Acórdão Nº 5047568-38.2022.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-10-2023

Número do processo5047568-38.2022.8.24.0930
Data26 Outubro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5047568-38.2022.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: NELSON FRANCISCO ZABOT (AUTOR) APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Nelson Francisco Zabot interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de São Domingos, que julgou extinto o feito sem resolução de mérito por desatendimento de determinação judicial, nos seguintes termos (evento 31, autos do 1º grau):
RELATÓRIO
NELSON FRANCISCO ZABOT ajuizou ação ordinária em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., na qual objetiva a composição civil de danos morais. Esclareceu que recebe proventos de aposentadoria pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que verificou a existência de vários contratos de empréstimo consignados, motivo pelo qual requereu administrativamente junto ao banco requerido cópia do contrato pactuado, bem como comprovante da disponibilização do mútuo, cuja postulação não foi atendida. Nesta linha, ponderou à violação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mormente o de informação. Daí o argumento a impor a composição civil de danos de fundo moral. Nestes termos, bateu-se pela procedência do pedido.
O Juízo recebeu a petição inicial, concedendo à parte demandante os benefícios da gratuidade da justiça e determinando a citação da parte demandada e a exibição da contratação adversada nos autos, sob pena de incidência do comando do artigo 400 do Código de Processo Civil (CPC/15).
Devidamente citada, a demandada ofertou contestação em que defendeu a regularidade da contratação antagonizada, a afastar o pleito de nulidade do negócio jurídico pactuado. Neste contexto, ponderou a higidez a contratação bancária, a empecer a composição civil de danos morais. À égide desta linha de argumentação, pugnou pela improcedência dos pedidos.
A réplica veio, oportunidade na qual a parte demandante combateu os argumentos dedilhados em sede de contestação e renovou os ventilados na peça exordial.
O Juízo, tomando por base o elevado número de ações ajuizadas na Comarca de São Domingos e a decisão paradigma do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) nos autos n. 5000841-17.2019.8.24.0060, determinou ao procurador da parte demandante que apresentasse, no prazo de 15 dias, comprovante de residência de sua cliente, instrumento de mandato atual e com firma reconhecida, bem como comprovação de atendimento ao artigo 10, § 2º da Lei Federal n. 8.906/1994.
Devidamente intimada, a parte demandada defendeu a desnecessidade de apresentar a documentação exigida pelo Juízo.
É o relatório. DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Em que pese as razões esgrimidas pelo patrono da parte demandante (Dr. Luiz Fernando Cardoso Ramos), observo o descumprimento do rosário de determinações impostas por este Juízo.
Consoante circunstanciado em decisão anterior, a Vara Única da Comarca de São Domingos enfrenta acervo processual de larga envergadura atrelado a processos patrocinados pelo mencionado causídico. E dois caracteres são comuns a todas as ações, sempre ajuizadas em face de instituições financeiras: (a) clientes idosos e/ou integrantes da etnia indígena; e (b) pedido de litígio sob o pálio da gratuidade da justiça.
Versando-se sobre perfil de demanda em crescimento exponencial, e, como já frisado, que se espraia para além das fronteiras do Estado de Santa Catarina, desponta imprescindível o adequado controle da representação processual, sob pena de chancelar judicialmente potenciais ilegalidades. É dizer: o elevado volume de ações - novas e em trâmite - ajuizadas pelo Dr. Luiz Fernando Cardoso Ramos em inúmeras Comarcas do Brasil traz consigo indícios consideráveis de atuação predatória, o que autoriza o devido controle judicial.
Por outro turno, empresto excerto da decisão proferida Eminente Desembargador Fernando Carioni, ao enfrentar situação processual idêntica à debelada nos autos:
Este Relator também entendeu por bem oficiar o Núcleo de Monitoramentos de Perfis de Demanda (NUMOPEDE) da Corregedoria-Geral de Justiça deste Tribunal de Justiça, sendo que à época, a Exma. Sra. Corregedora Desa. Soraya Nunes Lins, apresentou planilha dando conta de haver em tramitação no Poder Judiciário Catarinense, apuração ocorrida em 2-8-2021, mais de dez mil ações em curso representadas pelo advogado Luiz Fernando Cardoso Ramos envolvendo grupo indígenas, em uma verdadeira configuração de advocacia predatória.
Sobre advocacia predatória, colhe-se interessante artigo em que Magistrado relata o modus operandi dessa pratica:
A prática consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, explica o magistrado.
"A advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito."
Assim definiu o juiz de Direito Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, que atua na vara da Fazenda Pública de Araraquara/SP, em entrevista concedida ao Migalhas.
Juiz explica que a advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça.
De que forma atua um advogado predatório?
Segundo o magistrado, a atuação do advogado predatório começa pela captação indevida de clientes, normalmente idosos ou pessoas com pouca instrução, que assinam procurações sem o necessário discernimento ou sequer têm conhecimento das respectivas ações.
"Vê-se, ainda, um elevado número de demandas similares (distribuição atípica), objetivando o recebimento de importâncias indevidas ou que não serão repassadas aos legítimos titulares. Há casos de fraude, falsificação ou manipulação de documentos e omissão de informações relevantes, visando dificultar o exercício do direito de defesa e potencializar pleitos indenizatórios e honorários advocatícios", explica.
Principais alvos
Conforme afirmou Guilherme Zuliani, os principais alvos dos advogados que atuam de forma predatória são as instituições financeiras, empresas de telefonia, concessionárias de energia elétrica e grandes varejistas.
"Mas há de se ter em mente que o exercício abusivo da advocacia, além de causar prejuízos às partes do processo, compromete a própria noção de eficiência do serviço judicial, por conta do congestionamento gerado pelo grande número de ações temerárias."
Como acabar com o uso abusivo da Justiça?
O juiz salientou que os membros do TJ/SP cumprem as diretrizes traçadas pelo NUMOPEDE - Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas, sobretudo a adoção de boas práticas para identificar e tentar coibir abusos e fraudes.
O NUMOPEDE foi criado para centralizar as informações sobre distribuição de ações, perfis de demandas e práticas fraudulentas reiteradas, promovendo melhores estratégias para auxiliar os magistrados, respeitado o caráter sigiloso das informações.
"Quando a atividade é identificada, recomenda-se cautela na concessão de tutelas de urgência, gratuidade judiciária e inversão do ônus da prova, reunião de processos, complementação documental, designação de audiência para depoimento pessoal da parte, dentre outras medidas", diz Zuliani.
Penalidades
Ao ser perguntado se a prática pode ser considerada ilegal e se o causídico pode sofrer penalidades, o magistrado ressaltou que a esmagadora maioria dos advogados é formada por profissionais habilidosos e probos, que honram e dignificam a profissão, considerada essencial à Justiça. Contudo, segundo o juiz, ações predatórias ou artificiais constituem ilícito digno de reprovação jurídica.
"Os tribunais admitem a responsabilização processual do causídico pela litigância de má-fé (multa), nos casos de comprovado abuso e falta de cooperação (art. 6º do CPC), nos termos do art. 81, §2º do CPC (STJ, 3ª T., REsp. nº 947.927-AgRg). No campo penal, os desvios atraem a intervenção do Ministério Público e até do GAECO, se houver evidência de apropriação indébita, estelionato e falsidade. No campo civil o advogado responderá por danos morais e materiais que a vítima comprovar ter suportado pelo não cumprimento dos deveres funcionais (artigos 5º, V e X, da CF e 186 do Código Civil), se demonstrado o dolo ou culpa (art. 32, da lei 8.906/94). E as sanções administrativas e disciplinares são aplicadas pelos Tribunais de Ética da Ordem dos Advogados, em geral por seus Conselhos Seccionais (art. 34, da lei 8.906/94)."
Exemplos
No início de junho, Migalhas noticiou o caso de três advogados que estão sendo investigados pelo Gaeco/MS por suspeita de praticarem advocacia predatória. Juntos, eles somam 78.610 ações contra instituições financeiras.
Já no mês de julho, uma advogada e sua cliente foram condenadas ao pagamento de multa por litigância de má-fé ao contestarem a inexigibilidade de valores devidos. A decisão é da 16ª câmara de Direito Privado do TJ/SP. O relator da causa, desembargador Jovino de Sylos, fez duras críticas ao uso predatório da Justiça.
Também no mesmo mês, uma causídica foi condenada após magistrado constatar que a parte representada por ela havia falecido há 10 meses. O juiz de Direito José Paulino de Freitas Neto, da 4ª vara de Uberaba/SP, constatou, ainda, que a advogada patrocinou a distribuição de mais de 1.100 novas demandas com o mesmo modus operandi, com petições idênticas e contra instituições financeiras (https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/advocacia-predatoria-juiz-explica-modus-operandi-dos-profissionais)
A Associação de Magistrados do Estado de Minas Gerais publicou nota sobre as ações predatórias usadas para aplicar golpes em comarcas do interior:
Uma verdadeira fábrica de fraudes invade as varas cíveis do interior de Minas Gerais e de São Paulo em busca de ganhos ilícitos por meio de ações predatórias. Advogados inescrupulosos fabricam demandas com documentos falsos e, na...

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