Acórdão Nº 5061664-34.2020.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 30-03-2023

Número do processo5061664-34.2020.8.24.0023
Data30 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5061664-34.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: LP PRODUCOES ARTISTICAS LTDA (EMBARGANTE) APELANTE: JOY FOMENTO MERCANTIL LTDA (EMBARGADO) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Joy Fomento Mercantil Ltda e Start Up Desenvolvimento Pessoal Ltda interpuseram, respectivamente, recurso de apelação e recurso adesivo da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis, que acolheu os embargos à execução opostos por Start Up Desenvolvimento Pessoal Ltda e, por consequência, julgou extinta a execução de título extrajudicial ajuizada por Joy Fomento Mercantil Ltda, nos seguintes termos (evento 48, autos do 1º grau):
SENTENÇA UNA - Processos ns. º 5061664-34.2020.8.24.0023 e 5001965-36.2019.8.24.0092
Vistos, etc.
Trata-se de embargos à execução n. 5061664-34.2020.8.24.0023 opostos por STARTUP YOU DESENVOLVIMENTO PESSOAL LTDA. na execução de título extrajudicial n. 5001965-36.2019.8.24.0092 que lhe move JOY FOMENTO MERCANTIL LTDA, devidamente qualificados nos autos supra epigrafados, embasada em nota promissória emitida em garantia às operações provenientes do Contrato de Fomento Mercantil n. 150.
A parte embargante alegou, dentre outras questões, e nulidade da cláusula de recompra, devendo ser extinta a execução. Apresentou procuração e documentos (evento 1).
Deferida a gratuidade e recebidos os embargos à execução (evento 23), a parte embargada apresentou impugnação rebatendo as teses iniciais e defendendo, notadamente, a validade da cláusula de recompra. Juntou procuração e documentos (eventos 27 e 29).
É sucinto o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado, porquanto as provas documentais já coligidas bastam para a formação de um juízo seguro de convicção acerca de demanda que reclama tutela jurisdicional imediata, nos termos do art. 355, I, do CPC.
Os presentes embargos devem ser acolhidos para extinguir a execução em apenso. Explico.
De início, não se pode perder de vista que "A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível" (CPC, art. 783).
Sobre as caraterísticas do título executivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:
'Título executivo judicial previsto no CPC/73 585 II [CPC 784 II] é o documento que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada (ou entrega de coisa fungível) em momento certo. Os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o processo de conhecimento e descaracterizam o documento como título executivo" (STJ, REsp 39567, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 15.12.1993, DJU 7.3.1994, p. 3663).' (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.636)
Assim, a liquidez, certeza e exigibilidade deve estar estampada no titulo executivo, sem necessidade de apuração de fatos por meio de provas, cabíveis apenas na esfera dos processo de conhecimento, de cognição ampla e exauriente.
Por outro lado, a atividade de factoring é caracterizada por prestação de serviço, na qual o faturizado, por meio de remuneração, recebe do faturizador a cessão de determinados créditos, assumindo o risco pela liquidação. Sobre tal questão, explica Fábio Ulhoa Coelho: "(...) pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização." (Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 143).
Sílvio Venosa não destoa ao conceituar tal contrato como: "Trata-se, na modalidade mais utilizada, de um negócio jurídico de duração por meio do qual uma das partes, a empresa de factoring (o faturizador ou factor), adquire créditos que a outra parte (o faturizado) tem com seus respectivos clientes, adiantando as importâncias e encarregando-se das cobranças, assumindo o risco de possível insolvência dos respectivos devedores" (Direito Civil, Atlas, 2007, p.535).
Mais adiante assinala o escritor que: "Se está diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação."
A despeito da cláusula de recompra, já restou decidido pelo nosso Tribunal de Justiça: "É cediço que em um contrato de factoring a faturizadora adquire o crédito da faturizada originário de uma compra e venda a prazo ou de prestação de serviços, assumindo os riscos do inadimplemento desta obrigação, sendo remunerada por uma taxa, comissão ou percentual firmado entre as partes. Ou seja, a assunção do risco é inerente ao negócio jurídico existente entre as partes. Em razão disso, mesmo que presente cláusulas que autorizem e/ou obriguem a recompra dos títulos em caso de inadimplemento, como no presente caso, tais condições não podem ser opostas à parte faturizada, sob pena de desnaturar o negócio jurídico havido entre partes, ou seja, torná-lo nulo" (Apelação Cível n. 2013.078695-9, de Joinville, rel. Des. Subst. Guilherme Nunes Born, j. 28/08/2014).
Nesse contexto, tem-se que a cláusula de recompra não se coaduna com as características do contrato de fomento mercantil.
Isso porque, imputar à empresa de fomento o direito de regresso perante a contratante, na hipótese de não pagamento dos títulos descontados pelos seus sacadores, seria equiparar a atividade de factoring com aquela realizada pelas instituições bancárias nos casos em que celebram contrato para desconto de títulos, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, já que aquela não integra o Sistema Financeiro Nacional.
O Superior Tribunal de Justiça não destoa :
"AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS - EMPRESA DE FACTORING - REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO - IMPOSSIBILIDADE - PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PRECEDENTES DESTA CORTE - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA/STJ - ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVAS - ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ - MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA - AGRAVO IMPRÓVIDO." (AgRg no Ag 1071538/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 18/02/2009)."
Sabe-se, no entanto, que a jurisprudência pátria vem admitindo exceção à regra geral da invalidade da cláusula de recompra quando demonstrado que a factoring não conseguiu receber o crédito por culpa da empresa faturizada, tal como emissão de títulos frios, má-fé ou prática de atos que deram causa ao inadimplemento pelos terceiros devedores dos títulos.
Nesse sentido:
(...) CLÁUSULA DE RECOMPRA. PREVISÃO NO AJUSTE. POSICIONAMENTO DA "CORTE DA CIDADANIA" NO SENTIDO DE QUE, EM REGRA, A CLÁUSULA DE RECOMPRA É ILEGAL, POR CONSIDERAR QUE O RISCO PELO INADIMPLEMENTO É DA FATURIZADORA, ADMITINDO-SE SUA VALIDADE COMO EXCEÇÃO, QUANDO RESTAR EVIDENCIADO TRATAR-SE DE TÍTULOS "FRIOS". CASO CONCRETO EM QUE AS PROVAS AMEALHADAS AO FEITO PERMITEM AFERIR A AUSÊNCIA DA LASTRO DAS CAMBIAIS SACADAS E DE GÊNESE À EMISSÃO DOS CHEQUES. ENQUADRAMENTO DA HIPÓTESE VERTENTE NA EXCEÇÃO, COM A CONSEQUENTE VALIDAÇÃO DA CLÁUSULA DE RECOMPRA. TUTELA JURISDICIONAL CONFERIDA NA ORIGEM QUE DEVE SER CASSADA PARA QUE O FEITO EXECUTIVO TENHA PROSSEGUIMENTO EM SEUS ULTERIORES TERMOS. (...) (TJSC, Apelação n. 0020760-98.2003.8.24.0008, j. 28.06.2016).
In casu, a parte embargada/exequente pretende receber um crédito embasado em nota promissória emitida em garantia ao Contrato de Fomento Mercantil n. 150, que prevê a recompra dos títulos cedidos nas cláusulas 17, 18 e 19 (outros 4, execução 5001965-36.2019.8.24.0092).
Verifica-se da inicial da ação executiva que o motivo da execução da garantia foi o não recebimento das Duplicatas Mercantis ns 24/1 e 25/1, emitidas em razão de negócio jurídico de prestação de serviços de palestras de treinamento, a serem ministradas por Ariovaldo Piovezani, nas datas 08.05.2019 e 15.05.2019, firmados entre a empresa executada/embargante e João Paulo Fadel Eventos - ME.
Ato contínuo, em análise aos documentos carreados aos autos, notadamente às conversas pelo aplicativo Whatsapp entre as partes (evento 12 da execução), observa-se que o palestrante Ariovaldo Piovezani, então procurador da executada, foi avisado 45 minutos antes de seu início que o evento foi cancelado "em razão a pouco quantidade de gente presente".
Somando-se a isso, consta na petição inicial da execução 5006719-24.2019.8.24.0091 que o evento foi cancelado pela empresa Uniprime "haja vista o pequeno número de pessoas que compareceram ao avento", não havendo prova sumária e cabal de eventual ligação entre a parte executada/embargante e a empresa Uniprime.
Logo, percebe-se que: a) as duplicatas mercantis não são "frias", como pretende fazer crer a parte embargada/credora, pois emitidas com lastro em negócio jurídico de prestação de serviço que de fato existiu e que acabou, em momento posterior, não se concretizando; b) não há prova extreme de dúvida de que a parte embargante/executada deu causa ao inadimplemento dos títulos, já que não demonstrado que o cancelamento do evento foi por sua culpa ou má-fé; c) a execução de título extrajudicial deve ter por base título...

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