Acórdão Nº 5048669-24.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 23-09-2021

Número do processo5048669-24.2021.8.24.0000
Data23 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5048669-24.2021.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

PACIENTE/IMPETRANTE: KISSAO ALVARO THAIS (Impetrante do H.C) PACIENTE/IMPETRANTE: GILDO LISBOA (Paciente do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Kissao Alvaro Thais, em favor de Gildo Lisboa, contra ato que reputa ilegal atribuído ao juízo da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas, que decretou a prisão preventiva do ora paciente.

Aduz o impetrante, em apertada síntese, a existência de constrangimento ilegal em virtude da autoridade singular não ter demonstrado a impossibilidade de aplicação de nenhuma das medidas cautelares dispostas no art. 319 da Lei Processual Penal. Sobre este tema, cita a necessidade de manifestação acerca do § 6º, do art. 282, do ordenamento jurídico acima aventado.

Também, aponta que não estariam presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, em decorrência da inexistência de fatos contemporâneos, ao passo que teria sido utilizada tão somente a gravidade abstrata do delito para o decreto constritivo, sendo que segundo o impetrante, a segregação cautelar, neste momento, estaria ensejando em antecipação de pena e que inclusive o paciente ostenta predicados pessoais favoráveis.

Além disso, cita que a decisão objeto de impugnação deixou de considerar que o paciente é o administrador e sócio unipessoal da empresa BR Construção, Confecção de Artefatos de Concreto e Transportes EIRELI, sendo que a referida empresa possuiria débitos tributários e necessidade de pagamento de obrigações trabalhistas, "sustentando" cerca de 5 (cinco) famílias, e que, diante de tais circunstâncias, não se teria levado em conta o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Por todos estes motivos, requer o douto impetrante a concessão da ordem para a imediata soltura do paciente, ainda que com a fixação de medidas cautelares dispostas no art. 319 do Código de Processo Penal.

O writ foi inicialmente distribuído a Exma. Sra. Dra. Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro, sendo que, após a realização de estudo de prevenção (Evento 11), restou redistribuído para esta Relatoria (Evento 13).

Em sequência, negado o pedido liminar, foram solicitadas informações à autoridade impetrada (Evento 16).

Prestadas as informações (Evento 18), os autos restaram conclusos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que através de parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini, opinou pela denegação da ordem (Evento 21).

Este é o relatório.

VOTO

Versam os autos de origem (5006843-70.2021.8.24.0015) sobre a suposta prática dos crimes de integrar organização criminosa, na forma majorada, prevista no art. 2º, c/c § 4º, II, da Lei n. 12.850/2013; de fraude à licitação, por duas vezes, previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993; modificação ilegal de contrato administrativo, por duas vezes, previsto no art. 92 da Lei n. 8.666/1993; peculato desvio, previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/1967, por 20 vezes; peculato desvio na forma do artigo 29 do Código Penal por 31 vezes, previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/1967; utilização indevida, em proveito próprio e alheio, de serviço público, previsto no art. 1º, II, do Decreto-Lei n. 201/1967 c/c o art. 29 do Código Penal; e lavagem de dinheiro, em sua forma majorada, previsto no art. 1º, caput, c/c § 4º, da Lei n. 9.613/1998, por 155 vezes.

A longa decisão objeto de impugnação por meio deste remédio constitucional apontou a gravidade concreta das condutas imputadas ao paciente e o risco à reiteração delitiva como elementos suficientes para a segregação cautelar. Dentre os diversos fundamentos, elencou que o paciente Gildo Lisboa estaria envolvido na lavagem de dinheiro para o investigado Orildo Antônio Severgnini, então prefeito em 5º mandato no Município de Major Vieira e supostamente (co)autor em diversos crimes descobertos da Operação Et Pater Filium. Inclusive, citou o fato de que Orildo seria o proprietário de fato de bem que era utilizado para prestação de serviços no Município, o qual estava em nome da empresa do paciente Gildo Lisboa. Aventou ainda o grave modus operandi das condutas, com a consequente complexidade dos delitos praticados, e suas ramificações em diversas áreas do pequeno município (construção, fornecimento de materiais, prestação de serviços de ônibus, etc.), como fundamentos que denotam a periculosidade social do paciente Gildo Lisboa e consequentemente tornaram apta a imposição da prisão preventiva ante a gravidade concreta das condutas. Ademais, citou haver risco à instrução criminal (Evento 3 dos autos n. 5006448-78.2021.8.24.0015):

No caso em tela, há prova da materialidade e indícios de autoria, ao menos para a segregação cautelar. Explico.

A partir do compartilhamento de elementos de informação realizado pelo Grupo Especializado na proteção ao patrimônio público e no combate à improbidade administrativa (GEPATRIA - região de União da Vitória) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO - Núcleo Regional de Ponta Grossa), iniciaram-se inestigações que embasaram denúncia em face de ORILDO ANTONIO SEVERGNINI, MARCUS VINICIUS BRASIL SEVERGNINI, Décio Pacheco e Décio Pacheco Júnior pela prática de diversos crimes contra a Administração Pública.

Os elementos compartilhados pelo Ministério Público do Paraná (encontrados de forma fortuita e eventual) indicavam fraudes e dispensas indevidas de licitação e corrupções ativas e passivas praticadas pelo então Prefeito do Município de Major Vieira e seu filho, também agente público, além da existência de estreito vínculo com empresários, os quais foram vencedores de inúmeros processos licitatórios no âmbito da Prefeitura de Major Vieira.

A fim de avançar nas investigações e elucidar os fatos, o MPSC requereu ao TJSC medidas cautelares1, as quais foram deferidas, conforme decisões nos autos respectivos.

Os elementos de prova obtidos em decorrência do cumprimento das medidas foram objetos de desdobramentos. As investigações e fases da operação demonstraram que a suposta estrutura constituída e integrada pelos denunciados (e outros investigados) possuía diversas ramificações.

Nesse cenário, quando da realização de diligência pela equipe da DIC/Canoinhas no dia 20/7/2020, para apuração dos crimes supostamente cometidos pelo primeiro núcleo identificado pelo MPSC (em tese, composto por ORILDO, MARCUS, Décio Pacheco e Décio Pacheco Júnior - autos 5000070-09.2021.8.24.0015), registrou-se a chegada do investigado GILDO LISBOA nas dependências da Prefeitura de Major Vieira para participação em processo licitatório.

Na ocasião, o investigado conduzia o veículo caminhonete TRITON MMC/L200, placas EPQ7472. A consulta aos dados do automóvel revelou que o denunciado MARCUS VINÍCIUS BRASIL SEVERGNINI figurava como proprietário anterior do veículo, o que denota, em tese, vínculo pretérito entre o empresário e o servidor público.

O mesmo veículo fora visualizado em 2018, à época conduzido pelo então Prefeito, ORILDO ANTONIO SEVERGNINI, quando de sua chegada à Prefeitura, para participar de reunião com outros denunciados, o que reforça a existência de relação anterior entre o empresário GILDO LISBOA e os denunciados ORILDO e MARCUS.

Em busca junto ao sistema e-Sfinge do Tribunal de Contas de Santa Catarina, constatou-se que até o ano de 2020, dentre as 18 participações em certames no Município de Major Vieira, a empresa BR CONSTRUÇÃO (cujo proprietário é GILDO LISBOA) consagrou-se vencedora em 17 (evento 1 pg. 8).

Além disso, quando da busca e apreensão na residência do denunciado ORILDO localizou-se expressivo numerário (R$ 297.366,05 - duzentos e noventa e sete mil, trezentos e sessenta e seis reais e cinco centavos). Parcela do valor apreendido (R$ 57.200,00) estava acondicionada em uma caixa de papel, na qual constavam informações de uma empresa prestadora de serviço no Município, a "CONSTRUTORA PLANALTINA", como destinatária (evento 1 DOCUMENTACAO10 p. 9).

A Construtora Planaltina trata-se da empresa CONSTRUTORA E ARTEFATOS DE CONCRETO PLANALTINA LTDA, inscrita no CNPJ n.º 17.970.164/0001-44, situada na Rua Bento Goncalves, n.º 1755, em Monte Castelo/SC, que presta serviços no Município de Major Vieira, tendo vencido 4 dos 5 procedimentos licitatórios dos quais participou.

A empresa está registrada no nome de SIRINEU RATOCHINSKI. Entretanto, o MPSC afirma que a CONSTRUTORA PLANALTINA também pertence a GILDO LISBOA, pois tanto a BR CONSTRUÇÕES quanto a CONSTRUTORA E ARTEFATOS DE CONCRETO PLANALTINA estão situadas no mesmo local (evento 1 DOCUMENTACAO10 pp. 11/12).

Para além disso, o laboratório de tecnologia contra lavagem de dinheiro do Centro de Apoio Operacional Técnico detectou que entre 13/11/2015 a 17/7/2020, a empresa CONSTRUTORA E ARTEFATOS DE CONCRETO PLANALTINA - EIRELI realizou 116 transferências bancárias ao investigado GILDO LISBOA, o que totalizou R$ 544.967,00 (quinhentos e quarenta e quatro mil novecentos e sessenta e sete reais), conforme relatório de análise técnica n.º 12/2021/SAI/LAB-LD/MPSC (evento 1 DOCUMENTACAO11).

O depoimento da testemunha protegida n.º 3 evidencia certo revezamento entre as licitações vencidas pela BR CONSTRUÇÕES e CONSTRUTORA PLANALTINA.

[...] Que não tinham outras empresas que executavam obras em Major Vieira, sempre era a BR Construções e Planaltina; Que ambas são da mesma pessoa; Que a BR Construções é de Gildo e a Planaltina é de Gildo e Sirineu Ratochinski; Que as obras eram prestadas basicamente por Décio, com as empresas Décio Pacheco e Rodec, e por Gildo, com BR Costruções e Planaltina [...] (evento 1 DOCUMENTACAO7 p. 8)

Portanto, há fortes indícios de que os valores em espécie apreendidos na residência do denunciado ORILDO (aqueles depositados na caixa com indicação da empresa PLANALTINA) possuem vínculo com os investigados GILDO LISBOA e SIRINEU RATOCHINSKI.

Ademais, poucos dias antes do...

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