Acórdão Nº 5048777-81.2021.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 10-02-2022

Número do processo5048777-81.2021.8.24.0023
Data10 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5048777-81.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: FABIO JULIO ALVES DA SILVA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Fabio Júlio Alves da Silva, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, pois, segundo consta na inicial (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários):

No dia 14 de abril de 2021, por volta das 11h25, em via pública (avenida Paulo Fontes, bairro Centro), o denunciado Fabio Júlio Alves da Silva trazia consigo indeterminada quantidade de droga cocaína em pedra (crack), individualmente embaladas para fins de comércio ilícito, as quais mantinha ocultas no interior de sua boca.

No mesmo local, momentos antes de sua captura, o denunciado Fabio vendeu ao usuário Glaúcio Rubio da Rocha uma porção de crack (0,01 g - ev. 1, p.54), pelo valor de R$ 10,00 (apreensão ev. 1, p. 38), conforme imagens de ev. 1, vídeo 6.

Ao ser abordado por policiais militares, Fabio engoliu as drogas que trazia ocultas no interior da boca, sendo apreendidos em seu poder R$ 83,00, aparelho celular e cartões de bancários pertencentes a terceira pessoa, produtos de outras vendas daquele tipo de droga realizadas na manhã daquele mesmo dia, no mesmo ponto de drogas (ev. 1, vídeo 5 e p. 12).

Finalizada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no mínimo valor legal, por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 (Evento 126, SENT1, autos originários).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs apelação criminal, mediante a qual, em sede preliminar, arguiu a nulidade do caderno indiciário, ao fundamento de que a investigação fora conduzida pela polícia militar e que teria havido a ocorrência de ação controlada sem autorização judicial prévia. Ainda, suscitou que a decisão de recebimento da denúncia seria nula, por insuficiência de fundamentação. No mérito, requereu a absolvição, sustentando a esqualidez probatória. Ao final, buscou a aplicação da benesse do tráfico privilegiado, ao argumento de que estariam presentes os requisitos legais, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos (Evento 134, RAZAPELA1, autos originários).

Apresentadas as contrarrazões (Evento 142, CONTRAZ1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (Evento 12, PROMOÇÃO1).

Documento eletrônico assinado por SIDNEY ELOY DALABRIDA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1789068v25 e do código CRC ab8d9ae6.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SIDNEY ELOY DALABRIDAData e Hora: 21/1/2022, às 18:11:10





Apelação Criminal Nº 5048777-81.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: FABIO JULIO ALVES DA SILVA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Fábio Júlio Alves da Silva em face de sentença proferida pela Magistrada a quo, que, ao julgar procedente o pedido formulado na exordial, condenou-o ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no mínimo valor legal, por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1 Preliminares

1.1 Da condução da investigação pela polícia militar

Em suas razões recursais, o defensor do apelante suscita a nulidade do caderno indiciário, por afronta ao art. 144, § 4º, da Constituição Federal, uma vez que a investigação teria sido conduzida pela polícia militar.

Sem razão, todavia.

Isso porque, segundo se infere dos elementos colacionados ao feito, os policiais militares agiram em atividade tipicamente a eles atribuída, qual seja, de policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública (art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal).

No caso dos autos, não se pode afirmar que tenha havido a prática de atos investigatórios por parte dos policiais militares, visto que o recorrente foi flagrado, pelas câmeras de monitoramento da agência de inteligência, entregando entorpecentes a 2 (dois) usuários.

Segundo esclarecido pelo agente estatal Bruno Alves de Morais sob o crivo do contraditório (depoimento audiovisual, Evento 115, VÍDEO1), a campana durou apenas 2 (duas) horas, sendo que foram filmados somente os pontos relevantes, o que gerou vídeos de, somente, 1 (um) minuto e 10 (dez) segundos (Evento 1, VÍDEO5-VÍDEO6, autos do IP).

E, por esse motivo, logo em seguida, os agentes públicos abordaram o acusado, bem como um dos adquirentes, que, inclusive, ainda portava a porção de entorpecente que acabara de comprar.

Registre-se, ademais, que os fatos ocorreram no centro da cidade de Florianópolis, em plena luz do dia, quando diversos transeuntes passavam pelo local, de forma que, ainda que inexistisse acompanhamento eletrônico por parte da polícia militar, qualquer cidadão poderia tê-la acionado.

Logo, considerando que a diligência foi provocada por flagrante de delito, não se verifica mácula na atuação da polícia militar.

Ainda que assim não fosse, convém esclarecer que a Constituição Federal preconiza, em seu art. 144, § 4º, que "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares". Contudo, é firme o entendimento de que a investigação criminal pode ser, também, realizada por outros órgãos.

A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça já compreendeu que "a constitucional definição da atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de indícios probatórios por outras fontes de investigação criminal" (STJ, HC n. 343.737/SC, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. em 18/8/2016, DJUe de 29/8/2016).

O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar sobre a matéria e, na ocasião, afirmou a inexistência de exclusividade na atividade investigativa, ressaltando a necessidade de obediência às hipóteses de reserva constitucional de jurisdição:

Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de investigação do Ministério Público. [...] 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: "O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado democrático de Direito do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição". Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria (RE 593.727, rel. Min. Cezar Peluso, rel. p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 14/5/2015).

Desse modo, além de a investigação não competir, exclusivamente, à polícia judiciária, ficou evidenciado, na hipótese, que a abordagem ocorreu em seguida à flagrância do crime de tráfico de drogas, situação que impõe a pronta atuação da polícia ostensiva.

Acerca do tema, já decidiu esta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINARES ARGUIDAS PELOS ACUSADOS. NULIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO PROCEDIDA POR POLICIAIS MILITARES. NÃO ACOLHIMENTO. ATRIBUIÇÃO QUE NÃO É EXCLUSIVA DA POLÍCIA CIVIL. DEVER DE GARANTIR A SEGURANÇA PÚBLICA QUE CABE TANTO PARA CIVIL COMO PARA MILITAR. EXEGESE DO ART. 144, CAPUT E § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Criminal n. 0000049-35.2018.8.24.0012, de Caçador, rel. Des. José Everaldo Silva, Quarta Câmara Criminal, j. em 30/7/2020).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A SAÚDE E A INCOLUMIDADE PÚBLICAS. TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES E POSSE IRREGULAR DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO (LEI 11.343/2006, ART. 33, CAPUT, COMBINADO COM § 4º, E LEI 10.826/2003, ART. 12). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA. PRELIMINARES. AVENTADA...

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