Acórdão Nº 5046031-35.2020.8.24.0038 do Câmara de Recursos Delegados, 27-07-2022

Número do processo5046031-35.2020.8.24.0038
Data27 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação Criminal Nº 5046031-35.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA

AGRAVANTE: LUANA MAIRA DA CRUZ (ACUSADO) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

L. M. da C., com base no art. 1.021 do Código de Processo Civil (CPC), interpôs o presente agravo interno em face de decisão exarada pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, alínea "a", do aludido códice, e considerando a posição firmada no bojo de recurso representativo da controvérsia (RE 603.616 RG/RO - Tema 280/STF), negou seguimento ao recurso extraordinário por ela manejado (Evento 68).

Em suas razões recursais, a Agravante sustenta o desacerto do decisum vergastado, aduzindo que o paradigma sobredito foi inadequadamente aplicado.

A defesa afirma, que embora no julgamento do Tema 280 o Supremo Tribunal Federal tenha proclamado ser lícita a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, quando amparada em fundadas razões que indiquem que dentro da casa ocorra situação de flagrante delito, "não houve nos autos uma justa causa a justificar a invasão de domicílio" (Evento 78, fl. 05).

Asseverou, nesse pensar, "que os policiais adentraram na residência já ao anoitecer e quando não havia absolutamente ninguém na residência"; então, não se pode falar em "fundadas suspeitas de que naquela residência estaria ocorrendo um flagrante delito naquele momento". E acrescentou que "os corréus, quando presos em flagrante, foram pressionados pelos militares da tático a delatarem quem seria o fornecedor daquela droga, todavia, pelo que consta das gravações das câmeras policiais, em nenhum momento o casal relatou que teria pego a droga com a Agravante ou em sua residência" (Evento 78, fls. 07-08).

A recorrente argumenta a ausência de motivação apta a legitimar a entrada em seu domicílio, sem consentimento e sem mandado judicial, considerando que "os policiais não tinham fundadas razões de que dentro da residência estaria ocorrendo a pratica de qualquer crime" (Evento 78, fl. 10).

Alega, assim, ser impositiva a anulação da ação penal que culminou na sua condenação, defendendo que o acórdão recorrido não está em consonância com a tese firmada no RE 603.616 RG/RO - Tema 280/STF.

Nesses termos, entre outras considerações, requer "o conhecimento e o provimento do agravo interno para que, reformada a decisão monocrática agravada, seja o recurso extraordinário imediatamente admitido e remetido ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL" (Evento 78, fl. 10).

Em sede de contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, "propõe o conhecimento do agravo interno interposto, mas, no mérito, requer que lhe seja negado provimento para manter-se íntegra a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário" (Evento 85, fl. 05).

Ato contínuo, os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

1. O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual é conhecido.

2. No mérito, entretanto, as teses articuladas não prosperam.

Cuida-se de agravo interno mediante o qual se pretende a reforma de juízo negativo de admissibilidade exarado pela 2ª Vice-Presidência deste Tribunal, com consequente ascensão de recurso extraordinário à Corte de destino.

Inicialmente, cumpre registrar que no julgamento do paradigma sobredito (RE 603.616 RG/RO), relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados."

A respeito, pertinente transcrever a ementa do aresto utilizado como referência:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (STF, RE 603616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 5-11-2015 - Tema 280, grifou-se).

Por oportuno, dos fundamentos do voto do Relator, cabe destacar:

[...]

No caso da inviolabilidade domiciliar, em geral, é necessário o controle judicial prévio - expedição de mandado judicial de busca e apreensão. O juiz analisa a existência de justa causa para a medida - na forma do art. 240, §1º, do CPP, verifica se estão presentes as "fundadas razões" para a medida - e, se for o caso, determina a expedição do mandado de busca e apreensão.

No entanto, é a própria Constituição que elenca exceções - entre elas o flagrante delito - nas quais dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em casa. Em crimes permanentes, o agente está permanentemente em situação de flagrante delito. Assim, seria de difícil compatibilização com a Constituição exigir controle judicial prévio para essas hipóteses.

Da mesma forma, a cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência...

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