, que a alteração legislativa não teve a intenção de afetar o equilíbrio econômico financeiro da operação de fornecimento de gás ou afetar as cláusulas contratuais da concessão, mas apenas inibir a majoração infundada das tarifas, como havia ocorrido com a Casan, que alterou a fórmula de cálculo do consumo de água em pleno período de pandemia.

Ao final, com vista dos autos, o insigne representante da Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela concessão da segurança.

Este é o relatório.

VOTO

A segurança deve ser concedida.

A norma em testilha veda a majoração de tarifas de serviço público concedido durante a vigência de estado de defesa ou calamidade pública, que incorra na necessidade de isolamento social ou na suspensão de atividades econômicas, mesmo que parcialmente. Típica situação experimentada na atualidade.

Essa a redação da Lei n. 18.025/20:

Art. 1º Fica acrescentado o art. 23-A à Lei nº 16.673, de 11 de agosto de 2015, que passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 23-A. É vedado o reajuste que majore tarifas de serviço público concedido, durante a vigência de estado de defesa ou calamidade pública, que incorra na necessidade de isolamento social ou na suspensão de atividades econômicas, mesmo que parcialmente.

Vejamos.

Antes de ingressar no mérito, oportuno lembrar que a hipótese em baila não se amolda à Súmula n. 266/STF, que veda a utilização do mandado de segurança contra lei em tese. É que aqui se vislumbra um efeito concreto imposto pela norma, que busca regulamentar uma situação atual (de pandemia), impedindo que se promova o reajuste de tarifas de serviços públicos. Gera, portanto, efeito imediato proibitivo, que autoriza a impetração do mandamus. Noutras palavras: "há leis de efeitos concretos, que valem por atos administrativos individualizados. Divergindo do propósito ordinário das normas (regramento abstrato e hipotético para o futuro), apanha situação de fato delimitada e já em curso. Contra esse tipo de comando cabe a impetração." (Apelação / Remessa Necessária n. 0302180-50.2018.8.24.0030, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. 18.6.2020).

Daí porque, nos moldes da decisão liminar, mostra-se válida e necessária a impetração.

Registra-se, ainda, que o impetrado, enquanto Presidente da Assembleia Legislativa Estadual, detém legitimidade para constar no polo passivo do mandamus uma vez que promulgou a norma questionada após veto do Governador do Estado de Santa Catarina (hipótese prevista no art. 54, § 7º, da Constituição Estadual). Satisfaz ele, portanto, o § 3º do art. 6º da Lei n. 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança), que exige que a autoridade coatora seja "aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática".

Já em relação ao pedido principal, o impetrado apresentou as seguintes informações em defesa da validade da norma:

[...] realça-se que a mens legislatoris era inibir "a alteração da regra tarifária aplicada" [...]. Em outras letras, o intento lógico era inibir o "reajuste que majore" tarifas de serviço público concedido, prevenindo redesenho da fórmula contratual ideada pela CASAM, que formalizava inesperado e extemporâneo acréscimo de custo para um grande segmento de contribuintes. A lei ataca, evidentemente, uma redefinição da planilha de custos, que a rigor não estaria abarcada pelo necessário equilíbrio econômico do contrato.

O inconformismo do Deputado autor da proposta foi chancelado pela Assembleia na perspectiva de que a "revisão" do modo de faturamento consistia "revisão" [sic], que afronta a relação consumerista porque naquela mesma ocasião os acréscimos de custos vieram a lume quando grande partes dos consumidores eram atingidos pelos efeitos corrosivos da pandemia, com prejuízo direito sobre a sua renda.

Por tudo isso, [...] também é seguro dizer que a proposta em si, tanto quanto o texto aprovado pela Assembleia, não teve o desiderato de afetar equilíbrio econômico financeiro da operação de fornecimento de gás, mas, como realçado na justificativa, inibir majoração intempestiva e desconexa com as hipóteses de reequilíbrio econômico do contrato de concessão.

Sob tal visão, a Assembleia não quis afetar a relação negocial ínsita na concessão, que provavelmente remeteria à competência privativa da União, mas tão somente viés administrativo a cargo da Agência Reguladora estadual, consequente à sua missão institucional de chancelar os reajustes de tarifas que se prestam à reposição dos cursos, que não se confundem com majorações tarifárias oriundas de inovações do modelo da concessão.

Ao final, pediu a "denegação do mandamus porque o texto legal, mesmo cerceando...

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