Acórdão Nº 5046509-43.2020.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 15-02-2022

Número do processo5046509-43.2020.8.24.0038
Data15 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5046509-43.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: HIAGO FELIPE DE OLIVEIRA MARTINS (ACUSADO) ADVOGADO: LEANDRO DA CRUZ SOARES (OAB RS099803) RECORRENTE: VICTOR HUGO SAGAZ (ACUSADO) ADVOGADO: KARLA TAIS SILVA (OAB SC040892) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: MARCOS BARBOSA DE SOUZA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Victor Hugo Sagaz e Hiago Felipe de Oliveira Martins, dando-os como incursos nos arts. 121, §2º, inciso I, do Código Penal, e 244-B da Lei 8.069/90, em razão dos fatos assim descritos (Evento 1 dos autos de origem):

[...] No dia 20 de outubro de 2018, por volta das 9 horas, na rua Tupi, próximo ao n. 90, bairro São Marcos, nesta cidade, a pedido do denunciado Victor Hugo Sagaz, o denunciado Hiago Felipe de Oliveira Martins, imbuído de manifesto animus necandi, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnio com o adolescente J. P. A. S. de C., efetuou disparo de arma de fogo contra Jonathan Willian Martendal (vulgo "Pato Rouco"), causando-lhe a lesão descrita no Laudo Pericial de Exame Cadavérico n. 9406.2018.5300, que foi a causa eficiente de sua morte.

O motivo propulsor do crime foi torpe, pois o denunciado Victor Hugo Sagaz teria solicitado a execução do ofendido por ele ter assediado sua companheira. Tal situação é chamada de "talaricagem" e é proibida no âmbito das organizações criminosas.

Neste contexto, os denunciados facilitaram a corrupção do adolescente J. P. A. S. de C. (nascido em 11/05/2001), com ele praticando o homicídio qualificado acima descrito.

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, a Magistrada a quo pronunciou Victor Hugo Sagaz e Hiago Felipe de Oliveira Martins, nos termos da Inicial (Evento 202 do processo de origem).

Inconformados, o réus Hiago e Victor interpuseram, de próprio punho, Recursos em Sentido Estrito (Eventos 226 e 271 do processo de origem).

Nas Razões do Evento 234, a Defesa de Hiago sustenta, em síntese, a impronúncia por ausência de provas suficientes da autoria. Subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras e do crime conexo.

A Defesa de Victor, por sua vez, pugna pela impronúncia por inexistência de indícios mínimos de autoria (Evento 238 do feito de origem).

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 244 dos autos de primeiro grau), e mantida a decisão pelos próprios fundamentos (Evento 245 daquele processo), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr.Lio Marcos Marin, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento das insurgências (Evento 10).

Este é o relatório.

VOTO

Os recursos merecem ser conhecidos, por próprios e tempestivos.

Pugnam as Defesas pela impronúncia, por entenderem que não há provas mínimas acerca da autoria delituosa. Razão não lhes assiste. Vejamos.

Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).

É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.

Nesse sentido, colhe-se desta Câmara o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, rel. Des. Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifou-se)

Do corpo do acórdão, extrai-se:

A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.

Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.

Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.

Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.

Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática.(grifou-se)

Prevalece o entendimento de que, nesta etapa processual, isto é, na fase do judicium accusationis, deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, com incidência do princípio do in dubio pro societate.

Assim, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio qualificado e da corrupção de menores, nos quais os Recorrentes foram dados como incursos, para fins de pronúncia.

Pois bem.

A materialidade deflui inconteste dos documentos juntados ao feito, especialmente o Boletim de Ocorrência (Evento 1, REL_FINAL_IPL1, Páginas 18/19), Relatórios de Investigação (Evento 1, REL_FINAL_IPL1, Páginas 3/17 e 26/28), Termo de Exibição e Apreensão (Evento 1, REL_FINAL_IPL1, Página 20) e Laudos Periciais cadavérico, do veículo e do local do crime (Evento 1, REL_FINAL_IPL2, Páginas 32/33 e 34/35 e Evento 1, REL_FINAL_IPL3, Páginas 6/17), todos dos autos 5009259-73.2020.8.24.0038.

Os indícios de autoria, de seu turno, podem ser extraídos da prova oral colhida nas duas etapas da persecução penal.

Nesse sentido, a testemunha Alfonso Schmokel Neto, na etapa indiciária, relatou:

[...] QUE com relação aos fatos diz o depoente, residir no endereço supracitado, com seus familiares e também o local é um ponto comercial de sua propriedade; QUE diz o depoente, então naquele sábado pela manhã, dia dos fatos, estava na frente de sua residência, sentado na sua garagem, manuseando o seu aparelho celular, quando percebeu a passagem de um veículo em alta velocidade, na via pública em frente, na direção a uma rua sem saída, logo a frente; QUE diz o depoente, não se demorou cerca de dez minutos da passagem desse veiculo, então ouviu um estouro forte, e os fios de luz balançaram; QUE isto eram por volta de 08:45 horas da manhã de sábado; QUE diz o depoente, com sua filha menor de idade, foi para frente de sua casa, para ver o que havia ocorrido, chamado sua atenção pelo estouro, e logo percebeu a frente, cerca de três casas de onde mora, que um veículo da marca PEUGEOT, da cor prata, abalroou o poste de energia elétrica, batendo na sua lateral frontal esquerda; QUE diz o depoente, ao visualizar o acidente de trânsito, logo percebeu que havia um individuo, possivelmente ocupante do veiculo abalroado, já do lado de fora, trajando uma jaqueta de moletom na cor "amarela fluorescente" com capuz e bermuda, e, um segundo indivíduo desembarcou do veículo pela porta do caroneiro, trajando calça escura e moletom da cor cinza; QUE diz o depoente, aquele primeiro individuo que usava a jaqueta fluorescente amarela, quando estava do lado de fora do veículo, portava na sua mão uma arma de fogo do tipo revólver, tamanho pequeno, na cor escura, e ao perceber a presença do depoente, olhando para a sua pessoa, escondeu por debaixo de sua roupa, a dita arma de fogo; QUE diz o depoente, então aqueles dois individuos saíram em disparada do local, alcançando uma via pública logo a frente, onde desapareceram; QUE o depoente diz, que o segundo individuo também aparentava ser uma pessoa jovem, mas não conseguiu visualizar as suas fisionomias, pois ficou receoso, ao perceber que um daqueles envolvidos no acidente de transito portava uma arma de fogo; QUE diz o depoente, então acionou a polícia militar local, que se fez presente e logo em seguida então acabou sendo informado, que na via pública logo a frente, havia o corpo de um jovem e, foi até o local mas não chegou a visualiza-lo pois o Instituto Medico Legal já havia recolhido; QUE nessa oportunidade, então o depoente após lhe ser exibido uma imagem fotográfica da pessoa do menor J. P. A. S. DE C., acabou por identificá-lo...

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