Acórdão Nº 5046820-34.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 16-09-2021

Número do processo5046820-34.2020.8.24.0038
Data16 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5046820-34.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: CLAUDIO VANE COSTA (ACUSADO) ADVOGADO: JUAN FELIPE BERTI (OAB SC055235) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de JOINVILLE em face de Cláudio Vane Costa, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, IV, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 27 de janeiro de 2020, por volta das 15h45min, na Rua Cláudio Lopes, n. 1233, Bairro Aventureiro, em Joinville, no decorrer de uma ronda policial, os policiais militares CLÁUDIO VANE COSTA e Renan Carvalho Reimão do Vale abordaram a vítima André Luiz Casa, que estava na motocicleta Honda CG 150, da cor preta, placa MHR 7242.

Ato contínuo, logo que pararam a viatura, os policiais determinaram que a vítima colocasse as mãos na cabeça e virasse de costas para os militares, o que foi por ela atendido.

Neste momento, o denunciado CLÁUDIO VANE COSTA, agindo com manifesto animus necandi, efetuou um disparo nas costas da vítima André Luiz Casa, atingindo-a na região lombar esquerda, provocando-lhe a lesão descrita no laudo de lesão cadavérico n. 2020.001.000557, que determinou a sua morte.

O crime foi cometido com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, porquanto o denunciado a alvejou enquanto ela estava rendida, de costas, e não pode esboçar reação defensiva (evento 1, DENUNCIA1, eproc1G, em 3-12-2020).

Decisão de pronúncia: a juíza de direito Regina Aparecida Soares Ferreira julgou parcialmente admissível o pedido formulado na denúncia para, com fundamento no artigo 413 do CPP, pronunciar Cláudio Vane Costa como incurso nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal, a fim de submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri (evento 112, eproc1G, em 2-6-2021).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a decisão transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de Cláudio Vane Costa: a defesa interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou que:

a) todos os elementos probatórios produzidos ao longo da instrução probatória levam à conclusão de que o recorrente agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, logo, deve ser absolvido sumariamente;

b) a prova amealhada comprova que o recorrente estava à serviço da sociedade e não estava inclinado ao cometimento de qualquer crime.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, de modo a absolver sumariamente o recorrente da conduta narrada na denúncia. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação do crime de homicídio doloso para culposo (evento 136, eproc1G, em 10-8-2021).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que há indícios suficientes da autoria delitiva para pronunciar o recorrente, razão pela qual caberá ao plenário do Tribunal Júri, valorar as provas e decidir pela condenação ou absolvição ou desclassificação do delito contra a vida para de outra competência.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da decisão de pronúncia (evento 140, eproc1G, em 12-8-2021).

Juízo de retratação: a magistrada a quo manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (evento 142, eproc1G, em 12-8-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Lio Marcos Marin opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9, eproc2G, em 17-8-2021).

Este é o relatório,

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

Inicialmente, cabe transcrever o disposto no § 1º e no caput do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

A decisão de pronúncia deve indicar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita.

Ela é um mero juízo de admissibilidade da acusação, estando a análise adstrita, tão somente, a prova de materialidade e indícios de autoria, caso contrário, sobrepor-se-ia à competência do Tribunal do Júri.

O recorrente busca ver reconhecida a excludente de ilicitude, ao argumento de que não há prova nos autos de que tenha agido com dolo, porquanto agiu em legítima defesa putativa, e, por consequência, pretende ser absolvido sumariamente.

Os artigos 23, II, e 25, ambos do Código Penal, estabelecem:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

II - em legítima defesa

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem

Pertinente também transcrever a lição de Fernando Capez acerca da legítima defesa:

Causa de exclusão de ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa (Curso de direito penal: parte geral, v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 281).

E adiante:

Na legítima defesa putativa o agente pensa que está defendendo-se, mas, na verdade, acaba praticando um ataque injusto. Se é certo que ele não sabe estar cometendo uma agressão injusta contra um inocente, é mais certo ainda que este não tem nada que ver com isso, podendo repelir o ataque objetivamente injustificável. É o caso de alguém que vê o outro enfiar a mão no bolso e pensa que ele vai sacar uma arma. [...] A legítima defesa putativa é imaginária, só existe na cabeça do agente, logo, objetivamente configura um ataque como outro qualquer (pouco importa o que 'A' pensou; para 'B', o que existe é uma agressão injusta) (idem, p. 283).

Assim, tão somente com o preenchimento dos requisitos acima citados é possível o reconhecimento da excludente.

Em que pese a argumentação vertida pelo insurgente, inexistem nos autos elementos probatórios a demonstrar com segurança a ocorrência da excludente aventada, o que é suficiente para encaminhamento da questão ao Tribunal do Júri.

A juíza de direito Regina Aparecida Soares Ferreira, ao pronunciar o policial militar Cláudio Vane Costa pela suposta prática do crime doloso tentado contra a vida de André Luiz Casa, valeu-se das provas oral e documental acostadas aos autos para fundamentar sua decisão. Vejamos os indícios suficientes de materialidade e de autoria, apreciados pela decisão de pronúncia:

A materialidade restou comprovada através dos documentos que instruem os inquéritos em apenso, mormente o boletim de ocorrência, laudo de recognição visuográfica, laudos periciais n. 9406.20.00471, n. 9102.20.00284, n. 9102.20.00285, n. 9102.20.00286 e n. 9102.20.00501

Quanto à autoria, pontuo que existem elementos suficientes a indicar que o réu pode ter atentado dolosamente contra a vida da vítima.

Dos testemunhos firmados sob o crivo do contraditório se extrai:

Airton Ricardo Casa mencionou que a vítima trabalhava como pintor na parte da manhã e à noite numa conveniência do amigo dele, em que fazia entrega de bebidas; que a vítima comprou uma moto; que André era tranquilo e morava com o depoente já fazia uns 4, 5 ou 6 anos; que André nunca se envolveu com crime, nunca teve passagem criminal; que no dia dos fatos estava em casa, quando por volta das 16 horas o delegado chegou e informou que seu filho tinha sido alvejado e falecido; que após essa informação os amigos e a irmã dele chegaram e começaram a chorar e depois se dirigiram ao IML para reconhecer o corpo; que no IML não pôde ver o corpo, só mostraram a foto; que a polícia militar não entrou em contato nenhuma vez; que os amigos da vítima buscaram informações do ocorrido; que conversaram com uma senhora que informou que "foi pedido para ele parar e ele não parou de um lado da pista e sim no outro lado, encostou a moto, colocou ela no pé e tudo e quando levantou a mão foi alvejado pelas costas"; que o seu filho não andava armado; que no dia do ocorrido estava de folga, almoçaram juntos e quando estava assistindo ao jornal a vítima falou que ia sair; que André saiu perto das 14:30 horas; que a vítima sempre avisava pra onde ia, mas nesse dia não falou nada; que seu filho nunca arrumou briga; que é difícil perder um menino de 21 anos; que tem 3 filhos, um menino de 16 anos, uma menina de 18 anos e a vítima que ia completar 22 anos; que André não sustentava duas casas; que a moto tinha a caixa e não se recorda de alguém ter falado sobre ela; que André não tinha a CNH e sabia disso; que estavam...

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