Acórdão Nº 5055217-30.2020.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 11-05-2021

Número do processo5055217-30.2020.8.24.0023
Data11 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5055217-30.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador ALTAMIRO DE OLIVEIRA


APELANTE: EDMUND KASPEROWICZ (AUTOR) APELADO: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Edmund Kasperowicz propôs ação rescisória prevista no artigo 19 da Lei n. 11.101/2005, na qual sustentou a ocorrência de erro essencial na classificação do crédito retratado na Cédula de Crédito Bancário n. 342.501.822 e objeto da Impugnação de Crédito n. 0005633-52.2016.8.24.0045. Asseverou que o próprio credor afirmou que ocorreu o vencimento antecipado da dívida em razão da não constituição das garantias contratadas, de modo que reconheceu expressamente que o crédito não estava garantido por cessão fiduciária no momento da emissão da cédula de crédito. Com base nisso, defendeu que o crédito deve se submeter aos efeitos da recuperação judicial e ser classificado como crédito quirografário, já que, consoante Enunciado n. 51 da I Jornada de Direito Comercial, o saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia é quirografário e sujeito à recuperação judicial. Destacou que se encontram preenchidos os requisitos previstos no art. 19 da Lei n. 11.101/2005, pois o credor induziu o juízo em erro essencial ao afirmar, na oportunidade do julgamento da impugnação, que o crédito estava garantido por cessão fiduciária, bem como a informação da ausência de constituição da garantia somente sobreveio aos autos da recuperação judicial posteriormente ao deslinde da impugnação. Por fim, requereu a concessão de tutela de urgência para que fosse obstado o encerramento da recuperação até o julgamento do seu pedido, bem como determinada a expedição ofício ao Juízo da Ação de Execução de Título Extrajudicial n. 0303595-57.2017.8.24.0045 para não seja realizado nenhum ato de constrição ou expropriação patrimonial.
Na sequência, sobreveio sentença que, por falta de interesse processual advindo da ausência de erro essencial necessário ao ajuizamento da demanda, julgou extinto o processo sem resolução de mérito, com base no inc. I do art. 485 do CPC (Evento 8).
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação no qual sustentou que, embora a confissão do Banco do Brasil S.A. de que as garantias fiduciárias não haviam sido constituídas tenha ocorrido em momento anterior ao julgamento da impugnação de crédito, o recorrente somente teve seu crédito incluído na relação de credores em momento posterior, na data de agosto de 2016. Acrescentou que não constituiu procurador nos autos à época e também não foi intimado a respeito de quaisquer dos atos praticados no processo, de modo que apenas obteve conhecimentos dos fatos no ano de 2020. Destacou, ainda, que não pode ser prejudicado pela omissão dos demais legitimados (recuperanda, administrador judicial e Ministério Público) que deveriam ter questionado a classificação do crédito, porém não o fizeram. Defendeu, novamente, a ocorrência de erro essencial a justificar a inclusão do crédito do banco apelado entre aqueles sujeitos à recuperação judicial, pois, ao contrário do afirmado pelo agente financeiro à época do julgamento da impugnação, a garantia fiduciária não foi devidamente constituída, sobretudo porque o débito garantido foi posteriormente objeto de cobrança em ação de execução na sua integralidade. Apontou, ainda, a ocorrência do cerceamento de defesa, pois a sentença julgou extinto o processo com fundamento no art. 485 do CPC, porém apreciou o mérito da demanda. Por fim, requereu a reforma da sentença extintiva para que seja determinado o regular prosseguimento do processo no juízo de origem.
Na sequência, o agente financeiro apelado apresentou contrarrazões ao recurso, nas quais asseverou que seu crédito não era novo ou desconhecido à época do julgamento e houve, em verdade, inércia do apelante em questionar a classificação do crédito no momento oportuno, de modo que não é possível a sua retificação por meio de ação rescisória. Ao final, requereu o desprovimento do recurso e a condenação do apelante ao pagamento de honorários recursais.
É o relato

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto com o desiderato de reformar a sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no inc. I do art. 485 do CPC.
Inicialmente, é oportuno destacar que não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de defesa em virtude de o juízo de origem ter extinto o processo sem resolução de mérito e, no entanto, ter examinado o mérito da demanda.
A rigor, o magistrado poderia ter se limitado ao exame da preliminar que fundamentou seu pronunciamento (ausência de interesse processual), todavia, em reforço argumentativo, apreciou também o mérito da demanda e analisou todos os argumentos deduzidos pelo autor.
Tal providência não constituiu prejuízo ao autor, ao contrário disso, a parte, mesmo sem ter (em tese) preenchido as condições da ação, teve seu pedido e causa de pedir examinados e não precisou suportar os efeitos da coisa julgada material (Vide arts. 486 e 502 do CPC).
À vista disso, rejeita-se a alegação de cerceamento de defesa, já que a providência adotada pelo juízo de origem até conferiu maior amplitude à ampla defesa ao apreciar todos os argumentos deduzidos pelo autor, incluindo os relativos ao mérito da demanda.
Examinada a questão, convém relembrar que, por meio de ação própria, os interessados podem pedir a exclusão, reclassificação ou retificação de qualquer crédito admitido, caso haja a descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou de documentos ignorados na época do julgamento do crédito, conforme previsão do artigo da 19 da Lei n. 11.101/2005. Veja-se:
Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.
§ 1º A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante o juízo da recuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6º , §§ 1º e 2º, desta Lei, perante o juízo que tenha originariamente reconhecido o crédito.
§ 2º Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do crédito questionado.
A respeito do tema, Marlon Tomazette esclarece que a ação prevista no art. 19 da Lei n. 11.101/2005 possui fundamentos limitados justamente com o escopo de proteger a segurança jurídica e evitar a perpetuação das discussões sobre os créditos submetidos à recuperação judicial, sobretudo após o encerramento do prazo para apresentação da impugnação (art. 8 da Lei n. 11.101/2005). Confira-se:
Além da inclusão de novos créditos, é possível também o ajuizamento de uma ação para a retificação do quadro geral de credores no que tange a existência, classificação ou valor do crédito ali constante. Tal ação também é denominada de ação revisional ou de ação rescisória, uma vez que ela visa revisar o quadro geral ou rescindir a decisão que permitiu que o crédito fosse incluído naquelas condições. A ideia aqui é muito similar à ideia da impugnação, porém mais restrita e com possibilidade de ajuizamento apenas após a homologação do quadro geral de credores.
[...]
Qualquer um dos legitimados poderá promover ação de retificação com o objetivo de excluir ou alterar o valor ou a classificação de um crédito já constante do quadro-geral de credores. Para atingir tal mister, contudo, não basta apontar algum equívoco no quadro, sendo essencial provar um fato excepcional - falsidade, fraude, dolo, simulação, erro essencial ou documentos ignorados à época -, denotando uma certa semelhança com a ação rescisória. A limitação dos fundamentos para a retificação visa a proteger a segurança jurídica, evitando discussões intermináveis sobre os créditos submetidos ao processo.
[...]
Também é fundamento para a retificação o erro essencial, entendido como a falsa noção da realidade que influencia a formação da vontade, sendo essencial por ter influência determinante sobre a formação do negócio jurídico, isto é, sem ele o negócio jurídico não se formaria. Em outras palavras, o erro consiste "numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou direitos que foi determinante na decisão de efectuar o negócio".
[...]
Por derradeiro, também é fundamento para a retificação a existência de novos documentos ignorados à época da inclusão do crédito. Busca-se mais uma vez fazer prevalecer a realidade dos fatos relativos aos credores. Documentos que já existiam à época da verificação, mas que só sejam trazidos posteriormente a conhecimento, devem ensejar adequações no quadro de credores, para que ele possa refletir da melhor maneira a possível realidade (Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. v3, grifou-se).
No mesmo sentido Marcelo Barbosa Sacramone destaca que, por constituir exceção ao trânsito em julgado, a possibilidade de ação rescisória deve ser interpretada de modo taxativo:
A possibilidade de ação rescisória deverá ser interpretada de modo taxativo, pois exceção legal ao trânsito em julgado da sentença de mérito que determinou a inclusão ou da decisão de homologação do quadro-geral de credores. Seu objeto versará...

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