Acórdão Nº 5061324-22.2022.8.24.0023 do Terceira Câmara Criminal, 26-07-2022

Número do processo5061324-22.2022.8.24.0023
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5061324-22.2022.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

AGRAVANTE: RICARDO LOPES DOS SANTOS (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Ricardo Lopes dos Santos interpôs agravo em execução penal contra a decisão da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital que indeferiu o pedido por si formulado de afastar o caráter de crime equiparado a hediondo da conduta prevista no art. 33 da Lei 11.343/06 e realizar a consequente adequação do percentual para fins de progressão de regime (seq. 26 dos autos 8000407-83.2022.8.24.0023/SEEU).

Irresignado, o agravante alega, em síntese, que o crime de tráfico de drogas não é considerado hediondo e que, após a revogação do art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90 pela Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), "não há nenhum dispositivo legal que "equipare" o tráfico de drogas aos crimes hediondos e muito menos que preveja a aplicação de fração específica para progressão de regime em relação a este delito.", e que "o crime de tráfico de drogas não é equiparado a crime hediondo por absoluta inexistência de previsão legal nesse estrito sentido.", sendo descabida interpretação extensiva. Com isso, requer o afastamento do caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e a observância do percentual de 20% para o cumprimento do requisito objetivo para conquistar o benefício (art. 112, II, da LEP).

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 8).

A decisão agravada foi mantida (Evento 10).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, pelo conhecimento e desprovimento do agravo (Evento 8 - segundo grau).

Em decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, negou-se provimento ao recurso (Evento 10 de segundo grau).

Em face disso, a defesa interpôs agravo interno, em cujas razões, em síntese, além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos 'crimes equiparados a hediondos'" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito da redação do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e do art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e adequar a porcentagem aplicada para a progressão prisional (art. 112, II, da LEP) (Evento 16).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, conhece-se do presente recurso.

O agravo interno objetiva reformar decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso em agravo em execução defensivo, no qual se sustenta que o crime de tráfico de drogas, após o advento da Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), não poderia ser equiparado a crime hediondo, motivo pelo qual seria devida a observância da porcentagem de 20% do cumprimento da pena para progressão do regime (art. 112, II, da LEP).

Não foram levantadas preliminares.

No mérito, a defesa, além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos 'crimes equiparados a hediondos'" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e adequar o percentual aplicado para a progressão (art. 112, II, da LEP) (Evento 20).

Sem razão, no entanto.

Ingressando no mérito, de acordo com o Relatório da Situação Processual Executória, infere-se que o apenado cumpre pena de 06 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias pela prática do delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06), encontrando-se atualmente recolhido em regime fechado.

Após pedido formulado pelo apenado (Seq. 14), a Magistrada de origem negou o pretenso afastamento do caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, o que fez nos seguintes termos (Seq. 26):

Analisando-se detidamente o caderno processual, verifico que o reeducando foracondenado, nos autos da ação penal n.º º 5105221-37.2021.8.24.0023, que tramitou na 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital, à pena corporal de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por infração ao art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06.Requer a defesa seja afastada a hediondez do delito previsto de tráfico de drogaspor conta da entrada em vigor da Lei n.º 13.964/19.Inafastável o direito individual fundamental ínsito no art. 5º, XL, da Constituição Federal, prevendo que: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Desta forma, evidente a ressalva constitucional de sentido negativo na qual se verifica que, quando mais benigna a nova lei, possível a sua aplicação em benefício do cumpridor da pena.Entende Luiz Luisi que:"A atual Constituição brasileira merece encômios por ter disposto de forma clara a retroatividade quando beneficia ao réu. Isto importa que sempre a lei penal retroage quando em favor do réu, ainda quando haja sentença com trânsito em julgado. Ao contrário da legislação penal peninsular, a nossa lei penal, por abarcar todas as hipóteses possíveis consagra que mesmo no caso de uma sucessão de leis, se aplica dentre elas a mais favorável, mesmo quando tenha havido condenação definitiva." (in Os princípios constitucionais penais, 2. ed., Sérgio Antônio Fabris Editor, pg. 29).

Por outro lado, sedimentando junto à legislação ordinária, preceitua o art. 2º do Código Penal que: "Art. 2.º Ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos da sentença condenatória. Parágrafo Único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."

No mais, cabe ressaltar que cumpre ao juiz da execução penal aplicar aos casos já julgados a lei posterior que favoreça o apenado, na forma do art. 66, I, da Lei n.º 7.210/84: "art. 66. Compete ao Juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado".

Reza ainda a Súmula n.° 611 do Supremo Tribunal Federal: "transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna".

Diante de tal panorama, cumpre sim a este Juízo a análise da possibilidade em tese da aplicação da lei mais branda ao caso concreto.

Ocorre que, nestes autos, razão nenhuma assiste ao apenado: não há que se falar em retroatividade de lei penal mais benéfica em seu favor. Como se sabe, a Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime), alterou as Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal), para incluir, na primeira, novos delitos no rol de crimes hediondos, enquanto, no segundo diploma legal mencionado, alterou as regras aplicáveis para a progressão de regime e o livramento condicional de acordo com uma combinação entre a natureza da infração cometida e sua condição de réu primário ou reincidente.

Sob tal perspectiva, aduz a defesa que o legislador ordinário deixou de equiparar o crime de tráfico de drogas a crime hediondo, já que o rol atualizado destes trazido pelo chamado Pacote Anticrime não incluiu expressamente o crime de tráfico de drogas.

Não poderia estar mais equivocada, até mesmo porque o crime de tráfico de drogas - ou melhor, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins - nunca esteve no rol do art. 1º da Lei n.º 8.072/90: sua natureza de especial gravidade para fins sancionatórios, que a doutrina e posteriormente o próprio legislador convencionou chamar de "equiparado ao hediondo", não decorre da lei ordinária mas sim da Constituição Federal.

Com efeito, a Lei n.º 13.964/2019 não tratou de excluir o crime de tráfico de drogas do rol de crimes equiparados, sobretudo porque mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.º 8.072/90 o crime de tráfico possuía tal natureza, já que o próprio art. 5°, XLIII, da Constituição da Federal estabelece que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem", o que deixa fora de qualquer tipo de dúvida que a hermenêutica envolvendo a classificação do crime de tráfico de drogas como crime equiparado é de envergadura constitucional, tanto que o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.072/ 90 e também no art. 44 da Lei n.º 11.343/06 seguem inalterados mesmo após a edição do Pacote Anticrime.

Não bastasse, por ocasião da alteração do art. 112 da Lei n.º 7.210/84, houve expressa referência ao § 4º e não ao caput quando prescreveu que "Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006" e isso porque, primeiramente, o legislador ordinário não pode seguir...

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