Acórdão Nº 5047024-61.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 31-03-2022

Número do processo5047024-61.2021.8.24.0000
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5047024-61.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JÂNIO MACHADO

AGRAVANTE: O MEDIADOR.NET EIRELI AGRAVADO: IRMA FACHINI AGRAVADO: ANDRESSA MAIARA FACHINI

RELATÓRIO

O Mediator.net EIRELI ME interpôs agravo de instrumento contra a decisão que rejeitou o incidente de desconsideração da personalidade jurídica n. 0001544-91.2019.8.24.0073 (evento 29 dos autos de origem). Sustentou, em resumo, que: a) a hipossuficiência da pessoa jurídica já foi reconhecida noutros feitos, sendo de rigor a concessão do benefício da gratuidade da justiça; b) a executada, além de não dispor de bens passíveis de penhora, encerrou suas atividades de forma irregular, encontrando-se inativa, o que caracteriza o uso abusivo da personalidade jurídica; c) os requisitos legais para desconsideração da personalidade jurídica foram atendidos, na forma do artigo 50 do Código Civil de 2002; d) está diligenciando para satisfação de seu crédito há mais de 10 (dez) anos, sem, contudo, lograr êxito em tal intento; e e) em vista dos indícios de encerramento irregular das atividades e da inexistência de bens penhoráveis, a desconsideração da personalidade jurídica da executada é de rigor.

Em juízo de admissibilidade, assinou-se prazo para a agravante comprovar a alegada hipossuficiência ou efetuar o recolhimento do preparo (evento 9).

A agravante comprovou o recolhimento do preparo (evento 14) e, em razão da ausência de fundamentação específica acerca dos motivos para a concessão do efeito suspensivo reclamado, determinou-se, unicamente, o cumprimento da regra estabelecida no artigo 1.019, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015 (evento 16).

Certificada a impossibilidade de intimação das agravadas (evento 32), os autos vieram para julgamento.

VOTO

Inicialmente, registra-se que a agravante, após determinação judicial (evento 9), procedeu ao recolhimento do preparo (evento 14), fato incompatível que implica a perda superveniente do interesse na discussão relacionada ao benefício da gratuidade da justiça, em conformidade com a súmula n. 51 do Órgão Especial desta Corte.

A consulta ao sistema eproc revela que, na segunda metade do ano de 2010, O Negociador.net. Ltda. ME, ora agravante, ajuizou execução por quantia certa contra Fachini Forros e Divisórias, Comércio e Decorações Ltda. ME (autos n. 0003345-57.2010.8.24.0073), dizendo-se credora da quantia de R$7.142,16 (sete mil, cento e quarenta e dois reais e dezesseis centavos), representada por 2 (dois) cheques.

A executada, conquanto tenha sido citada, não pagou o débito no prazo legal e, frustradas as medidas tendentes à satifação do crédito exequendo e passados alguns percalços processuais, a agravante requereu a instauração do incidente de que tratam os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, objetivando, em suma, a decretação da desconsideração da personalidade jurídica da devedora e, por corolário lógico, a inclusão das sócias da executada, Irma Fachini e Andressa Maiara Fachini, ora agravadas, no polo passivo da execução (evento 1 dos autos de origem).

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi recebido, oportunidade em que se determinou a suspensão do processo principal e a citação das agravadas para se manifestarem no prazo legal (evento 3, decisão 7, dos autos de origem).

As agravadas, malgrado tenham sido citadas (eventos 17, 18, 20 e 21 dos autos de origem), não apresentaram manifestação e, intimada para impulsionar o feito, a agravante requereu o prosseguimento do processo, com a indisponibilidade de ativos financeiros pelo Sisbajud, a inserção de restrição veicular pelo Renajud e, na eventualidade de as medidas antes descritas não lograrem êxito, a intimação das agravadas para indicarem bens suscetíveis de penhora (evento 27 dos autos de origem).

A seguir, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi rejeitado (evento 29 dos autos de origem), motivando a interposição do presente recurso.

Como se sabe, a pessoa jurídica é sujeito de direito autônomo e, como tal, dispõe de personalidade jurídica e, pois, de patrimônio próprio, inconfundível e incomunicável com o patrimônio particular dos sócios. É dizer, à luz do princípio da autonomia patrimonial, a separação do patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios é a regra:

"A pessoa jurídica não se confunde com as pessoas que a compõem. Este princípio, de suma importância para o regimento das pessoas jurídicas, também se aplica à sociedade empresária. Tem ela personalidade jurídica distinta da de seus sócios; são pessoas inconfundíveis, independentes entre si. A sociedade é uma pessoa (jurídica) e os sócios são outras pessoas (naturais ou jurídicas). (...), a sociedade empresária, como uma pessoa jurídica, é sujeito de direito personalizado, e poderá, por isso, praticar todo e qualquer ato ou negócio jurídico em relação ao qual inexista proibição expressa. (...). A personalização das sociedades empresárias gera três consequências bastante precisas, a saber:a) Titularidade negocial - quando a sociedade empresária realiza negócios jurídicos (compra matéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata etc.), embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal (Pontes de Miranda diria 'presentante legal', por não ser a sociedade incapaz), é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos polos da relação negocial. O eventual sócio que a representou não é parte do negócio jurídico, mas sim a sociedade.b) Titularidade processual - a pessoa jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem capacidade para ser parte processual. (...).c) Responsabilidade patrimonial - em consequência, ainda, de sua personalização, a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da sociedade. Somente em hipóteses excepcionais, (...), poderá ser responsabilizado o sócio pelas obrigações da sociedade." (COELHO, Fábio Ulhoa. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 30. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 137-139).

Apenas o uso abusivo da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (artigo 50 do Código Civil de 2002), autoriza a sua desconsideração, com a extensão dos efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais aos bens particulares dos administradores e sócios:

"Pressuposto fundamental da aplicação judicial da teoria é, como diz a lei, o uso abusivo da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão...

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