Acórdão Nº 5054312-43.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 20-10-2022

Número do processo5054312-43.2021.8.24.0038
Data20 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5054312-43.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: VALDIR BATISTA BEIL (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

VALDIR BATISTA BEIL ajuizou Ação Declaratória e Indenizatória em face de BANCO BMG S.A alegando, em síntese, que buscou a casa bancária para realizar um mútuo bancário na modalidade de empréstimo consignado mas, para sua surpresa e sem seu conhecimento, fora pactuado um contrato de cartão de crédito consignado, com inclusão de reserva de margem consignável em seu benefício previdenciário. Falou, ainda, que a conduta do Banco lhe causou prejuízos materiais e morais.

Assim, pleiteou a concessão da tutela de urgência antecipada para que a parte ré se abstenha de reservar margem consignável (RMC) destinada ao cartão de crédito e de efetuar o respectivo desconto em seu benefício previdenciário.

Pugnou pela declaração de nulidade do negócio jurídico, pela repetição do indébito e pela condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Por fim, acostou documentos, requerendo a concessão da justiça gratuita e a procedência dos pedidos inaugurais.

1.2) Da contestação

Citada, a parte ré ofereceu contestação (evento 19) alegando, preliminarmente, a ocorrência de prescrição e decadência.

No mérito, defendeu que a parte autora solicitou a emissão de cartão de crédito, sendo licitas todas as cláusulas pactuadas, bem como sua contratação. Falou sobre a legalidade do cartão de crédito com margem consignável, da inexistência de responsabilidade civil e de danos morais. Por fim, reiterou sobre a inexistência de prova do dano moral e pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais.

1.3) Do encadernamento processual

Concedido o pedido de justiça gratuita e indeferido o pedido de tutela de urgência antecipada (evento 12).

Manifestação sobre a contestação (evento 24).

1.4) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. FERNANDO SEARA HICKEL proferiu sentença resolutiva de mérito (evento 26), nos seguintes termos:

III - Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados por VALDIR BATISTA BEIL contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a validade do contrato e, por conseguinte, converto-o para "empréstimo consignado", com a incidência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para empréstimos dessa modalidade, devendo o número de parcelas respeitar a margem consignável eventualmente disponível; ii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (04/02/2017, evento n. 1, EXTR4); iii) declaro a legalidade da repetição de indébito na forma simples, com compensação; iv) condeno o réu à restituição das quantias que eventualmente tenham sido pagas a maior pela parte autora, que deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, compensando-se com eventual débito, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; v) determino que o banco se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.

Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da condenação, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.

1.5) Dos recursos

1.5.1) Do recurso do Banco

Irresignada, a parte ré interpôs recurso de Apelação Cível (evento 36) alegando, inicialmente, a ocorrência de prescrição e decadência. No mérito, reiterou a existência do pacto e a legalidade do contrato de cartão de crédito consignado, bem como a ausência de danos morais e de valores a repetir. Alternativamente, discorreu sobre a necessidade de minorar a indenização fixada e falou que a devolução deve ser na forma simples. Assim, requereu a reforma do julgado.

1.5.2) Do recurso da parte autora

A parte autora, por sua vez (evento 34), requereu a majoração do valor da indenização por danos morais e dos honorários advocatícios, bem como a repetição do indébito em dobro.

1.6) Das contrarrazões

Presente (eventos 43 e 44).

É o relatório.



VOTO

2.1) Do objeto recursal

A discussão é sobre a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes.

2.2) Do juízo de admissibilidade

Conheço dos recursos porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.

2.3) Das prejudiciais de mérito

2.3.1) Da prescrição

A discussão neste processo diz respeito essencialmente ao prazo prescricional aplicável a pretensão de declaração de inexistência de débito, cumulada com pedido de indenização por danos morais, originárias de contratos de reserva de margem consignáveis - RMC.

Pois bem, é indiscutível que tanto a pretensão declaratória, quanto o pedido condenatório, seja por repetição de indébito, seja por indenização por danos morais, advém da tese de inadimplemento contratual, decorrente de vício de consentimento, isto é, possuem a mesmo origem.

Sobre a prescrição nestas hipóteses, o Superior Tribunal de Justiça, por certo tempo, aplicou dois entendimentos distintos, um tomando o prazo quinquenal, consoante citado na decisão combatida, e outro com base no prazo decenal, na forma do artigo 205 do Código Civil.

Contudo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.281.594, em 15/05/2019, colocou fim a celeuma e uniformizou a incidência da prescrição decenal para responsabilidade civil contratual.

Vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CARACTERIZADO. PRAZO PRESCRICIONAL INCIDENTE SOBRE A PRETENSÃO DECORRENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL.INAPLICABILIDADE DO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. SUBSUNÇÃO À REGRA GERAL DO ART. 205, DO CÓDIGO CIVIL, SALVO EXISTÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA DE PRAZO DIFERENCIADO. CASO CONCRETO QUE SE SUJEITA AO DISPOSTO NO ART. 205 DO DIPLOMA CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.I - Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência tem como finalidade precípua a uniformização de teses jurídicas divergentes, o que, in casu, consiste em definir o prazo prescricional incidente sobre os casos de responsabilidade civil contratual.II - A prescrição, enquanto corolário da segurança jurídica, constitui, de certo modo, regra restritiva de direitos, não podendo assim comportar interpretação ampliativa das balizas fixadas pelo legislador.III - A unidade lógica do Código Civil permite extrair que a expressão "reparação civil" empregada pelo seu art. 206, § 3º, V, refere-se unicamente à responsabilidade civil aquiliana, de modo a não atingir o presente caso, fundado na responsabilidade civil contratual.IV - Corrobora com tal conclusão a bipartição existente entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual, advinda da distinção ontológica, estrutural e funcional entre ambas, que obsta o tratamento isonômico.V - O caráter secundário assumido pelas perdas e danos advindas do inadimplemento contratual, impõe seguir a sorte do principal (obrigação anteriormente assumida). Dessa forma, enquanto não prescrita a pretensão central alusiva à execução da obrigação contratual, sujeita ao prazo de 10 anos (caso não exista previsão de prazo diferenciado), não pode estar fulminado pela prescrição o provimento acessório relativo à responsabilidade civil atrelada ao descumprimento do pactuado.VI - Versando o presente caso sobre responsabilidade civil decorrente de possível descumprimento de contrato de compra e venda e prestação de serviço entre empresas, está sujeito à prescrição decenal (art. 205, do Código Civil).Embargos de divergência providos. (EREsp 1281594/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 23/05/2019).

Logo, quando a pretensão deriva de inadimplemento contratual, de regra, tem-se a prescrição decenal. Contudo, se presente regra específica sobre o caso, possível a discussão.

Ocorre que, em hipóteses de inadimplemento contratual decorrente da ausência de informação, como nos casos em que se debate, o vício de consentimento não pode ser tomado como característico de um fato de consumo, isto é, um defeito, haja vista que a parte sequer, conforma suas alegações, queria tal serviço.

Desta forma, porque não caracterizado um fato de consumo, é equivoca contar o prazo prescricional sob a ótica do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que prepondera a regra geral da Lei Civil.

Colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FATO DO PRODUTO...

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