Acórdão Nº 5052546-69.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Público, 19-07-2022

Número do processo5052546-69.2021.8.24.0000
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5052546-69.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

AGRAVANTE: PARALLELA ENGENHARIA CONSULTIVA SS AGRAVADO: MUNICÍPIO DE JOINVILLE INTERESSADO: CONSORCIO MOTTA JUNIOR RAMOS TERRAPLANAGEM INTERESSADO: EMPREITEIRA MOTTA JUNIOR LTDA INTERESSADO: POTTENCIAL SEGURADORA S.A. INTERESSADO: RAMOS TERRAPLANAGEM EIRELI

RELATÓRIO

Parallela Engenharia Consultiva SS agrava de decisão havida na 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville pela qual se deferiu a antecipação de tutela para indisponibilizar os bens da pessoa jurídica e os de seus sócios.

Narra que o Município de Joinville ajuizou ação indenizatória contra si e em face de Consórcio Motta Júnior Ramos Terraplanagem, Empreiteira Motta Júnior Ltda., Ramos Terraplanagem Eireli e Pottencial Seguradora S.A., buscando a responsabilização em relação aos danos ocasionados por irregularidades na execução dos contratos administrativos 126/2014 e 127/2014, oriundos da Concorrência 139/2013, cujo objeto são obras de ampliação da capacidade hidráulica do Rio Mathias.

Ocorre que "sem fazer qualquer distinção ou especificação em relação aos supostos atos ilegais de cada um dos requeridos, o Município requereu na inicial, de forma genérica, o arrolamento de bens dos réus a fim de garantir futura execução em relação aos supostos danos que serão apurados no curso do processo", valorando a causa em R$ 6.204.848,25, valor que corresponde à multa aplicada ao Consórcio Motta Júnior Ramos Terraplanagem no processo administrativo 26/2015, do qual não foi parte.

Defende, no entanto, que não foi responsável pela execução das obras, mas apenas pela elaboração do projeto, estudos ambientais e obtenção de licenças para viabilizar a contratação de empresa especializada de engenharia. Firmou, para tanto, o contrato 305/2011 com a municipalidade, de modo que não pode ser responsabilizada pelos problemas ocorridos na prestação de serviços executados pelo Consórcio.

Diz que, dada a complexidade do projeto, todos os trabalhos que forneceu para o cumprimento do contrato 305/2011 foram analisados por empresa consultora especializada (Consórcio Cobrape e PBLM Consultoria Empresarial Ltda) contratada pelo Município e também pelo corpo técnico deste, os quais atestaram que os serviços foram executados com qualidade e prazo de entrega de acordo com os critérios estabelecidos, de sorte que não pode ter seus bens indisponibilizados em razão de supostos ilícitos praticados por terceiros em relação ao descumprimento dos contratos 126 e 127/2014.

Sustenta, então, sua ilegitimidade passiva pois "de maneira totalmente despropositada, o município agravado tenta impor à aqui agravante a responsabilidade solidária pelo pagamento de multa imposta em processo administrativo do qual não participou", o que viola os arts. 5º, LIV e LV, da Constituição e 86, § 2º, e 87, da Lei 8.666/1993, razão pela qual o processo deve ser extinto em sua relação quanto ao pagamento da penalidade.

Menciona, ainda, que quanto a si "foi formulado na inicial um pedido genérico de condenação, cujo montante não foi estabelecido pelo município de Joinville, pois o mesmo não sabe afirmar se houve erro na elaboração dos projetos, tampouco quais as consequências materiais das supostas inconsistências".

Argumenta que o autor informou, na inicial, que o patrimônio da empresa não era suficiente para satisfazer suas obrigações, mas não requereu a desconsideração da personalidade jurídica desta e nada pleiteou em relação ao patrimônio dos sócios (que nem sequer são partes da ação), o que veio apenas nos aclaratórios e culminou na indisponibilização dos bens particulares destes. Não se aplica o art. 1.023 do Código Civil, pois ainda não há dívida apurada e, por mais que houvesse, o art. 1.024 exige a execução prévia dos bens sociais. A empresa, todavia, é limitada de modo que a responsabilidade dos sócios se restringe ao valor de suas quotas (art. 1.052 do CC). Não é o caso, também, do art. 50, §1º, do CC, uma vez que "abrange apenas os casos de desvio de finalidade, ou seja, aqueles nos quais a pessoa jurídica é usada com o fim específico de lesar credores ou para praticar ilícitos de qualquer natureza e a empresa ré nem mesmo é acusada dessas práticas".

Não estão presentes os requisitos necessários à concessão da liminar, tendo em vista que "as supostas irregularidades, como utilização de material de qualidade inferior e emprego de mão de obra em quantidade muito inferior ao acordado não tem qualquer relação com os serviços de projeto executados pela aqui agravante". O Tribunal de Contas do Estado, aliás, não apontou qualquer irregularidade nos trabalhos por si executados. Dado o tempo decorrido entre o término do contrato e a propositura desta ação, também não está presente o perigo da demora.

O efeito suspensivo foi indeferido.

Permiti que a agravante se posicionasse quanto à possibilidade de não conhecimento de parte do recurso. Ela, porém, defende a legitimidade da pessoa jurídica "para interpor recurso contra decisão que desconsidera sua personalidade, a fim de defender direito próprio, relativo a sua autonomia em relação aos sócios e à regularidade de sua administração". Colaciona julgados do STJ para ilustrar essa possibilidade.

Reitera que nem sequer é acusada de lesão a credores ou prática de atos ilícitos, o que afasta a aplicação do art. 50 do Código Civil. Além de inexistir pedido de desconsideração da sua personalidade jurídica, é necessária a instauração de incidente processual específico para tanto, nos termos do art. 134 e 795 do CPC.

O Município, em contrarrazões, defende a responsabilidade da empresa enquanto projetista, apontando, ainda, a existência de solidariedade com o construtor até que haja a conclusão da obra. Destaca que o bloqueio de bens não decorre do processo administrativo 26/2015, mas do prejuízo causado ao erário e da potencialidade de não recuperação dos recursos públicos empregados. Não se trata de execução de crédito ou de bens, mas de simples acautelamento de patrimônio, sobretudo em razão da inexistência de bens expressivos suficientes da pessoa jurídica, o que justifica a constrição do patrimônio dos sócios. Além do mais, eles respondem de forma ilimitada por se tratar de sociedade simples, sendo desnecessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nesse caso.

A Procuradoria-Geral de Justiça não manifestou interesse na causa.

VOTO

1. O processo tem por objeto a reparação de danos causados ao Município de Joinville em razão de obra pública.

Quanto à arguição de ilegitimidade, afasto-a.

A legitimidade tem substrato na relação de direito material. É ponto de estrangulamento com o direito processual, destaca Cândido Rangel Dinamarco (Fundamentos do Processo Civil Moderno, v. I, Malheiros, 2001, 3ª ed., p. 329). Fica delimitada a partir da indicação daquele a quem se possa exigir o cumprimento da obrigação buscada em juízo. Essa análise, porém, deve ser feita a partir da versão abstrata trazida pelo autor na exordial, isto é, in status assertionis. Não há necessidade de nessa averiguação inaugural, da própria existência da ação, enveredar-se pela comprovação dos aspectos fáticos trazidos na causa de pedir. Cuida-se, em outras palavras, de ponderar os termos da petição inicial, não aquilo que verdadeiramente ocorreu ou poderia ser postulado.

2. A participação da empresa Parallela Engenharia Consultiva SS se restringiu à elaboração do projeto (aí incluídos os estudos ambientais e a obtenção das licenças necessárias), o qual posteriormente foi executado pelo Consórcio Motta Júnior Ramos Terraplanagem, que teve seus contratos (126 e 127/2014) rescindidos, além de ter sido multado no âmbito do processo administrativo 26/2015.

Só que, embora as irregularidades na concretização do projeto tenham sido praticadas por terceiro e a agravante não tenha participado daquele procedimento administrativo, não se pode afastar, de plano, a repercussão dos atos que realizou quando da execução do contrato 305/2011. Apesar de a decisão agravada mencionar apenas as condutas do consórcio (tais como uso de material de qualidade inferior à contratada e mão-de-obra insuficiente), é possível que inconsistências no projeto elaborado pela Parallela Engenharia Consultiva SS também tenham contribuído para inexecução e atraso da obra, revelando nexo de causalidade com o dano causado ao autor.

Tal empreendimento, aliás, é objeto da ação civil pública 5012638-29.2018.4.04.7201 que tramita na Justiça Federal (na qual a agravante é parte), na qual já se elaborou laudo pericial que aponta, dentre outras causas, divergências no projeto elaborado pela Parallela Engenharia Consultiva SS, as quais, segundo a expert, poderiam ter sido constatadas antes mesmo da sua execução:

o Constatou-se que houve muitas verificações dos projetos antes do início da Obra. Porém, em muitos casos a efetiva verificação dos projetos da obra ocorriam antes da etapa a ser realizada ou durante a execução; o que é aceitável em algumas situações devido a necessidade de ter pleno conhecimento do local, como é o caso dos achados arqueológicos, das interferências antigas e das clandestinas, gerando necessidades de alteração de projeto. Porém algumas situações poderiam ser constatadas antes da execução, conforme item específico apresentado neste laudo técnico.

o Os tempos de atraso ocorreram em função de vários fatores como: a presença dos vestígios arqueológicos localizado próximo ao Mercado Público Municipal; a existência de interferências antigas não cadastradas; de ligações clandestinas; da necessidade de projetos recentes e atualizados, assim como das ampliações das redes; licenças ambientais; necessidade de detalhes construtivos e complementares nos projetos antes inexistentes, ou necessários devido a constatações durante a execução; assim como as várias solicitações da empreiteira Motta Jr. para modificações nos projetos.

(evento 1, laudo 21, fl. 112/113)

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