Acórdão Nº 5058233-27.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Civil, 10-03-2022

Número do processo5058233-27.2021.8.24.0000
Data10 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5058233-27.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

AGRAVANTE: MICHELLY BITTENCOURT BRAND DO AMARAL ADVOGADO: MICHELLE FEUSER (OAB SC021673) AGRAVADO: SPE - DELTAVILLE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA ADVOGADO: MARCO TULIO MACHADO (OAB PR025299)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MICHELLY BITTENCOURT BRAND DO AMARAL, contra decisão prolatada pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Biguaçu, que nos autos da "Ação de Revisão Contratual" n. 50026070220218240007, ajuizada contra SPE - DELTAVILLE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, revogou a tutela de urgência anteriormente deferida, nos seguintes termos (evento 47, E1):

"Avoco os autos para revogar o despacho do evento 44, tendo em vista que o citado contrato já foi apresentado em contestação (evento 23, anexo 10).

Com efeito, no referido ajuste é possível observar que o imóvel objeto da lide foi vendido pela ré ao terceiro PHELLIPE LOPES SILVA DO NASCIMENTO, o qual assinou o contrato em 11/06/2021.

A comercialização do bem pela requerida, aliás, se deu em razão da inadimplência da ré, que deixou de quitar as parcelas desde novembro de 2020, fato este incontroverso nos autos. O pagamento só foi retomado com o deferimento da tutela de urgência nestes autos, quando a requerente passou a depositar em juízo os valores que entendia devidos.

O fato é que independentemente da existência de abusividade no valor das parcelas, a requerente deixou de adimpli-las sem determinação judicial, sequer fazendo o pagamento da parte incontroversa dos valores.

Ora, o contrato entabulado entre as partes é claro ao dispor, no seu item "V.1", que a inadimplência da compradora poderia ensejar a resolução contratual, senão vejamos (evento 1, anexo 22):

V - INADIMPLEMENTO E RESCISÃO

V.1 - O não pagamento de qualquer prestação em até 90 dias da data de seu vencimento ou o não cumprimento de qualquer outra obrigação contratual, ou ainda se o COMPRADOR abrir concurso creditório implicará, a critério da VENDEDORA:

1. a) como condição resolutiva, a rescisão automática de pleno de direito do presente contrato, ou;

2. b) no vencimento antecipado das parcelas vincendas do preço.

V.2 - Optando a VENDEDORA pela hipótese prevista na letra "a" do item supra, após o COMPRADOR ser notificado judicialmente ou extrajudicialmente através do Cartório de Títulos e Documentos, e/ou via correio por AR - Aviso de Recebimento, ou, ainda, por edital (quando não for encontrado) não purgue a mora no prazo de até 30 (trinta) dias, na forma do § único, do art. 1º, da Lei n. 745/1969, operar-se-á rescisão automática, fazendo jus o COMPRADOR à restituição das quantias que houver pago diretamente à VENDEDORA, atualizadas com base no índice do IGP-M, implicando na perda em favor da VENDEDORA, em percentual de 25% (vinte e cinco por cento) do valor pago, ou, estando a unidade objeto submetida ao regime do patrimônio de afetação (averbado na respectiva matrícula do empreendimento), o percentual corresponderá em 50% (cinquenta por cento) do valor pago, a título de pena convencional (multa rescisória), conforme dispõe o inciso II e § 5º, ambos do artigo 67-A, da Lei 4.591/1964, respectivamente, além do pagamento de honorários do advogado, conforme previsto no artigo 395 do Código Civil, correspondente 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do contrato, e ainda, o ressarcimento da VENDEDORA das despesas realizadas com pagamento de impostos (IR, PIS, Cofins, CSLL) fixadas desde já em 4% (quatro por cento) dos valores pagos, devidamente atualizados. [...].

Veja-se que a notificação extrajudicial da demandante foi encaminhada e recebida no endereço informado no contrato, ao que tudo indica pelo porteiro do condomínio à época, Sr. MARCUS MULLER. Aliás, cabia à requerente apresentar declaração da administração do seu condomínio a fim de derruir a legitimidade da notificação, contudo estranhamente não o fez.

Assim, sendo válida a notificação extrajudicial e não tendo a autora quitado o débito no prazo de 30 (trinta) dias, operou-se, de forma automática, a rescisão do contrato entabulado entre as partes, a partir de quando a requerida já poderia alienar o bem a terceiros, como inclusive o fez.

Consigna-se que a resolução do contrato se deu 12/05/2021 (trinta dias após a notificação judicial), ou seja, antes mesmo da citação do réu no processo, que perfectibilizou-se em 14/06/2021 (evento 14).

Outrossim, o simples ajuizamento da demanda não tem o condão de suspender a rescisão automática, que operou-se de forma legítima em razão de previsão contratual. A medida antecipatória foi concedida no evento 14 porque este juízo não possuía conhecimento acerca da resolução e da venda do bem a terceiros.

À vista de todo o exposto, e considerando que o imóvel foi alienado a terceiro de boa-fé que sequer integra a lide, INDEFIRO os pedidos formulados nos itens "a", "b" e "c" da réplica e REVOGO a tutela de urgência concedida no evento 9.

Caso requerido, autorizo a devolução à parte autora dos valores depositados em juízo, mediante a expedição de alvará.

Ainda, mantenho o benefício da gratuidade judiciária concedido à requerente, eis que já cabalmente demonstrada a sua hipossuficiência financeira nos autos. A parte requerida não logrou êxito em comprovar a capacidade financeira da autora. O "Centro de Eventos Brand" não pertence à autora, mas ao seu genitor, não havendo qualquer prova de que a demandante trabalha no local ou aufere rendimentos. Por sua vez, o cônjuge da autora, além de não ser parte nos autos, é empresário optante do SIMPLES NACIONAL.

Intimem-se as partes, inclusive para que, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestem-se acerca de eventual perda do objeto, em razão da rescisão do contrato e venda do imóvel a terceiro."

Inconformada, a agravante sustentou que remanesce entendimento jurisprudencial no sentido da impossibilidade de findar o contrato de compra e venda de imóvel sem prévia manifestação judicial declarando a rescisão, ainda que haja previsão de cláusula resolutória.

Defendeu a revogação da tutela de urgência mostra-se equivocada, porquanto inexiste o rompimento do vínculo contratual, e, "enquanto não rescindida a avença, exsurge impossível afirmar-se que a posse da Agravante seria injusta", sobretudo pelo adimplemento substancial do pacto.

Acrescentou que "a Agravada possui inúmeras outras ações de revisão contratual na Comarca de Biguaçu/SC no mesmo sentido, todas estas em trâmite normal de pagamento e revisão dos índices aplicados, todavia, somente para com a Agravada é que se resolveu operar a rescisão unilateral sem decisão judicial, o que se verifica ser caso de tratamento discriminatório e diferente dos demais. Além do mais, a Agravada possui outros lotes no empreendimento que poderia vender, e foi avisada por e-mail em 19/05/2021 que a Agravante havia proposto a presente a ação de revisão, contudo, mesmo sabendo sobre a discussão do contrato em juízo e com as parcelas totalmente adimplidas (depositadas em Juízo), resolveu prejudicar a Agravante, rescindindo o contrato de forma unilateral, sem buscar uma decisão judicial, buscando ainda alienar o imóvel, sendo tal ato totalmente criminoso."

Pugnou, assim, pela concessão de efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do recurso.

Em decisão monocrática de minha relatoria, deferiu-se a antecipação da tutela recursal para suspender a decisão agravada.

Após o aporte de contrarrazões (Evento 13, CONTRAZ1), os autos vieram conclusos.

Recebo os autos conclusos.

VOTO

O agravo de instrumento é tempestivo e atende aos demais requisitos de admissibilidade estatuídos nos arts. 1.016 e 1.017 do Código de Processo Civil, razão por que conheço do reclamo.

Primeiramente, urge se saliente que, como cediço, em sede de agravo de instrumento, o julgamento deve ater-se ao acerto ou eventual desacerto da decisão prolatada em Primeiro Grau, abstraindo-se o quanto possível de se adentrar ao meritum causae discutido na demanda principal, cingindo-se, pois, à decisão vergastada.

1. Da supressão de instância

A agravada, em contrarrazões, sustentou a ocorrência de supressão de instância, porquanto a tutela recursal foi concedida com base no extrato que repousa no evento 54 de origem, o qual não foi submetido à apreciação do Magistrado singular, tendo incorrido em erro material, pois embasada sob premissa nova.

Razão não lhe assiste.

Isso porque, perscrutando o caderno processual, malgrado o argumento que a tutela recursal fora concedida com base no referido documento, depreende-se que o deferimento fora embasado na ausência de decisão judicial, em ação própria, rescindindo o pacto.

E, em que pese a agravada sustente que o documento não fora submetido à análise pelo Juízo de origem, é possível perceber que o último depósito formalizado nos autos se deu em 27/9/21, antes da prolação da decisão agravada.

Ademais disso, formulado pedido de reconsideração pela agravante, em juízo de retratação, o Togado manteve o decisum profligado, inexistindo prejuízo à recorrida no ponto...

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