Acórdão Nº 5050101-95.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 08-04-2021

Número do processo5050101-95.2020.8.24.0038
Data08 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5050101-95.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) APELADO: EULALIA MARCELO VICENTE (AUTOR)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

EULALIA MARCELO VICENTE ajuizou "Ação Declaratória c/c Indenização por Dano Moral" em face do BANCO BMG S/A, alegando, em síntese, que as partes haviam firmado contrato de empréstimo consignado, tendo o réu efetuado indevidamente descontos a título de Reserva de Margem de Cartão de Crédito - RMC.

Aduziu ainda que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem de crédito.

Requereu a declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito - RMC, a restituição em dobro dos valores descontados a título de reserva de margem consignável e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais em R$15.000,00.

Ao final, pugnou a condenação do réu ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios e a concessão da justiça gratuita.

Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1).

1.2) Da contestação

Devidamente citado, o banco réu apresentou contestação, alegando, em síntese, que a parte autora aderiu expressamente ao contrato para utilização do cartão de crédito mediante consignação em sua folha de pagamento, tendo efetuado, inclusive, saque de valores vinculados a margem consignável do cartão.

No mérito, dissertou sobre: a) legalidade do negócio jurídico firmado; b) ciência da modalidade contratada; c) não cabimento da repetição de indébito; d) inexistência de danos morais; e) necessidade de compensação de valores e; f) inversão do ônus da prova.

Ao final, requereu a improcedência da ação.

1.3) Do encadernamento processual

Concedido o benefício da justiça gratuita (evento 4).

Manifestação à contestação (evento 15).

1.4) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional, o Juiz de Direito Mauricio Cavallazzi Povoas prolatou sentença resolutiva de mérito (evento 17):

Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por EULALIA MARCELO VICENTE contra BANCO BMG SA e, em consequência, i) declaro a ilegalidade da reserva de margem consignável no benefício previdenciário da parte autora; ii) condeno o réu à restituição dos valores debitados do benefício previdenciário da parte autora, quantia essa que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, mediante compensação, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; iii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10 mil reais, valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (01.08.2015, evento n. 1, comprovante n. 5); iv) determino que o banco requerido se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.

Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da causa, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.

1.5) Do recurso

Inconformado com a prestação jurisdicional, o banco réu interpôs o presente recurso de Apelação Cível, alegando, em síntese, todas as teses levantadas em sede de contestação. Alternativamente, pediu pela minoração do quantum indenizatório arbitrado e da multa diária arbitrada.

Ao final, pugnou pelo provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos exordiais.

1.6) Das contrarrazões

Apresentada (evento 31).

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do objeto recursal

A discussão é sobre contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

2.2) Do juízo de admissibilidade

Conheço do recurso, porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, já que ofertado a tempo e modo, recolhido o preparo e evidenciados o objeto e a legitimação.

2.3) Do mérito.

2.3.1) Do cartão de crédito

Examinando os autos, verifica-se a existência do "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO FOLHA DE PAGAMENTO" (evento 11, contrato 2, fls. 1/2), que foi devidamente assinado pela parte autora.

Prima facie, sem maiores delongas, têm-se que a relação negocial que motivou a contenda judicial deve ser dirimida pelos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, mormente que a parte autora se amolda perfeitamente ao conceito jurídico de consumidora final - art. 2º, CDC, e o banco réu no de fornecedor de produtos e serviços - art. 3º, § 2º, CDC.

Inclusive, ante exaustivos debates jurídicos outrora travados, o e. STJ, visando pacificar a incidência das normas consumeristas nas relações negociais estabelecidas com instituições financeiras, lançou mão do verbete sumular n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

A demanda que ensejou a propositura da ação repousa no vício de consentimento reduzido à termo, mormente que a parte autora afirma que se socorreu do banco réu visando a obtenção de empréstimo consignado, conquanto acabou sendo instrumentalizado contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Para avançarmos na análise do suposto vício de consentimento, faz-se imprescindível debruçarmo-nos sobre as características que permeiam as duas modalidades de contrato - empréstimo consignado e cartão de crédito com reserva de margem consignável.

O "empréstimo consignado" é um contrato de mútuo feneratício em que a instituição financeira contratada disponibiliza um bem fungível (dinheiro) ao consumidor que opta em proceder o pagamento do débito mediante consignação mensal em sua folha salarial/benefício previdenciário.

Definição retratada pelo Banco Central do Brasil:

O que é empréstimo consignado?É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

A modalidade de pagamento indireto em contratos desse jaez enseja uma garantia absolutamente maior de recebimento pela instituição financeira credora dos valores devidos, mormente que a cobrança/repasse dos valores não depende mais da anuência do devedor, incumbindo ao empregador/entidade de previdência o repasse do valor ajustado.

A diminuição drástica dos riscos a serem experimentados pela instituição financeira...

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