Acórdão Nº 5046210-32.2021.8.24.0038 do Quarta Câmara Criminal, 06-10-2022

Número do processo5046210-32.2021.8.24.0038
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5046210-32.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ EVERALDO SILVA

APELANTE: EDSON CARLOS FERNANDES (ACUSADO) ADVOGADO: EDGARD FRANCISCO HEUSY DA FONSECA (OAB SC049284) ADVOGADO: ANDRE GUSTAVO ROLIM DE MOURA SCHARF (OAB SC045204) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville/SC, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Edson Carlos Fernandes, atribuindo-lhe as sanções do artigo 302, § 1º, incisos I e III, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), porque, segundo descreve a exordial acusatória (evento 1):

Em 29 de junho de 2021, por volta das 23h40min, na Rua Graciosa, nas proximidades do número 1087, bairro Guanabara, nesta cidade de Joinville/SC, o denunciado EDSON CARLOS FERNANDES praticou homicídio culposo na direção imprudente e imperita do automóvel Chevrolet/Celta, cor branca, placa QHC 8863, contra a vítima Felipe Gabriel Soares.

Na oportunidade, o denunciado conduzia com seu veículo no já citado logradouro, quando atropelou a vítima Felipe Gabriel Soares que seguia conduzindo uma bicicleta na ciclofaixa, no mesmo sentido da via.

O denunciado agiu com culpa, na modalidade imprudência e imperícia, tendo em vista que não possuía carteira de habilitação e não adotou as cautelas devidas, pois invadiu a ciclofaixa, vindo a atropelar a vítima que ali conduzia a bicicleta.

Em consequência do atropelamento, Felipe Gabriel Soares sofreu as lesões corporais descritas no laudo cadavérico n. 2021.01.05723.21.002-16 (evento 7, fl.3), que foram a causa efetiva de sua morte.

Consta, ainda, que o denunciado, após a colisão, apesar de não estar diante de nenhuma situação de risco pessoal, evadiu-se do local sem prestar qualquer socorro à vítima.

Instruído o feito, sobreveio sentença de procedência do pedido, para condenar Edson Carlos Fernandes à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime aberto, além de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de proibição do direito de obter a habilitação para dirigir veículo automotor, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em 1.275 (mil duzentas e setenta e cinco) horas de prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor equivalente a 1 salário mínimo vigente à data do fato, em favor da família da vítima, por infração ao art. 302, § 1º, I e III, do Código de Trânsito Brasileiro (evento 67).

Opostos embargos de declaração pelo assistente de acusação (evento 74), os mesmos foram acolhidos para retificar a parte dispositiva da sentença, alínea "b", fazendo constar: "[...] (b) prestação pecuniária no valor equivalente a 2 (dois) salários mínimos vigente à data do fato, em favor da família da vítima." (evento 77).

Não conformado, o sentenciado interpôs recurso de apelação, em cujas razões técnicas a defesa pleiteou: "a) Seja declarado nulo o reconhecimento pessoal realizado em desconformidade com a legislação vigente e a sua devida exclusão dos autos; b) Seja julgada procedente a presente Apelação, para absolver o Acusado das acusações contidas na denúncia, por falta de prova suficiente para a condenação, nos termos da fundamentação exposta" (evento 88).

O Ministério Público, em contrarrazões (eventos 98), manifestou-se pela manutenção da sentença na íntegra.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 10, nesta instância).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Edson Carlos Fernandes, representado por defensor constituído (evento 10, Procuração 1), contra sentença que, julgando procedente a denúncia, condenou-o à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em 1.275 (mil duzentas e setenta e cinco) horas de prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de prestação pecuniária no valor equivalente a 1 salário mínimo vigente à data do fato, em favor da família da vítima, além de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de proibição do direito de obter a habilitação para dirigir veículo automotor, por infração ao art. 302, § 1º, I e III, do Código de Trânsito Brasileiro.

Pretende a defesa, inicialmente, a nulidade do reconhecimento fotográfico operado em sede administrativa, por violação ao art. 226 do Código de Processo Penal, com a consequente absolvição do apelante por insuficiência de provas da autoria delitiva. Não sendo o entendimento, requer a absolvição por falta de provas de que tenha o apelante agido de forma imprudente.

Em que pese os esforços argumentativos, os pleitos não merecem acolhimento.

Não se descuida de que o STJ se manifestou pela obrigatoriedade de observância estrita aos termos do art. 226 do CPP quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, sob pena de o ato não ser considerado apto a lastrear sozinho a condenação criminal.

A propósito:

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. 3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório. [...] (HC n. 598.886 - SC, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 27-10-2020 - sem grifos no original).

E:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INOBSERVÂNCIA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INVALIDADE DA PROVA. AUTORIA ESTABELECIDA COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório 2. Em julgados recentes, ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3. Dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a autoria delitiva do crime de roubo não tem como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico, o que gera distinguishing em relação ao acórdão paradigma da alteração jurisprudencial. Há outras provas, como os testemunhos dos policiais envolvidos e o fato de que João Pedro foi preso minutos depois da prática do roubo na condução de motocicleta produto de crime, cuja placa foi memorizada pela vítima e informada na delegacia aos policiais. Além disso, no momento da abordagem, os policiais verificaram que um dos celulares que estava na posse dos acusados recebeu uma chamada da verdadeira proprietária (esposa de Jadson) que logo informou sobre o assalto ocorrido minutos antes. 4. Agravo regimental desprovido...

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