Acórdão Nº 5056764-26.2021.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 04-08-2022

Número do processo5056764-26.2021.8.24.0038
Data04 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5056764-26.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: NANCI APARECIDA MONTES PEREIRA (ACUSADO) APELANTE: FERNANDO PEREIRA JUNIOR (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de FERNANDO PEREIRA JÚNIOR e NANCI APARECIDA MONTES PEREIRA, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, por 6 (seis) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (doc. 2 da ação penal):

Os denunciados, na condição de sócios-administradores de 'SPECTROCHEM INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ADITIVOS LTDA.', CNPJ n. 07.067.469/0001-97 e Inscrição Estadual n. 25.486.931-9, estabelecida na Rua Dona Francisca, n. 8300, Bloco 1, Módulo D, Perini Business Park, Distrito Industrial, em Joinville, deixaram de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 33.158,72 (trinta e três mil cento e cinquenta e oito reais e setenta e dois centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de janeiro, março, maio, outubro, novembro e dezembro de 2019, documentos geradores da Dívida Ativa n. 200002211095, inscrita em 07/05/2020.

Em 2-12-2021, a denúncia foi recebida (doc. 4 da ação penal).

O Ministério Público deixou de propor a suspensão condicional do processo (doc. 12 da ação penal).

Defesa apresentada (doc. 19 da ação penal).

Durante a instrução, foram inquiridas duas testemunhas, bem como realizados os interrogatórios (doc. 33 da ação penal).

Após as alegações finais (docs. 35 e 38 da ação penal), sobreveio sentença cuja parte dispositiva segue parcialmente transcrita (doc. 40 da ação penal):

Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para:

a) condenar Fernando Pereira Junior ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 9 (nove) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por 6 vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

b) condenar Nanci Aparecida Montes Pereira ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 9 (nove) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por 6 vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

Custas pelos acusados (CPP, art. 804).

Substituo as penas por restritivas de direito, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca).

[...].

Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus interpuseram recurso de apelação.

Preliminarmente, sustentaram a incompetência do Juízo a quo, uma vez que o delito imputado é considerado de menor potencial ofensivo, de sorte que seria competente o Juizado Especial Criminal. Assim, requereram o reconhecimento da nulidade da sentença proferida e o encaminhamento dos autos ao Juizado Especial Criminal da comarca de Joinville.

No mais, pediram a suspensão do processo em razão do parcelamento da dívida: "[...] conforme devidamente comprovado nos autos, a empresa SPECTROCHEM parcelou a dívida objeto desta denúncia, sendo que inclusive a empresa encontra-se com todos os seus débitos parcelados perante o Estado de Santa Catarina, possuindo certidão positiva com efeitos de negativa!!". Dessa maneira, requereram a suspensão do processo até o pagamento integral do parcelamento da dívida em questão.

Também, alegaram a inépcia da denúncia em razão da acusação genérica, ante o não preenchimento do art. 41 do Código Penal: "[...] o que se notou no caso concreto, é que a denúncia da apresenta ação penal não segue os requisitos determinados em lei, vez que a inicial não descreveu de que forma os ora Apelantes concorreram para a realização do crime, sendo que sua indicação foi baseada apenas nos mesmos serem sócios da empresa. [...] Nos chamados crimes societários, imprescindível que a denúncia descreva, pelo menos, o modo como o Acusado concorreu para o crime. A invocação da condição de sócio, gerente, ou administrador sem a descrição de condutas específicas, não basta para viabilizar a peça acusatória, por impedir o pleno direito de defesa".

No mérito, alegaram a falta de materialidade do delito, isso porque restou evidenciado que "[...] não utilizaram de nenhum meio fraudulento para deixar de recolher imposto, vez que a empresa SPECTROCHEM declarou de forma correta o valor devido pela empresa, porém não realizou o pagamento, ocorrendo, apenas e tão somente inadimplemento da obrigação. [...] Assim, a materialidade, no caso em tela, não foi comprovada, vez que as apelantes estão sendo acusadas de um crime impossível, pois não há apropriação indébita de ICMS".

Como também, arguiram a inexistência de prova acerca do dolo, haja vista que não demonstrada a "[...] intenção específica ou vontade deliberada de pretender algum benefício com o não pagamento do tributo [...]". Ainda, pontuaram que "o comerciante que não paga ICMS próprio não se apropria de nada. [...] Ficou, sim, demonstrada a culpa do contribuinte, em ter escolhido pagar os fornecedores e seus funcionários durante uma crise financeira causada pela crise da Petrobrás e não o dolo". Nessa toada, também alegaram não ter restado provada a contumácia do não pagamento de tributos, nos termos de precedentes do STF (HC n. 163.334) e do STJ (HC n. 399.109) - até porque "atualmente a empresa SPECTROCHEM possui certidão positiva com efeitos de negativa".

De mais a mais, asseveraram a inconstitucionalidade, bem como a atipicidade do delito imputado: "Ora, não agindo a empresa SPECTROCHEM como substituto tributário, mas simplesmente deixando de recolher tributo próprio declarado, não incide o Acusado no art. 2º, inciso II da Lei 8.137/90, pois trata-se de mera dívida fiscal inadimplida, devendo ser absolvida pela atipicidade das condutas. [...] ao se referir ao tributo "descontado ou cobrado", o tipo penal está a aludir aos casos de responsabilidade tributária - e não aos impostos indiretos, em que o custo é repassado, apenas do ponto de vista econômico, a terceiros".

Ao final, pugnou pelo prequestionamento da matéria e de dispositivos - art. 5º XLV, da Constituição Federal, art. 1º, caput, da Lei n. 8.137/1990 e art. 41 do Código Penal (doc. 41 da ação penal).

O Ministério Público apresentou contrarrazões e pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (doc. 44 da ação penal).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Humberto Francisco Scharf Vieira, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (doc. 3 da apelação criminal).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2365421v22 e do código CRC 8c116701.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 5/7/2022, às 14:43:0





Apelação Criminal Nº 5056764-26.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: NANCI APARECIDA MONTES PEREIRA (ACUSADO) APELANTE: FERNANDO PEREIRA JUNIOR (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

1. Preliminares

- Incompetência do Juízo

Os réus sustentaram a incompetência do Juízo a quo, uma vez que o delito imputado é considerado de menor potencial ofensivo, de sorte que seria competente o Juizado Especial Criminal. Assim, requereram o reconhecimento da nulidade da sentença proferida e o encaminhamento dos autos ao Juizado Especial Criminal da comarca de Joinville.

A tese não prospera.

É a previsão do art. 61 da Lei n. 9.009/1995: "Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa".

In casu, a pena máxima cominada ao crime imputado na denúncia é de 2 (dois) anos (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990).

Todavia, levando em conta a reiteração das condutas por 6 (seis) vezes, consoante descrito na presente peça acusatória, vislumbra-se que não há falar em competência do Juizado Especial - ainda que, quando da prolação da sentença, tenha sido imposta pena de 9 (nove) meses de detenção aos acusados. O que se considera, nessa questão, é a pena máxima abstrata cominada pela Lei, bem como o somatório das condutas em razão da continuidade delitiva.

Nesse sentido, consignou o Magistrado de primeiro grau, "[...] conquanto a pena do delito em questão esteja dentro do limite imposto pelo artigo 61 da Lei nº 9.099/1995, é assente que, se o somatório das condutas - em virtude da continuidade delitiva - exasperar a pena máxima cominada ao delito, ficará afastada a competência do Juizado Especial Criminal (STJ, RHC ns. 102.381/BA e 27068/SP)" (doc. 20 da ação penal).

Na mesma toada:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO...

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