Acórdão Nº 5054787-96.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-04-2023

Número do processo5054787-96.2021.8.24.0038
Data13 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5054787-96.2021.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: JANETE LAUER SALOMAO (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Janete Lauer Salomão e Banco Bmg S.A interpuseram recursos de apelação cível da sentença que, proferida pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora na "ação de perdas e danos com pedidos de declaração de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente e danos morais", nos seguintes termos (evento 20, autos do 1º grau):
I - JANETE LAUER SALOMAO propôs ação conhecimento submetida ao procedimento comum contra BANCO BMG S.A por meio da qual requer a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a repetição em dobro do montante descontado indevidamente; e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Para tanto, alegou que i) contratou um empréstimo consignado com a parte ré; ii) por meio do pacto, vem sofrendo descontos excessivos em seu benefício previdenciário, sob a denominação "reserva de margem consignável"; iii) referida cobrança está relacionada a suposto cartão de crédito; iv) não contratou a aquisição de cartão de crédito da parte ré, tampouco autorizou os descontos; v) a cobrança é ilícita e configura a prática de venda casada.
Recebida a petição inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça.
Na contestação, BANCO BMG S.A arguiu, em prejudicial de mérito, a prescrição e decadência e, em preliminar, a tese de inépcia da inicial. No mérito, alegou que i) a parte autora, diversamente do que alega, não firmou contrato de empréstimo consignado, mas sim "termo de adesão cartão de crédito consignado"; ii) ela estava ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais; iii) está comprovada a formalização do contrato de cartão, bem como a expressa autorização para a reserva de margem consignável de acordo com o limite de 5% estabelecido para beneficiários do regime geral de previdência; iv) por se tratar de um cartão consignado, o banco realiza o desconto mínimo em folha, cabendo ao cliente o pagamento do restante via fatura enviada para o seu endereço; v) o não pagamento do valor integral da fatura do cartão acarreta a incidência de encargos sobre o saldo devedor, conforme previsão contratual; vi) não praticou ato ilícito, sendo indevidos os pedidos de indenização por danos morais e de repetição do indébito. Requereu a rejeição do pedido com a inversão dos ônus sucumbenciais.
Ambas as partes juntaram documentos.
Houve réplica.
É o relatório.
[...]
III - Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados por JANETE LAUER SALOMAO contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a ilegalidade da reserva de margem consignável no benefício previdenciário da parte autora; ii) condeno o réu à restituição dos valores debitados do benefício previdenciário da parte autora, quantia essa que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, mediante compensação, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; iii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (01/10/2015, evento n. 1, EXTR12); iv) determino que o banco requerido se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.
Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da condenação, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se. Transitada em julgado e mantida esta sentença em eventual sede recursal, cumpram-se eventuais providências pendentes e arquivem-se os autos.
Irresignada, a autora, em seu apelo (evento 24, autos do 1º grau), pugna, em suma pela majoração da indenização a título de danos morais fixada em seu favor na origem, bem como a restituição dos valores na forma dobrada e a alteração da data de incidência dos juros de mora.
Por sua vez, a instituição financeira, em seu apelo (evento 30, autos do 1º grau), sustenta, preliminarmente, a ocorrência da prescrição e da decadência. No mérito, defende, em síntese, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito. Afirma que diante da regularidade da operação, é incabível a sua condenação ao pagamento de danos morais a parte adversa. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da sentença, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 33 e 37 dos autos do 1º grau.
Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.
Este é o relatório

VOTO


1. Exame de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise dos presentes recursos, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que os recursos devem ser conhecidos porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.
2. Fundamentação
2.1 Prescrição
Sustenta a instituição financeira a ocorrência da prescrição do direito da autora em requerer a restituição dos valores que entende teriam sido indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, pois o prazo prescricional aplicável à espécie seria de três anos, conforme dispõe o art. 206, § 3º, IV, do CPC, e, levando-se em conta que o contrato impugnado foi celebrado entre as partes no ano de 2015, a pretensão autoral estaria prescrita.
Entretanto, sem razão a instituição financeira.
No caso em tela, tratando-se de ação com pedido de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, o exercício da pretensão de direito material submete-se ao prazo ordinário de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil, nestes termos: "A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor."
Esta posição consoa com o atual entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça, que assim tem decidido:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO DECENAL. 1. Em se tratando de responsabilidade contratual, como sucede com os contratos bancários, salvo o caso de algum contrato específico em que haja previsão legal própria, especial, o prazo de prescrição aplicável à pretensão de revisão e de repetição de indébito será de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1769662/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 25-06-2019).
Pela teoria da actio nata, o direito à reparação surge quando lesado o direito do ofendido, de sorte que, no caso em exame, o termo inicial do cômputo do prazo prescricional dá-se na data da assinatura do contrato, pois, a partir de então nasce a pretensão referente ao contrato em si, que a autora alega ter pactuado sob outra modalidade, com cláusulas e encargos diversos.
No caso dos autos, constata-se que a contratação ocorreu em 27-10-2015 (evento 14, CONTR5. autos do 1º grau) e o ajuizamento da ação subjacente foi realizado em 24-11-2021. Logo, resta claro que não transcorreu o prazo decenal aplicável à hipótese em debate.
Desta forma, rejeita-se a prejudicial de mérito suscitada pelo banco.
2.2 Decadência
Neste ponto, sustenta o banco que a parte adversa decaiu em seu direito de vir a juízo suscitar a nulidade contratual e requerer a restituição de valores, uma vez que, ao caso em apreço, incide o prazo decadencial de 4 (quatro) anos.
Sem razão a instituição financeira neste ponto.
De acordo com o que afirma o banco recorrente, ao caso em apreço é aplicável a regra prevista no art. 178 do CC, o qual dispõe que: "Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.".
No entretanto, a tese aventada pela casa bancária é manifestamente incabível.
Isso porque, o pleito inicial formulado pela parte demandante consiste na declaração de nulidade de contratação decorrente de...

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