Acórdão Nº 5049186-29.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Civil, 17-02-2022

Número do processo5049186-29.2021.8.24.0000
Data17 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5049186-29.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) AGRAVADO: J.B.WORLD ENTRETENIMENTOS S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, contra decisão prolatada pelo juízo da 2ª Vara da Comarca de Balneário Piçarras, que nos autos da "Ação Civil Pública" n. 5004091-26.2021.8.24.0048, ajuizada contra J.B. World Entretenimentos S/A, indeferiu a tutela antecipada, nos seguintes termos (Evento 03, Eproc1):

"Pretende o MP:

a) a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, para que seja compelida a demandada a conceder, no prazo de 10 (dez) dias, o benefício da meia-entrada a menores de 18 (dezoito) anos, somente mediante a apresentação de documento de identidade oficial, nos termos do art. 1º, § 1º, I, da Lei Estadual n. 12.570/03, sob pena de multa diária no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada dia de descumprimento;

A respectiva norma assim dispõe (os grifos são meus):

Art. 1º Fica assegurado a todos os jovens com idade até o limite máximo de dezoito anos, e/ou aos estudantes, independentemente da idade, regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino público ou particular, oficialmente reconhecidos, de nível fundamental, médio e superior, e técnico profissionalizante, cinqüenta por cento de abatimento sobre o preço efetivamente cobrado nas entradas, pelas casas exibidoras cinematográficas, de teatro, de espetáculos musicais, circenses e de eventos esportivos, em todo o Estado de Santa Catarina.

§ 1º - O beneficio previsto no caput deste artigo, dar-se-á nos seguintes casos:

I - aos menores de dezoito anos bastará a exibição de documento de identidade expedido pelo órgão público competente comprovando a sua idade; e

O argumento fático do MP é o seguinte (sem os grifos do original):

Em adição, sobre o argumento da empresa requerida de que é prestadora de serviço turístico (parque temático), nos termos dos arts. 21 e 31, ambos da Lei n. 11.771/08, e que, por isto, não está abrangida pela Lei Estadual n. 12.570/03, destaca-se que o regramento é aplicável em razão da variedade de atividades desenvolvidas, que extrapolam o meramente conhecido como atividade de lazer, possuindo diversos espetáculos de caráter cultural, teatral e circense, dissociados das demais atrações, embora o consumidor seja sempre obrigado a pagar pelo "todo oferecido".

Segundo se verifica no próprio site do parque, estão listadas atrações de cunho cultural e de aprendizagem, como espetáculos teatrais e circenses, aldeia indígena, exposição de animais, casa do Projeto Tamar, dentre outras, cujas descrições das atrações atestam que o parque busca oferecer aos frequentadores uma experiência completa, que vai além de meras atividades de lazer proporcionadas pelos brinquedos.

Com efeito, a melhor interpretação a ser dada à referida legislação estadual é aquela que mais beneficia o consumidor, já que, ao adquirir o passaporte de entrada ao parque temático, não possui meios de optar entre apenas algumas atrações (que não sejam culturais, teatrais ou circenses, e, assim, pagar parcialmente o valor), sendo compelido a pagar pelo todo oferecido, razão pela qual o conceito supracitado aplica-se perfeitamente ao parque em questão.

Nesse viés, entende-se perfeitamente possível e, também, necessária, a adoção de interpretação teleológica ao texto normativo, consequentemente ampliando seu alcance de modo a atingir a real intenção legislativa, sobretudo considerando a natureza peculiar do Parque Beto Carrero, que vem desrespeitando os direitos dos seus consumidores.

Os argumentos fáticos-jurídicos do parque requerido, ao menos na defesa realizada no inquérito civil, são: [a] incidência da Lei Federal n. 12.933/13 e [b] não se enquadrar numa das hipóteses previstas no artigo citado pelo Ministério Público - que, como visto, pretende uma interpretação extensiva do dispositivo estadual.

Em suma: o parque alega que não se enquadra em nenhuma das seguintes categorias: casas exibidoras cinematográficas, de teatro, de espetáculos musicais, circenses e de eventos esportivos, logo, não pode ser compelido a cumprir a disposição estadual, e o MP defende que, numa interpretação mais favorável ao consumidor, por oferecer atrações destas espécies, especialmente pela apresentação de espetáculos musicais e circenses, o requerido deveria observar a norma estadual.

Fato incontroverso: não há menção expressa na norma estadual a parque temático. Logo, a questão a ser dirimida é: há possibilidade de se interpretar extensivamente a norma estadual?

A questão posta é unicamente de direito e, aparentemente, ainda que devidamente citado, o requerido não inovaria em termos de argumentos jurídicos. De mais a mais, por influir na possibilidade ou não de enriquecimento sem causa, tendo em vista a alegação de cobrança indevida, entendo que é possível a análise da questão antes mesmo do contraditório.

É dizer: de fato, há urgência no pleito do Ministério Público, ainda que, repito, a análise aprofundada da questão posta, em tese, poderia, até, levar a um julgamento antecipado sem citação do réu. Todavia, apego-me à questão econômica e ao eventual prejuízo econômico aos consumidores - um dos argumentos intrínsecos do MP - para realizar a presente análise liminar.

Cabe verificar, então, a evidência e plausibilidade jurídica do argumento trazido pelo Ministério Público.

Foi a Medida Provisória 2.208/2001, publicada em 20/8/2001, que primeiro regulamentou a questão da meia entrada em âmbito nacional (até então a questão era tratada somente pelos Estados). Dispunha a referida norma:

Art. 1o A qualificação da situação jurídica de estudante, para efeito de obtenção de eventuais descontos concedidos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identificação estudantil expedido pelos correspondentes estabelecimentos de ensino ou pela associação ou agremiação estudantil a que pertença, inclusive pelos que já sejam utilizados, vedada a exclusividade de qualquer deles.

Parágrafo único O disposto no caput deste artigo aplica-se nas hipóteses em que sejam oferecidos descontos a estudantes pelos transportes coletivos públicos locais, acompanhada do comprovante de matrícula ou de freqüência escolar fornecida pelo seu estabelecimento de ensino.

Art. 2o A qualificação da situação de menoridade não superior a dezoito anos, para efeito da obtenção de eventuais descontos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identidade expedido pelo órgão público competente.

Art. 3o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Veja-se que a medida provisória - que tinha força de lei ordinária - classificou os benefíciários em dois grupos: estudantes e menores de dezoito anos. No entanto, da leitura da exposição de motivos da norma em questão, percebe-se facilmente que a intenção do legislador foi garantir o acesso dos estudantes à cultura, presumindo, assim, que todo menor de dezoito anos deveria ser considerado estudante.

Eis a exposição de motivos (publicada no Diário do Congresso Nacional de 21/9/2001, p. 19167-19168):

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Medida Provisória que dispõe sobre a comprovação da qualidade de estudante e de menor de dezoito anos nas situações que especifica.

2. A proposta visa a democratização do acesso ao desconto concedidos a estudantes para ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, na medida em que a comprovação da qualidade para a obtenção do benefício far-se-á pela simples exibição de documento de identidade estudantil, expedido pelo correspondente estabelecimento de ensino ou por qualquer associação ou agremiação estudantil a que pertença, inclusive pelos que já são utilizados, vedada a exclusividade.

3. A Constituição Federal, em art. 205, estabelece que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

4. Neste contexto, o desconto a que se refere a proposta está voltado para a inclusão social do educando, o acesso às fontes de cultura nacional, às manifestações desportivas e ao lazer, essenciais para o processo de formação do cidadão e desenvolvimento da cidadania. Deve-se ressaltar que graças a uma série de ações, políticas e programas especialmente dirigidos a este segmento, já em curso no Governo Federal, a propositura complementa e assegura o exercício de direitos previstos na própria Constituição Federal.

5. Não se pode conceber que direitos constitucionalmente assegurados deixem de ser exercitados diante da dificultadade de comprovação da qualidade de estudantes, o que aqui se procura evitar, o que, a toda evidência, reveste-se da urgência e relevância indispensáveis à edição da medida provisória que ora submetemos ao elevado descortino de Vossa Excelência.

6. Desse modo Senhor Presidente, passando o referido desconto a ser concedido mediante a apresentação de carteira estudantil emitida por qualquer entidade estudantil ou de ensino, sem qualquer tipo de exclusão ou privilégio, esta-se-á, também, contribuindo para o acesso à cultura e ao lazer.

A MP n. 2.208/2001 vigeu até a edição da Lei Federal 12.933/13, que a revogou por completo. Tal Lei, a qual é fundamento do parque para negar a pretensão do Ministério Público, dispõe sobre o benefício do pagamento de meia-entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes em espetáculos...

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