Acórdão Nº 5046955-12.2021.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 01-11-2022

Número do processo5046955-12.2021.8.24.0038
Data01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5046955-12.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885) APELADO: LAUDELINA DE ANDRADE BACK (AUTOR) ADVOGADO: Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência (evento 31) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados por LAUDELINA DE ANDRADE contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a validade do contrato e, por conseguinte, converto-o para "empréstimo consignado", com a incidência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para empréstimos dessa modalidade, devendo o número de parcelas respeitar a margem consignável eventualmente disponível; ii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (03/02/2017, evento n. 1, EXTR8); iii) declaro a legalidade da repetição de indébito na forma simples, com compensação; iv) condeno o réu à restituição das quantias que eventualmente tenham sido pagas a maior pela parte autora, que deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, compensando-se com eventual débito, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; v) determino que o banco se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.

Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da condenação, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.

Em suas razões recursais (evento 39), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito. Ao final, pugna pelo afastamento da multa diária aplicada em caso de descumprimento da abstenção de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 44).

Este é o relatório.

VOTO

Insurge-se a instituição financeira contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela readequação do contrato para "empréstimo consignado", com a incidência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para empréstimos dessa modalidade, devendo o número de parcelas respeitar a margem consignável eventualmente disponível; condenando a financeira ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso. Ainda, declarou a legalidade da repetição de indébito na forma simples, com compensação, condenando a casa bancária à restituição das quantias que eventualmente tenham sido pagas a maior pela parte autora, as quais deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, compensando-se com eventual débito, tudo a ser apurado em execução de sentença. Ao final, determinou que a financeira se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de...

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