Acórdão Nº 5050697-27.2020.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 03-11-2022

Número do processo5050697-27.2020.8.24.0023
Data03 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5050697-27.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador JAIME MACHADO JUNIOR

APELANTE: RODRIGO ALEXANDRE (RÉU) APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO COM INTERACAO SOLIDARIA DO VALE EUROPEU - CRESOL VALE EUROPEU (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por RODRIGO ALEXANDRE contra sentença proferida pelo juízo da 1a Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis que, nos autos da ação de busca e apreensão ajuizada por COOPERATIVA DE CREDITO COM INTERACAO SOLIDARIA DO VALE EUROPEU - CRESOL VALE EUROPEU, julgou a lide nos seguintes termos:

Ante o exposto:

a) julgo procedente o pedido formulado na ação de busca e apreensão para, em consequência, consolidar a propriedade e a posse do veículo descrito na inicial, nas mãos do proprietário fiduciário, tudo na forma do art. 3°, §§ 4° e 5°, do Decreto-Lei n.911/69. Em consequência, condeno o réu ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento), do valor da causa, devidamente atualizado, conforme art. 85, § 2º, do CPC/15, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiário da gratuidade judiciária.

b) julgo improcedente o pedido formulado na reconvenção e, por conseguinte, condeno o reconvinte ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do reconvindo, estes que fixo em R$ 500,00, considerando a complexidade da causa e tempo de duração, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiário da gratuidade judiciária.

Irresignado, o requerido mencionou, preliminarmente, a ausência de constituição em mora, a inépcia da inicial e a carência da ação. No mérito, a existência de contrato de adesão, a aplicação do CDC, o adimplemento substancial do débito, a ilegalidade da capitalização de juros, a descaracterização da mora, a multa de mora acima do permitido, a ilegalidade da comissão de permanência, juros remuneratórios acima da média de mercado, o excesso de garantia, a obrigação da autora/reconvinda em indenizar o demandado/reconvinte, a redistribuição da sucumbência e a fixação de honorários recursais.

Contrarrazões no evento 44.

Após, ascenderam os autos a esta Corte e vieram conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Considerando que a sentença foi lançada sob a égide do Código Processual Civil de 2015, a análise do reclamo ficará a cargo do mencionado diploma legal.

Preliminares

Ausência de constituição em mora

O apelante menciona a ausência de constituição em mora, pois a notificação não foi recebida pessoalmente pelo titular do contrato.

Acerca dos pressupostos para o ingresso com a ação de busca e apreensão edificada em contrato de alienação fiduciária, dispõe o Decreto-Lei n. 911/69, em redação dada pela Lei n. 13.043/2014:

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.[...][...] § 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.Art. 3º. O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

Ainda, certifica a Súmula 72 do STJ: "A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente".

Da análise literal do disposto, verifica-se que o ingresso em juízo exige a prévia constituição em mora do devedor que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pode se dar pelo protesto do título ou pela notificação extrajudicial, esta enviada, por carta registrada com aviso de recebimento, e recebida, mesmo que por terceiro.

A propósito:

"A mora do devedor é comprovada pelo protesto do título, se houver, ou pela notificação extrajudicial feita por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos. Suficiência da entrega da notificação no endereço do devedor, ainda que não lhe seja entregue pessoalmente. Precedentes". (STJ, AgInt no AREsp 1022809/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018).

Na hipótese em que o credor optar pelo envio de correspondência, mas não obtenha êxito, restará o protesto do título.

No caso, verifica-se que a notificação apresentada junto à inicial foi enviada ao mesmo endereço indicado no contrato pelo devedor, como se percebe (evento 1, NOT10), tendo sido assinada por Laurinha Weber (esposa).

Inclusive, acerca da validade, é o Enunciado XIV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte:

O ato do fedatário certificando o recebimento de telegrama no endereço do devedor, comprova a mora para o fim de ajuizamento de ação de busca e apreensão ou de reintegração de posse com suporte em contrato de alienação fiduciária ou arrendamento mercantil.

E da jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEMANDADA 1. PRELIMINARES: 1.1. COMPROVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL ENVIADA POR TELEGRAMA, PELO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA, PARA O ENDEREÇO DA DEVEDORA CONSTANTE DO CONTRATO. CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA, AINDA QUE POR TERCEIRA PESSOA. VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO ENCAMINHADA PARA CONSTITUIÇÃO EM MORA QUE OBSERVA ENUNCIADO XIV DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTE TRIBUNAL. "O ato do fedatário certificando o recebimento de telegrama no endereço do devedor, comprova a mora para o fim de ajuizamento de ação de busca e apreensão ou de reintegração de posse com suporte em contrato de alienação fiduciária ou arrendamento mercantil." (Enunciado n. XIV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial). [...]. (TJSC, Apelação Cível n. 0307865-39.2016.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 03-10-2019).

"[...] CONSTITUIÇÃO EM MORA. COMPROVAÇÃO QUE PODE SER FEITA POR CARTA REGISTRADA COM AVISO DE RECEBIMENTO, NÃO SE EXIGINDO QUE SEJA RECEBIDA PELO PRÓPRIO DEVEDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 2º, § 2º, DO DECRETO-LEI N. 911/1969. CORRESPONDÊNCIA, IN CASU, ENTREGUE NO ENDEREÇO INFORMADO NO CONTRATO E RECEBIDA POR TERCEIRO. VALIDADE. INSURGÊNCIA NÃO ACOLHIDA NESSE PONTO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA DÍVIDA NÃO CONFIGURADO. QUITAÇÃO DE APENAS SETE DAS SESSENTA PARCELAS PACTUADAS. NECESSIDADE, ADEMAIS, DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL QUE NÃO SE APLICA AOS CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REGULADOS PELO DECRETO-LEI N. 911/1969. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (RESP N. 1.622.555/MG). RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO". (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4007785-72.2018.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-02-2019).

Portanto, regular a constituição em mora do devedor, pois é considerada válida a entrega da notificação no endereço do contrato, ainda que recebida por terceiro.

Inépcia da inicial

O réu menciona a inépcia da inicial, pois a parte apelada não acostou documento hábil a demonstrar o suposto crédito, não apontando critérios utilizados no cálculo.

A alegação não procede.

Do cálculo apresentado (evento 1, FINANC5) percebe-se os encargos utilizados, os juros aplicados, o termo inicial e final.

Inclusive, o contrato se faz presente aos autos (evento 1, CONTR4), possibilitando, inclusive, a defesa do apelante que, inclusive, impugnou vários encargos pactuados.

Portanto, rejeita-se a preliminar.

Ausência de interesse processual

Sustenta ainda ser o débito inexigível, pois, em razão da abusividade, a mora deve ser desconstituída.

Não há falar em ausência de interesse processual, sendo útil a utilização da busca e apreensão, o que decorre do atraso no pagamento das parcelas por parte do réu.

Eventual abusividade deve ser analisada em sede de mérito, se houver pleito de revisão das cláusulas contratuais.

Mérito

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Primeiramente, cabe ressaltar que o contrato realizado entre as partes é regido pelas regras do Código de Defesa do Consumidor, pois presentes os pressupostos consumeristas (arts. e 3º, parágrafo 2º, CDC), configurando a parte apelante como consumidora e a parte apelada como fornecedora do serviço de natureza financeira/creditícia.

Inclusive, a matéria restou pacificada, nos termos da Súmula 297 do STJ, sendo aplicável a Lei 8.078/90 às instituições financeiras, conforme se depreende dos julgados:

PROCESSUAL CIVIL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PRESCRIÇÃO [...] INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. SÚMULA 297/STJ. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO A 12% AO ANO.[...] 3. A discussão acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos celebrados por instituições financeiras ficou superada nesta Corte com a edição da Súmula 297/STJ, que assim dispõe: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." [...]. (REsp 1570268/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016).

E, nesse sentido, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT