Acórdão Nº 5052443-28.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara Criminal, 04-10-2022

Número do processo5052443-28.2022.8.24.0000
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5052443-28.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

PACIENTE/IMPETRANTE: LUCAS RODRIGUES (Paciente do H.C) ADVOGADO: MARIANA GUIMARAES CASCAES (OAB SC045359) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: MARIANA GUIMARAES CASCAES (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Lucas Rodrigues, contra ato, em tese, ilegal, praticado pelo Juiz de Direito da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca de Florianópolis ao decretar a prisão preventiva do Paciente nos autos 5085614-04.2022.8.24.0023, em razão da suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 2º, §§ 2º e 4º, incisos I e IV, da Lei n. 12.850/13, e arts. 33, caput, e 35, caput, ambos c/c art. 40, incisos III, IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06.

Sustenta a Impetrante, em síntese, a ausência dos requisitos do art. 312, do Código de Processo Penal, em especial por ter sido, a segregação, "determinada com base em suposições que não encontram qualquer amparo nas provas colhidas, consubstanciando ainda no presente writ, a exacerbação e reiterados erros na aplicação da dosimetria da pena".

Argumenta, neste interim, a existência de nulidade do feito por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como da presunção de inocência.

Aduz, também, tratar-se de Paciente primário, o qual possui residência fixa, de modo que "não trará NENHUM risco ao ser colocado em liberdade".

Pugna, assim, pelo deferimento do pedido liminar e, posteriormente, da ordem em definitivo, para fazer cessar o constrangimento ilegal que entende sofrer o Paciente, com a concessão de liberdade.

Indeferido o pleito liminar, dispensou-se a apresentação de informações pela Autoridade dita coatora.

A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento do writ e denegação da ordem.

Esse é o relatório.

VOTO

O writ deve ser parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegado.

Inicialmente, ressalta-se que as teses relacionadas ao mérito do processo em andamento na origem, especialmente aquelas que buscam discutir o acervo probatório e os indícios de autoria, não devem ser conhecidas, mormente porque, como se sabe, eventual análise acerca de tais alegações necessitaria de uma incursão mais aprofundada no contexto probatório, o que não se revela possível na via estreita do habeas corpus.

Sobre o assunto, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça o HC de n. 641.316/RS, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/03/2021:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O COMÉRCIO ILÍCITO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. SUBSTITUIÇÃO POR CUSTÓDIA DOMICILIAR. DOIS FILHOS COM MENOS DE 12 ANOS. ARTS. 318-A E 318-B DO CPP. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. 1. A análise da alegada falta de indícios de autoria delitiva demandaria ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do writ. [...] 6. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, concedida, para substituir a prisão preventiva da paciente pela domiciliar, acompanhada das providências cautelares previstas no art. 319, II, III e IV, do CPP, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa indicar cabíveis e adequadas, bem como de nova decretação da custódia processual em caso de violação das providências alternativas ou se sobrevier situação que configure sua exigência. (grifou-se)

A propósito, o habeas corpus não se presta para a análise de questões que envolvam um exame aprofundado da matéria fático-probatória, de modo que o reconhecimento de eventual ilegalidade somente poderá ocorrer apenas quando esta for verificada de plano, o que não ocorreu na presente hipótese.

Sobre o assunto, colhe-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "a estreita via do habeas corpus não se presta para revisitar as premissas decisórias da decisão preventiva, de modo que o remédio constitucional não se compatibiliza com a aferição da existência de indícios mínimos de autoria" (AgRg no HC 161.723/RJ, rel. Min. Edson Fachin, j. 22/02/2019, grifou-se).

No mesmo sentido é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que "A tese sobre insuficiência de indícios de autoria e prova da materialidade em relação aos delitos imputados consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório" (AgRg no RHC n. 166.269/MA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022).

Não se conhece, portanto, do pleito relativo à inexistência de indícios mínimos da autoria delituosa.

A alegação de "exacerbação e reiterados erros na aplicação da dosimetria da pena", da mesma forma, não comporta conhecimento, tendo em vista que a ação penal de origem ainda se encontra em sua fase instrutória, não havendo, portanto, Sentença proferida.

Requer a Defesa, também, a revogação da medida extrema, por entender que não se encontram preenchidos, na hipótese, os requisitos previstos pelo art. 312, do Código de Processo Penal.

Razão, porém, não lhe assiste.

Da análise dos autos, observa-se que o Paciente, além de outras 34 (trinta e quatro) pessoas, foi denunciado pela suposta prática dos delitos previstos no art. 2º, §§ 2º e 4º, incisos I e IV, da Lei n. 12.850/13, e arts. 33, caput, e 35, ambos c/c art. 40, incisos III, IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06, em razão dos seguintes fatos:

1. HISTÓRICO DE ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE - PGC

A organização criminosa Primeiro Grupo Catarinense - PGC foi fundada em março de 2003 por detentos da ala de segurança máxima da Penitenciária desta Capital, com o objetivo inicial de obter melhorias e condições mais favoráveis aos reclusos.

Em 30/05/2003 os segregados de alta periculosidade do estado foram transferidos à Penitenciária de São Pedro de Alcântara, quando se agruparam e formaram o órgão de cúpula da organização criminosa, denominado "Ministério", por meio do qual passaram a difundir suas ideias a outros criminosos do sistema prisional interessados.

Para formalizar e esclarecer o propósito da facção, o "Ministério" elaborou seu próprio "estatuto", com noções gerais sobre a estrutura da "irmandade", objetivos e, principalmente, a forma de difusão das ordens dentro e fora das unidades prisionais, já que com o progressivo desenvolvimento da societas criminis seu raio de atuação suplantou o interior dos presídios, estendendo-se extramuros.

Um dos primeiros procedimentos criminais instaurados para desarticular a organização criminosa em comento foi deflagrado perante a 3ª Vara Criminal da comarca de Blumenau/SC (autos n. 0001206-31.2013.8.24.0008, com numeração antiga 008.13.001206-5) e resultou na condenação de diversos integrantes do denominado "Primeiro Ministério", sendo os apontados líderes do grupo criminoso transferidos para Penitenciárias Federais. Esse fato, inclusive, teria modificado o "Segundo Conselho" da facção e estabelecido/reafirmado o requisito de que os detentores desta patente deveriam estar, necessariamente, detidos no Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara/SC, chamada pelos membros da organização criminosa de "TORRE".

A sentença condenatória foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no julgamento da paradigmática Apelação Criminal n. 2014.091769-8, sendo este o momento do reconhecimento formal da facção criminosa catarinense, embora sua existência já fosse de conhecimento público e notório em razão das ondas de violência em massa que afetaram Santa Catarina a partir do ano de 2011, como amplamente noticiado pelos meios de comunicação do país. Sobre os atentados mencionados, colhe-se do Relatório Técnico Operacional n. 132.38/PMSC/2022 anexo, as seguintes manchetes jornalísticas:

[...]

Por meio de suas lideranças - Primeiro e Segundo Ministérios -, o PGC emitiu comandos, conhecidos como "SALVE", com o intuito de implantar o caos social. Assim, determinaram a execução de atos criminosos contra os agentes das forças de segurança pública, na nítida intenção de enfraquecer a soberania e o Estado Democrático de Direito.

Em cada onda de violência, vários atos de vandalismo e de dano ao patrimônio público foram registrados em diversos municípios do estado, tais como Florianópolis, Palhoça e São José, além de Joinville, Tubarão, Itajaí, Lages, Blumenau, Camboriú, Criciúma, Porto Belo, Navegantes, Guaramirim, São Francisco do Sul, Luis Alves, Itapema, entre outros.

Merecem destaque, nesse ponto, as seguintes imagens contidas no Relatório Técnico Operacional n. 132.38/PMSC/2022, que ilustram a onda de ataques promovida pela organização criminosa, com enfoque nos crimes de incêndio praticados contra os ônibus de transporte coletivo municipal:

[...]

Ante as apurações ocorridas, as principais lideranças foram transferidas e espalhadas pelo Sistema Prisional Federal, especialmente em Mossoró/RN e Porto Velho/RO, e vários integrantes da sociedade delituosa foram responsabilizados individualmente.

Ainda assim, como um de seus Ministérios, especificamente o Segundo, composto pelos denominados "Conselheiros", até então era necessariamente formado apenas por presos recolhidos no Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara/SC, a facção manteve-se ativa e expandiu-se muito até hoje, dominando os pontos de tráfico de drogas existentes em diversas comunidades do estado, sobretudo na região da Grande Florianópolis/SC, apesar da intensa repressão.

O último exemplar do "estatuto" da organização criminosa PGC de que se tem notícia1 , apesar de ser datado de 2018, foi apreendido por policiais penais no ano de 2021, no...

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