Acórdão Nº 5055753-59.2021.8.24.0038 do Quarta Câmara Criminal, 24-11-2022

Número do processo5055753-59.2021.8.24.0038
Data24 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5055753-59.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

RECORRENTE: MATHEUS LIMA SILVA (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Matheus Lima Silva, imputando-lhe a prática da conduta descrita no art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, por duas vezes, na forma do art. 71 do Estatuto Repressivo, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória (Evento 1 - DENUNCIA1):

No dia 7 de novembro de 2021, por volta das 4 horas, na Rua José Elias Giuliari, n. 255, Bairro Boa Vista, Joinville, na saída de uma festa, o denunciado MATHEUS LIMA SILVA, impelido de manifesto animus necandi, desferiu um golpe de arma branca na região lombar da vítima Cledison Cortes dos Santos, causando-lhe a lesão descrita no Laudo Pericial de Exame de Corpo de Delito n. 2021.01.10137.21.002-441 , e outro golpe no flanco esquerdo da vítima Luis Fernando Mendes Dias, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial de Exame de Corpo de Delito n. 2021.01.10137.21.001-722.

O crime de homicídio somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, uma vez que a companheira de MATHEUS, Jheimy de Souza Pereira interveio, impedindo que ele desferisse novos golpes contra os ofendidos. Após, os ofendidos receberam atendimento pré-hospitalar, sendo, na sequência, conduzidos ao hospital.

O motivo do crime foi fútil, decorrente do fato de o denunciado MATHEUS LIMA SILVA decidiu matar as as vítimas Cledison Cortes dos Santos e Luis Fernando Mendes Dias apenas porque eles estavam conversando e bebendo em companhia da companheira do denunciado, Jheimy de Souza Pereira.

Por fim, o crime foi cometido durante período de calamidade pública (pandemia do Covid-19), instituído pelo Decreto Legislativo 6 do Congresso Nacional e por Decretos Estaduais do Governo de Santa Catarina.

A denúncia foi recebida em 2 de dezembro de 2021 (Evento 6 - DESPADEC1).

Encerrado o sumário da culpa, o togado singular acolheu a denúncia e pronunciou Matheus Lima Silva como incurso na sanção do art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, por duas vezes, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (Evento 95 - SENT1).

Inconformado, Matheus recorreu de próprio punho (Evento 112 - CERT1) e por defensora dativa, em cujas razões pretende a impronúncia, ante a ausência de provas de que tenha participado da empreitada delituosa, especialmente porque "não consta dos autos nenhuma testemunha presencial e sim, declarações das vítimas, as quais não apontam de forma segura e convincente a autoria do crime e até mesmo a motivação do crime" (p. 3). Subsidiariamente, almeja a desclassificação do crime para lesões corporais leve (Evento 114 - RAZRECUR1),

Com as contrarrazões (Evento 122 - PROMOÇÃO1) e o despacho de manutenção da decisão atacada (Evento 124 - DESPADEC1) os autos ascenderam a esta Corte, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, opinou pela conversão do julgamento em diligência a fim de que as vítimas fossem comunicadas acerca da decisão de pronúncia, de acordo com o § 2º do art. 201 do Código de Processo Penal (Evento 11 - PROMOÇÃO1).

Cumprida a diligência, os autos retornaram à douta Procuradoria-Geral de Justiça, manifestando-se o douto Parecerista, pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 22 - PROMOÇÃO1).

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido e, inexistindo preliminares a serem debatidas, nem mesmo de ofício, passa-se à análise do mérito.

1 Reforma da decisão com a impronúncia

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Matheus Lima Silva contra a decisão que admitiu a denúncia e o pronunciou pelo cometimento do crime previsto no art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, por duas vezes.

De início, verifica-se que o apelante postula a impronúncia, alegando a ausência de provas de que tenha participado da empreitada delituosa, especialmente porque "não consta dos autos nenhuma testemunha presencial e sim, declarações das vítimas, as quais não apontam de forma segura e convincente a autoria do crime e até mesmo a motivação do crime" (p. 3 - Evento 114 - RAZRECUR1).

Em que pese a argumentação expendida pela defesa, a irresignação não merece prosperar, adiante-se.

Convém, desde logo, transcrever o disposto no § 1º e no caput, do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Como se sabe, a pronúncia representa mero juízo de admissibilidade da acusação quando formada convicção sobre a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, relegando a análise valorativa e aprofundada dos elementos de prova ao Tribunal do Juri - soberano por vontade constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, "d", da Constituição da República).

Nesse sentido é o escólio extraído da doutrina de Heráclito Antônio Mossin:

Para que o juiz pronuncie o acusado, basta que se convença da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria, ou da participação.

Um dos requisitos legais para que o juiz pronuncie o imputado é a constatação da materialidade do crime. Isso implica afirmar que a prova dos autos deve demonstrar o corpus delicti, que se eleva à categoria de prova ou de convicção quanto à existência do crime. [...]

Outro permissivo processual que permite ao magistrado determinar que o imputado seja submetido a julgamento pelo colegiado popular diz respeito aos indícios da autoria.

Como se observa, não há necessidade para efeito da pronúncia, que se tenha certeza da autoria, basta que haja pegadas, vestígios, que haja, enfim, a possibilidade ou probabilidade de a pessoa apontada ser a autora do crime doloso contra a vida, o que se constata do cotejo analítico das provas arrostadas aos autos por ocasião da instrução própria.

Conforme magistério provindo de Bento de Faria, por "indício se entenda toda e qualquer circunstância que tenha conexão com o fato mais ou menos incerto, de que se procura a prova; se ele pode resultar de um processo lógico de raciocínio, e que resultar evidenciado por esse processo, ainda que remoto, sendo suscetível de constituir motivo de suspeita, autoriza a pronúncia" (Júri: crimes e processo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 271 sem destaque no texto original).

Em síntese, "se o juiz sumariamente estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência" (LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7 ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1402).

Vale dizer, "é a pronúncia reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria, não representando juízo de procedência da culpa" (AgInt no REsp 1744688/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. em 18-9-2018, DJe 25-9-2018).

Partindo-se dessas premissas, e examinando detidamente os elementos informativos colhidos na fase extrajudicial e a prova produzida sob o crivo do contraditório, verifica-se do caso concreto que a materialidade do fato ficou comprovada por meio da recognição visuográfica (pp. 3-12), do boletim de ocorrência (pp. 13-15) e dos laudos periciais (pp. 33-36), todos do Evento 3 - REL_FINAL_IPL9, dos autos n. 5051958-45.2021.8.24.0038), além da prova oral amealhada aos autos.

De igual sorte, identifica-se a existência de indícios suficientes de autoria, imputando-se, em princípio, ao recorrente a prática de dois homicídios qualificados tentados contra as vítimas Cledilson Cortes dos Santos e Luis Fernando Mendes Dias.

A esse respeito, urge destacar que os argumentos e a conclusão a que chegou a Magistrada singular na decisão recorrida estão de acordo com os elementos informativos, com a prova produzida e com o entendimento doutrinário e jurisprudencial aplicável à espécie, de maneira tal que, para evitar repetições desnecessárias e prestigiar a bem fundamentada decisão a quo, adota-se excerto da fundamentação como razão de decidir, transcrevendo-os abaixo (Evento 95 - SENT1):

Com efeito, a vítima Luis Fernando Mendes Dias declarou que estava em uma festa na companhia de seu amigo Cledilson Cortes dos Santos, local em que o réu, motivado por ciúmes de sua namorada Jheimy de Souza Pereira, golpeou ambos com uma espécie de canivete:

00:01:03 Promotor de Justiça

Tudo bem. Eu sou o promotor de justiça e vou fazer umas perguntas para o senhor. Eu gostaria que o senhor começasse nos relatando o que aconteceu naquele dia, onde o senhor estava, o que aconteceu...

00:01:14 Luiz Fernando Mendes Dias

Eu não lembro bem o endereço de lá agora, porém era uma festa, era um pagode aí. Estava eu o Cledilson que vocês colocaram ali, certo. Ele morava comigo. A gente estava no pagode bebendo e se divertindo. Esse outro rapaz, que estava na câmera, eu acho que é Mateus o nome dele, ele estava lá numa mesa ao nosso lado. A gente começou a conversar e esse Mateus estava com a...

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