Acórdão Nº 5051725-93.2021.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 17-03-2022

Número do processo5051725-93.2021.8.24.0023
Data17 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5051725-93.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

RECORRENTE: CRISTIAN KIELING COELHO (ACUSADO) ADVOGADO: Isaac Matos Pereira (OAB SC002523) ADVOGADO: JEAN FRANCIESCO CARDOSO GUIRALDELLI (OAB SC034557) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: GUILHEME COELHO CARDOSOS (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Cristian Kieling Coelho, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, I e IV, c/c o art. 14, II, bem como no art. 129, caput, todos do Código Penal, este último por 2 (duas) vezes, tudo na forma do art. 69 do mesmo diploma normativo, pois, segundo consta inicial:

FATO 1 - Do crime homicídio tentado

Segundo consta do Auto de Prisão em Flagrante, no dia 3 de junho de 2021, por volta das 18horas 40min, o denunciado CRISTIAN KIELING COELHO, com manifesto animus occidendi, por motivo torpe, se deslocou até a residência da vítima Guilherme Coelho Cardoso, localizada na Rua Joaquim Neves, n. 18, casa, Pântano do Sul, Florianópolis/ SC, adentrou clandestinamente no local e tentou matar Guilherme Coelho Cardoso ao efetuar contra ele diversos golpes de faca1.

A morte da vítima somente não ocorreu por razões alheias à vontade do denunciado, tendo em vista que Eduardo Vinícius Cunha e Manoel Amilton de Olivreira intercederam em favor de Guilherme Coelho Cardoso, entrando em conflito com o denunciado e logrando desarma-lo a fim de proteger o ofendido.

A tentativa de homicídio foi duplamente qualificada. (1) O motivo da ação delitiva foi torpe, eis que cometido em razão de desentendimentos familiares anteriores entre o denunciado e a vítima Guilherme, bem como em razão do denunciado acreditar que Guilherme foi o autor de denúncia anônima realizada em seu desfavor. (2) Ainda, o delito foi praticado mediante recurso que dificultou e tornou impossível a defesa da vítima Guilherme, pois a ação de CRISTIAN KIELING COELHO se deu de forma abrupta, após o denunciado adentrar clandestinamente na residência da vítima, a qual segurava em seus braços um bebê de apenas 9 meses. Dessa forma, a vítima estava com espírito desarmado no momento da prática do delito, ficando sua defesa, portanto, dificultada, ou mesmo impossibilitada, em razão do súbito e repentino ato violento do denunciado.

Fato 2 - Dos crimes de lesão corporal

No mesmo contexto, o denunciado CRISTIAN KIELING COELHO, com animus laedendi, ofendeu a integridade física da vítima Eduardo Vinícius Cunha, que defendia Guilherme, ao desferir contra ela empurrões e golpes de faca, provocando-lhe as lesões descritas no laudo pericial do evento 552.

Se não bastasse, na mesma oportunidade o denunciado CRISTIAN KIELING COELHO, com animus laedendi, também ofendeu a integridade física da vítima M. S. de S., bebê de apenas 9 meses, ao desferir contra ela empurrões, fazendo com que caísse dos braços de Guilherme Coelho Cardoso, provocando-lhe as lesões descritas nos laudos periciais do evento 553 (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários, grifo no original).

Finalizada a instrução preliminar, o Magistrado a quo julgou parcialmente admissíveis os pedidos formulados na denúncia, a fim de: a) pronunciar o réu quanto à prática do crime previsto no art. 121, I e IV, c/c o art. 14, II, e daquele descrito no art. 129, caput, todos do Código Penal, este último perpetrado em face de M. S. de S.; e b) impronunciá-lo no tocante à imputação relativa à infração penal esculpida no art. 129, caput, do Estatuto Repressor, cometida em desfavor de Eduardo Vinícius Cunha (Evento 166, SENT1, autos originários).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs recurso em sentido estrito, mediante o qual sustentou, preliminarmente, a nulidade da decisão de pronúncia, ao argumento de que teria havido excesso de linguagem em relação ao afastamento das excludentes da legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa. No mérito, clamou pela impronúncia, fundamentando que inexistem indícios suficientes a apontar a autoria delitiva. De modo alternativo, requereu o decote das qualificadoras (Evento 198, PET1, autos originários).

Ofertadas as contrarrazões e mantida a decisão (Evento 206, CONTRAZ1, e Evento 208, DESPADEC1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Carlos Henrique Fernandes, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 9, PROMOÇÃO1).

Na sequência, a defesa apresentou petição, requerendo que "seja desconsiderado, para fins de analise recursal, o erro material constante no último parágrafo, da página 4 da razões de apelação, [...] bem como sejam riscadas da r. decisão do evento 208, as expressões 'inverdade', 'incompostura' e 'levar ao erro', com fulcro no art. 78 do CPC" (Evento 15, PET1).

VOTO

1 Da petição apresentada posteriormente à designação da pauta de julgamento

Em petição apartada, a defesa pleiteou a correção de erro material nas razões do recurso, nos seguintes termos (Evento 15, PET1):

Ante o exposto vem requerer, seja desconsiderado para fins de análise recursal, o erro material constante no último parágrafo, da página 4 da razões de apelação, consistente em trecho de outra sentença de pronuncia que - visivelmente - não guarda a mínima relação com o caso concreto, mantida por equivoco de aproveitamento de modelo de recurso [...].

Requereu, ainda, que "sejam riscadas da r. decisão do evento 208, as expressões 'inverdade', 'incompostura' e 'levar ao erro', com fulcro no art. 78 do CPC" (Evento 15, PET1).

Da análise das razões recursais, verifica-se que a defesa equivocou-se ao mencionar, em citação direta, trechos de uma sentença de pronúncia prolatada em feito diverso (Evento 198, PET1).

O Magistrado a quo, em sede de juízo de retratação, no qual manteve a decisão hostilizada e remeteu os autos a este Tribunal de Justiça, consignou que, "segundo a defesa, aquele trecho citado estaria na sentença atacada o que, evidente, é uma inverdade. Basta ler a sentença do Evento 166. Lamento, por isso, a incompostura da defesa ao pretender levar ao erro o Eg. Tribunal de Justiça" (Evento 208, DESPADEC1, grifo no original).

De fato, como pontuou o causídico, não se percebe a existência de indicativos no sentido de que a defesa tenha agido de má-fé ou para induzir estes julgadores a erro.

Isso porque, ainda que no arrazoado exista menção a uma sentença de pronúncia que não guarda relação com o processo em tela, é certo que os demais argumentos lançados na peça dizem respeito aos fundamentos da decisão recorrida, o que permite, também, a compreensão exata dos pedidos formulados pela parte.

Assim, constata-se a presença de mero equívoco material por parte do patrono, o que não possui o condão de interferir no resultado do presente julgamento.

Por outro lado, quanto ao pedido, formulado com base no art. 78 do Código de Processo Civil, de exclusão das expressões "inverdade" e "incompostura", utilizadas pelo Magistrado Singular na decisão de juízo negativo de retratação, tem-se que não compete a este Órgão Colegiado a análise da matéria, de forma que o requerimento não merece ser conhecido.

É que, "se as expressões ofensivas forem empregadas pelo juiz, o pedido de riscadura deve ser encaminhado à respectiva Corregedoria de Justiça" (ALVIM, Angélica Arruda et. al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 141).

Assim, caso entenda pertinente, o patrono pode encaminhar o requerimento à Corregedoria-Geral de Justiça desta Corte.

Isso posto, passa-se à análise do recurso propriamente dito.

2 Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do reclamo.

3 Preliminar

Preliminarmente, a defesa aduz que a sentença de pronúncia seria nula por excesso de linguagem no que se refere ao afastamento das excludentes da legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa.

Sem razão.

Compulsando o decreto objurgado, percebe-se que as teses não foram reconhecidas, neste momento processual, pelo Togado Singular, com base nos seguintes fundamentos (Evento 166, SENT1, autos originários):

Na fase do sumário da culpa as decisões possíveis são a pronúncia do réu (art. 413 do CPP), a impronúncia (art. 414 do CPP), a desclassificação (art. 419 do CPP) ou a absolvição sumária (art. 415 do CPP).

De pronto afasto a absolvição sumária (art. 415 CPP), porquanto as provas dos autos não apontam a ocorrência das hipóteses que autorizam tal decisão.

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:I provada a inexistência do fato;II provado não ser ele autor ou partícipe do fato;III o fato não constituir infração penal;IV demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

De fato, não vislumbro entre o conjunto probatório qualquer excludente da antijuridicidade, culpabilidade ou punibilidade para absolver sumariamente o réu, cuja tentativa de homicídio se mostra provada materialmente (Evento 1, P_FLAGRANTE8, fls. 3-6, 8 dos autos relacionados; laudo de Evento 12, além dos depoimentos reiterados das vítimas e testemunhas).

Ainda que a Defensoria tenha sustentado que o acusado agiu em legítima defesa, por ter sido diversas vezes agredido pela vítima e seus familiares, não existem provas cabais nos autos nesse sentido, tanto mais acerca da atualidade da agressão.

Vê-se, então, que não está seguramente demonstrada a legítima defesa sustentada, de sorte que não pode ser reconhecida neste momento para absolvê-lo sumariamente.

Nesse norte, conforme se observa do pronunciamento judicial, tem-se que o Magistrado de primeiro grau apenas analisou superficialmente as teses arguidas pela defesa em sede de alegações finais, mencionando que inexistiriam, na fase de cognição sumária, provas cabais a autorizarem, de plano, o reconhecimento de excludentes de ilicitude ou culpabilidade, sem emitir qualquer juízo de valor.

Assim, agiu o Togado de acordo com a norma processual e o entendimento da jurisprudência, no sentido de que, "na...

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