Acórdão Nº 5058057-13.2020.8.24.0023 do Câmara de Recursos Delegados, 27-07-2022

Número do processo5058057-13.2020.8.24.0023
Data27 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação / Remessa Necessária Nº 5058057-13.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA

AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) AGRAVADO: ANGELA FERNANDES DE SOUZA (AUTOR)

ADVOGADO: MARLON AMARO CARDOSO AGRAVADO: MATHEUS FERNANDES DE SOUZA GONCALVES (AUTOR)

ADVOGADO: MARLON AMARO CARDOSO MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Estado de Santa Catarina interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, "a", do Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso extraordinário por considerar que o "decisum" objurgado está em consonância com a posição firmada no bojo de recurso representativo da controvérsia - RE n. 855.178/SE, rel. p/ acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 05-03-2015 - Tema 793/STF (Evento 38).

Em suas razões recursais, sustentou o agravante: (i) que, na espécie, há dissonância entre o acórdão proferido pelo órgão julgador originário e o entendimento cristalizado no aresto paradigma (RE 855.178/SE - Tema 793/STF); (ii) que, "tanto a intelecção do julgamento resultante do tema 793, quanto os diversos pronunciamentos posteriores do STF a respeito, demonstram a obrigatoriedade da presença da União nas demandas de saúde em que a legislação sanitária atribui alguma competência à direção nacional do SUS"; (iii) que lhe imputar uma atribuição que pertence ao ente federal contribui para o descontrole da administração pública e em desacordo com a legislação sanitária, e viola os artigos 23, inciso II, 109, inciso I, 196, 197, e 198, inciso I, da Constituição Federal; (iv) que, "no que tange à aplicação da Súmula 150 do STJ, esse entendimento deve ser atualizado e mitigado em face do julgamento do Tema 793 do STF". Ao final, requereu o provimento do reclamo, com a posterior remessa do apelo extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (Evento 48).

No bojo das contrarrazões, a parte agravada manifestou-se pela manutenção do julgado sob impugnação, visto que alinhado à orientação firmada pela Corte Suprema no Tema 793 de repercussão geral (Evento 55).

Ato contínuo, os autos vieram conclusos.

É a síntese do essencial.

VOTO

O recurso é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Superado esse introito, procedo à análise das razões declinadas na presente insurgência recursal

Em apertada síntese, sustenta o agravante que, ao contrário do que constou no "decisum" recorrido, o acórdão objeto de recurso extraordinário deixou de aplicar a tese cristalizada no RE n. 855.178/SE - Tema 793/STF, na medida em que entendeu que a presença da União no processo seria facultativa.

Nessa toada, infere que, quando o órgão julgador originário permitiu a tramitação da demanda contra o ente público estadual sobre assuntos de competência da direção nacional do SUS, sem a presença da União, acabou por violar os contornos jurídicos dos art. 196 e 197 da Constituição Federal.

Em que pese o esforço argumentativo, a tese articulada pela parte agravante não merece prosperar.

No julgamento dos embargos de declaração opostos no recurso-piloto acoimado (RE n. 855.178/SE ED - Tema 793/STF), o Supremo Tribunal Federal sedimentou o seguinte entendimento: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro".

Noutra dicção, a teor do aludido precedente obrigatório, é possível afirmar que há solidariedade obrigacional entre os entes federativos em questões relacionadas às ações e aos serviços de saúde, sendo permitido ao paciente escolher quem irá compor o polo passivo da demanda, isolada ou conjuntamente. No entanto, impõe-se à autoridade judicial a verificação, conforme as normas de organização e funcionamento do SUS, do ente responsável pelo custeio da obrigação e a adoção das medidas processuais pertinentes caso este não componha o polo passivo.

O aresto utilizado como referência (RE n. 855.178/SE - Tema 793/STF) guarda a seguinte orientação:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.4. Embargos de declaração desprovidos (STF, RE 855178 ED, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 23-05-2019).

No que concerne à tese de solidariedade dos entes públicos, destaca-se que o paradigma fixou seis premissas:

(i) a obrigação solidária de prestar o serviço de saúde decorre da competência material comum contemplada no art. 23, II, c/c os arts. 196 e ss. da Constituição Federal;(ii) por força da solidariedade obrigacional, a parte autora poderá propor a demanda contra quaisquer dos entes da Federação, isolada ou conjuntamente. No entanto, cada ente tem o dever de responder pelas prestações específicas que lhe impõem as normas de organização e funcionamento do SUS, as quais serão observadas pelo órgão judicial em suas consequências de composição do polo passivo e eventual deslocamento de competência;(iii) ainda que as normas de regência (Lei n. 8.080/1990 e Decreto n. 7.508/2011) imputem a determinado ente a responsabilidade principal (financiamento e aquisição), é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;(iv) se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo órgão judicial, ainda que isso signifique deslocamento de competência;(v) se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, materiais ou medicamentos não incluídos nas políticas públicas, a União comporá necessariamente o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou alteração de protocolo clínico ou diretriz terapêutica. De modo que recai sobre ela [União] o dever de indicar o motivo ou as razões da não padronização, e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão;(vi) a dispensação judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe a ausência ou ineficácia da prestação administrativa, e comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no art. 28 do Decreto Federal n. 7.508/20.

Da leitura do trecho em destaque, denota-se que, ainda que a responsabilidade pela prestação de serviços e fornecimento de medicamentos seja solidária entre os entes federados e, a priori, o ordenamento jurídico possibilite o ajuizamento de ações em desfavor de qualquer um deles, é cediço que existem critérios a serem observados para o regular funcionamento da saúde pública.

Pois bem.

Na espécie, o órgão julgador originário negou provimento ao recurso do...

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