Acórdão Nº 5055612-23.2022.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 27-10-2022

Número do processo5055612-23.2022.8.24.0000
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5055612-23.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: FLAVIO LUÍS ALGARVE (Impetrante do H.C) PACIENTE/IMPETRANTE: RAFAEL CARBONE (Paciente do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo advogado Flavio Luís Algarve, em favor de Rafael Carbone, afirmando estar ele(a) sofrendo constrangimento ilegal em virtude de ato supostamente ilegal praticado pelo Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca de Florianópolis nos autos da Ação Penal n. 5063829-83.2022.8.24.0023.

Em síntese, busca o impetrante através do presente remédio constitucional a cisão dos autos com relação ao paciente e a revogação de sua custódia preventiva.

Para tanto, alega que "a situação fática ainda não mudou e o processo continua em marcha lenta, sem que sequer tenha sido iniciada a instrução processual", além disso, afirma que "vários réus se tornarão revéis, muitos advogados irão atuar no processo, que evidentemente não terão interesse em agilizar o feito, pois seus constituídos ganharão liberdade e nessa condição responderão aos termos da ação penal".

Aduz, ainda, que o "paciente apresente quadro de CID 10: F19.9 (Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas - transtorno mental ou comportamental não especificado)", possui mais de 40 anos de idade e "sempre foi usuário/viciado" em substâncias entorpecentes, necessitando de tratamento médico que não pode ser concedido no interior do Ergástulo.

Ressalva que o paciente é primário, "não tem vínculo com nenhum dos demais acusados, a quem sequer conhece, com exceção daquele familiar e com seu filho Caetano, indicando que sua soltura não vai causar qualquer tipo de abalo a ordem pública".

Nesses termos, justifica estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, motivo pelo qual requerer a concessão da ordem em liminar (evento 1).

Indeferida a liminar (evento 7) e prestadas as informações pela autoridade coatora (evento 9), os autos ascenderam a Douta Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo parcial conhecimento e, na extensão a ser conhecida, pela denegação da ordem (ev. 12).

É o breve relatório.

VOTO

De início, registro que o habeas corpus é remédio constitucional que visa tutelar a liberdade corpórea do indivíduo, o seu direito de locomoção. Não é ele, pois, instrumento adequado para se discutir as provas ou a inocência do paciente, cingindo sua análise tão somente à ilegalidade ou não de ato constritivo de liberdade de locomoção.

Nesse passo, destaca Paulo Rangel:

A discussão sobre os elementos de prova ou sobre a inocência do réu é matéria a ser discutida no curso do processo, perante o juiz de primeiro grau, e não na ação de habeas corpus, sob pena de haver supressão de instância (Paulo Rangel. Direito Processual Penal. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1.080).

A propósito, "no procedimento do habeas corpus não se permite a produção de provas, pois essa ação constitucional deve ter por objeto sanar ilegalidade verificada de plano, por isso não é possível aferir a materialidade e a autoria delitiva". (RHC 101.367/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 26/11/2018).

Na hipótese, as teses de que o paciente não possui envolvimento com organização criminosa e com o tráfico de drogas equivalem a negativa de autoria, discussão essa que é inviável através do presente mandamus, de rito célere e cognição sumária, tendo em vista que deve haver análise exaustiva de provas, cujo trabalho é pertinente ao magistrado a quo, que julgará o mérito da ação penal.

Para corroborar, vide precedente do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. NEGATIVA DE AUTORIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA AÇÃO DELITUOSA. PERICULOSIDADE SOCIAL. 1. Na via do habeas corpus, não há como se discutir a negativa de autoria e a ausência de provas, pois demandariam o reexame aprofundado do conjunto fático-probatório que compõe o processo principal. O envolvimento ou não do agente no delito que lhe é imputado é matéria cuja análise é reservada à ação penal, bastando, para justificar a prisão cautelar, haver indícios de autoria, o que, in casu, aconteceu, como detalhadamente demonstrado pelo Magistrado de primeiro grau.[...] 4. Ordem de habeas corpus denegada. (HC n. 715.127/CE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 15/3/2022 - grifado)

Esta corte não destoa:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OITIVA DO PACIENTE NA FASE EXTRAJUDICIAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO JUÍZO SINGULAR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA DE MÁCULA. EVENTUAIS IRREGULARIDADES EXTRAJUDICIAIS QUE NÃO CONTAMINAM A AÇÃO PENAL OU O DECRETO CONSTRITIVO. PACIENTE QUE PODERÁ SER OUVIDO EM INTERROGATÓRIO JUDICIAL, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. [...] NEGATIVA DE AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. ESTREITA VIA DE COGNIÇÃO DO HABEAS CORPUS QUE NÃO PERMITE A DISCUSSÃO APROFUNDADA DO MÉRITO DA PROVA. O Habeas Corpus é um remédio constitucional de natureza excepcionalíssima que serve estritamente para aferir a legalidade do comando que privar ou ameaçar privar a liberdade de locomoção do indivíduo, não sendo possível a análise exaustiva das provas e das peculiaridades do caso concreto. Assim, a negativa de autoria deve ser objeto de análise no curso da ação penal, não sendo passível de conhecimento neste remédio constitucional. [...] (TJSC, Habeas Corpus Criminal n. 5042163-32.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 19-08-2021).

Ademais, no tocante ao pedido de revogação da custódia preventiva do paciente face a necessidade de se realizar tratamento para a condição de dependência química ou, alternativamente, a internação deste, entendo que não pode ser conhecido. Isso porque, embora o impetrante tenha pleiteado o tratamento médico na origem (eventos 821 e 1119 dos autos n. 5063829-83.2022.8.24.0023), tal pedido sequer foi apreciado pelo juízo a quo, sendo, assim, incabível a discussão da matéria no presente writ.

Entretanto, embora a celeuma não possa ser enfrentada diante de indevida supressão de instância, já que não há qualquer decisão de mérito a ser pormenorizada neste momento, entendo que deve ser estabelecido um prazo para o Juízo a quo proceder sua imediata apreciação.

Para corroborar:

HABEAS CORPUS (CRIMINAL). CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA E INDEFERIMENTO DE SUA REVOGAÇÃO. (...) NECESSIDADE DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO PENDENTE DE ANÁLISE NO PRIMEIRO GRAU. APRECIAÇÃO DO PEDIDO A CONFIGURAR SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPETRAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA. ORDEM DENEGADA. (TJSC, Habeas Corpus Criminal n. 5065531-70.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Leopoldo Augusto Brüggemann, Terceira Câmara Criminal, j. 18-01-2022).

Além do mais, quanto à alegada demora para o início da instrução processual e o pedido de cisão, a autoridade coautora já esclareceu que "o feito encontra-se concluso para a cisão processual, a fim de designar o início da instrução para os acusados que já apresentaram a resposta á acusação" (evento 1533 dos autos n. 5055612-23.2022.8.24.0000), sendo, assim, não verifico constrangimento ilegal, sobretudo diante da ausência de desídia do juízo de origem na condução do processo, ante sua complexidade.

No que tange aos requisitos do decreto preventivo, necessária a contextualização dos autos de origem:

Infere-se do presente remédio constitucional e também dos autos n. 5072865-86.2021.8.24.0023 que, em decisão associada ao evento 23, o Juízo a quo, Dr. Elleston Lissandro Canali, entre outras medidas, decretou a prisão temporária do paciente e de outros 59 (cinquenta e nove) investigados, pelo prazo de 30 (trinta) dias.

Posteriormente, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia em face do paciente, lhe atribuindo a prática dos crimes tipificados no art. 2º, §§ 2º e 4º, incs. I e IV, da Lei n. 12.850/13 e nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos c/c art. 40, incs. IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06, na forma do art. 69 do Código Penal, bem como representou pela decretação de sua prisão preventiva (evento 1). O Juízo a quo acolheu o pleito sob a seguinte fundamentação (evento 17 - autos n. 5063829-83.2022.8.24.0023):

(...)

22. Trato, neste ponto, da representação pela decretação da prisão preventiva dos acusados Gabriel Schroeder, Suellen Cristina da Silva, Wesley Magalhães, Michael Magalhães, Vanessa Valsalete Matias, Deivid Buchele dos Santos, Valter Paulo Magalhães, Ederson Euclides dos Santos, Gabrielle Francine da Silva, João Carlos Gomes Daniel, Daniela Conceição Gonçalves, Maria da Silva Pires Sabino Moreira, Fábio da Silva Moreira, Camila Aparecida Oliveira Doarte, Fabrício Couto dos Santos, Andriele de Jesus, Rendrius Pinheiro de Jesus, Caetano Demski Carbone, João Vítor dos Santos Satti Valério, Luiz Eduardo Schneider Barbosa, Carlos Henrique Rodrigues Lopes, Darlise Contreira Rodrigues, Kimberly Pinto Gonzaga, Guilherme Silveira da Fontoura, Bianca Gonçalves dos Santos de Souza, Bruna Daiane Domingos Santos, Gabrielle Muller Gonçalves, Nathália Moraes Ávila Marques, Nilva Gomes Moraes, Amanda Luísa da Silva, Taywan Nunes da Silva, Jonathan Volaco, Adriano Balthazar dos Santos, Cristhyan Andrey da Silva, Júlio César Santos Moraes, Júlio Marcos da Silva, Júlio David dos Passos Machado, Edimar Belmiro, Victor Coutinho Medeiros...

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