Acórdão Nº 5060651-35.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 31-03-2022

Número do processo5060651-35.2021.8.24.0000
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualCorreição Parcial Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Correição Parcial Criminal Nº 5060651-35.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

CORRIGENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) CORRIGIDO: WENDEL ADRIANO (INDICIADO) CORRIGIDO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Brusque

RELATÓRIO

Trata-se de Correição Parcial aforada pelo representante ministerial da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Brusque, contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Criminal da mencionada comarca que, nos autos 50078111520218240011, homologou o acordo de não persecução penal proposto e alterou uma das suas condições, redefinindo a destinação da prestação pecuniária.

Em síntese, sustenta o corrigente que, "a definição das condições do acordo de não persecução penal (a exemplo dos demais benefícios penais: transação penal e suspensão condicional do processo) e o detalhamento destas (local onde será prestado os serviços e destinação a ser dada à prestação pecuniária, por exemplo), constituem prerrogativa constitucional do Ministério Público, inserindo-se no domínio da titularidade da ação penal pública, cabendo, portanto, ao Parquet sustentá-las frente ao magistrado, inclusive com a interposição das ações e recursos cabíveis para tanto".

Prossegue dizendo que, no seu entender, "ao juízo caberá tão somente homologar ou não o acordo, sendo-lhe vedado intervir na redação final da proposta do acordo de não persecução penal, estabelecendo as suas cláusulas ou peculiaridades destas, como a destinação a ser dada na prestação pecuniária e a entidade em que serão prestados os serviços à comunidade, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório".

Justifica que, "não faz qualquer sentido o magistrado impor a alteração de cláusulas que já foram propostas, discutidas e acordadas entre o MPSC e a parte,sempre acompanhada por um advogado ou defensor público, a qual já aceitou o acordo e concordou com a destinação dos valores aos Termos de Cooperação Técnica".

Prossegue dizendo que, "há evidente inconstitucionalidade nas disposições dos incisos III e IV, do art. 28-A, do CPP, considerando a prerrogativa constitucional atribuída ao Ministério Público, a violação ao sistema acusatório e a imparcialidade objetiva do Magistrado, bem como pelo fato de que a aplicabilidade de tais condições não pode resumir-se à execução penal, como se pena fosse, tendo em vista tratar-se de matéria negocial, a ser ajustada entre as partes, isto é, investigado e Parquet".

Ressalva, ainda, que, "é possível a destinação das verbas oriundas da transação penal, suspensão condicional do processo e acordo de não persecução penal aos órgãos de segurança pública, visando a otimização do serviço prestado e viabilizando o devido implemento das atividades por estes realizadas, sendo que deverá ser observada a forma estabelecida nos Termos de Cooperação Técnica n. 052/2020/MP, 053/2020/MP, 054/2020/MP e 055/2020/MP, via guia DARE, a qual será fornecida ao autor do fato/investigado/réu, a fim de que promova o devido pagamento e comprove posteriormente nos autos".

Ao final, prequestiona o artigo 129, inciso I, da Carta Magna (com idêntica previsão no artigo 257, I, do CPP) - e, ainda, no artigo 3º-A do CPP, incluído pela Lei n. 13.964/2019.

Por entender que a decisão reclamada é ilegal e tumultuária, requereu o processamento da presente correição para o fim de:

Deferir, LIMINARMENTE, a suspensão da decisão homologou o acordo de não persecução penal proposto e alterou uma das condições do acordo, alternativamente, pela suspensão da destinação dos valores até o trânsito em julgado da decisão, e, ao final, determinando-se a alteração da decisão recorrida, redefinindo a destinação da prestação pecuniária nos termos propostos no acordo ofertado, o que diga-se de passagem, no momento da homologação muitos beneficiados com a ANPP já haviam realizado o depósito e, por sinal, já saíram da audiência onde foi realizado o acordo, com as DAREs já em mãos (ev. 1).

O pedido de tutela de urgência foi indeferido e as informações foram dispensadas (ev. 7).

Na sequência, os autos ascenderam a Douta Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer lavrado pelo(a) Exmo(a). Sr(a). Marcílio de Novaes Costa opinou pelo conhecimento e provimento da correição parcial, a fim de que seja reformada a decisão que homologou o acordo de não persecução penal nos termos propostos (ev. 11).

É o relato do necessário.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Com efeito, a Correição Parcial (reclamação criminal) encontra previsão no artigo 216 do Regimento Interno desta Corte de Justiça, o qual dispõe:

No processo penal caberá correição parcial contra decisão que contiver erro ou abuso que importar na inversão da ordem legal do processo quando para o caso não houver recurso específico.

§ 1º O pedido correicional poderá ser formulado pelos interessados ou pelo Ministério Público no prazo de 10 (dez) dias, contado da ciência do ato judicial que lhe deu causa.

§ 2º A petição deverá ser instruída com prova documental do ato impugnado e de sua tempestividade.

A respeito da possibilidade de interposição da correição parcial quando incabível outra espécie de recurso, Renato Brasileiro de Lima leciona:

A correição parcial não pode ser utilizada para impugnar atos praticados pelas partes, serventuários da justiça, dos tribunais ou de seus membros. Destina-se apenas à correção de atos tumultuários dos juízes, sejam eles comissivos ou omissivos. Essa inversão tumultuária do processo deve decorrer de erro ou abuso. O erro consiste em equívoco na interpretação da lei ou na apreciação do fato, ao passo que o abuso é o excesso ou a prática consciente da ilegalidade (grifei).

A correição parcial somente será cabível quando não houver recurso específico previsto em lei para corrigir error in procedendo que acarrete a inversão tumultuária do processo.

[...] a correi ção parcial pode ser usada durante todo o curso da persecução penal, quer na fase investigatória, quer na fase processual. Portanto, o simples fato de o processo penal ainda não ter tido início não se apresenta como óbice ao conhecimento de correição parcial, desde que, logicamente, sua utilização seja necessária para corrigir error in procedendo do magistrado que acarrete a inversão tumultuária do feito (Manual de Processo Penal. 2 ed. rev., ampl. e atual. - Salvador/BA: Editora JusPodvm, 2014, pp. 1666/1667).

Pois bem.

Infere-se dos autos que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina propôs o acordo sobredito da seguinte forma:

Cláusula 1ª: O presente acordo de não persecução penal tem por objeto o fato ocorrido durante o ano de 2020, quando a empresa Sucesso Imóveis LTDA, de propriedade do INVESTIGADO, anunciou e expôs à venda imóvel sem mencionar o número do registro do loteamento ou da incorporação no Registro de Imóveis. Assim agindo, infringiu o disposto no artigo 66 e seguintes da Lei n. 4.591/1964. [...] Cláusula 2ª: O INVESTIGADO obriga-se a pagar, a título de prestação pecuniária, o valor de dois salários mínimos, à vista ou parcelado em até 6 prestações sucessivas no valor R$ 366,66, com primeiro pagamento para o dia 15 de novembro de 2021, destinados ao Fundo de Melhorias da Perícia Oficial, através do Termo de Cooperação Técnica n. 54/2020/MP, e as demais nos mesmos dias e meses subsquentes, saindo o INVESTIGADO deste ato informado que as DAREs serão enviadas via whatsapp. para pagamento (ev. 16 - 50078111520218240011 - grifei).

A decisão que se busca corrigir é a seguinte:

Aberta a audiência, as partes foram informadas acerca do objetivo do presente ato, e de que a gravação produzida destina-se única e exclusivamente para a instrução processual, sendo expressamente vedada a utilização ou divulgação por qualquer meio. Ouvida por meio audiovisual e na presença de seu defensor, a parte investigada aderiu voluntariamente às condições estabelecidas pelo Ministério Público no acordo de não persecução penal acostado aos autos, conforme mídia de gravação anexa. A seguir, o MM. Juiz de Direito proferiu a seguinte decisão: "Vistos, etc... 1. Verificam preenchidos os requisitos da voluntariedade da parte investigada e da legalidade das condições estipuladas no acordo, porquanto previstas no artigo 28-A do CPP. Ante o exposto, HOMOLOGO o acordo de não persecução penal, nos termos propostos, o que faço com fundamento no artigo 28-A, §4º, do Código de Processo Penal, para que surta seus legais e jurídicos efeitos. 1.1. Ressalvo, contudo, que a pretensão do Ministério Público de destinar o pagamento da prestação pecuniária ao Fundo de Melhorias da Perícia Oficial, através do Termo de Cooperação Técnica nº. 54/2020/MP, celebrado entre o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e o Poder Executivo do Estado de Santa Catarina, se mostra ilegal, já que contraria o disposto no artigo 28-A, inciso IV, do CPP, que estabelece expressamente que cabe ao juiz estabelecer a destinação da prestação pecuniária a ser paga como condição do acordo de não persecução penal. Destaco, neste sentido, que em decisão proferida recentemente na ADPF 569/DF, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que as receitas oriundas de acordos de natureza penal, enquanto receitas públicas, só podem ser destinadas a partir de previsão legal específica e por autoridade legalmente estabelecida para tanto. Deste modo, na hipótese vertente, a pretensão do Ministério Público de definir a destinação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT