Acórdão Nº 5062063-98.2021.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Público, 12-05-2022

Número do processo5062063-98.2021.8.24.0000
Data12 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5062063-98.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

AGRAVANTE: GILBERTO GONCALVES AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

A insurgência recursal, aviada sob a modalidade do recurso instrumental por Gilberto Gonçalves, objetiva a reforma do interlocutório proferido na "ação civil pública", ajuizada na comarca de Ibirama, contra o agravante e Aquântica Confecção e Comércio Ltda, que concedeu tutela de urgência (Evento 3 dos autos originários), nos termos adjacentes:

O art. 12 da Lei nº 7.347/85 prevê que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia [...]".

Ainda, o art. 300 do CPC estabelece que a tutela provisória de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

A probabilidade do direito está consubstanciada na documentação anexa à exordial, apta a demonstrar que o requerido realizou intervenção irregular em área de preservação permanente, causando danos ambientais.

O IMA elaborou relatório (OUT3) dando conta da irregularidade das intervenções empregadas pelo requerido e classificando o dano como NÍVEL MÉDIO I = 40.

Cabe destacar também que há indicativos de que a canalização de água vinha sendo utilizada para viabilizar atividade empresarial, já a empresa requerida está instalada em área de preservação permanente (muito embora tenha declarado informação diversa em sua "Declaração Ambiental" protocolada no Sistema SinFAT, FCEI 558136) do que se presume perigo ambiental ainda maior.

Além disso, considerando a distância das edificações do curso hídrico, é possível concluir pelo desrespeito tanto do Código Florestal quanto da Lei de Parcelamento do Solo, de modo que será indiferente ao deslinde do feito a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema nº 1010, o qual visa estabelecer a legislação aplicável quanto a extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais.

Noutro ponto, o perigo de dano resta evidenciado no fato de que caso continue havendo intervenções indevidas na área de preservação permanente, os danos ambientais poderão ser ainda maiores, de modo que imperiosa a cessação imediata de qualquer interferência humana no local.

Ressalte-se, ainda, que o fato de o local ser utilizado também como moradia pelo requerido não é fator justificador de manutenção das irregularidades ambientais, já que o caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses permissivas de intervenção e/ou supressão de vegetação nativa em APP (utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental), conforme definido no art. 3º, VIII, IX e X, do mesmo diploma legal.

Nesse sentido já ementou o TJSC:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERIU PARCIALMENTE A LIMINAR REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. EDIFICAÇÃO DE RESIDÊNCIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) E SEM AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. ORDEM JUDICIAL QUE DETERMINOU A IMEDIATA PARALISAÇÃO DA OBRA E A ABSTENÇÃO DE OCUPAÇÃO DO LOCAL. DIREITO À MORADIA QUE NÃO SE MOSTRA SUFICIENTE PARA AMPARAR A CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SER CONIVENTE COM AS IRREGULARIDADES. PEDIDO ALTERNATIVO DE INÉPCIA DA INICIAL. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DO ATO HOSTILIZADO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5041526-18.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 10-08-2021) grifou-se.

Outrossim, no caso dos autos, é indispensável que seja observado o Princípio da Precaução, que visa obstar qualquer risco de dano ao meio ambiente.

O Princípio da Precaução antecede o da Prevenção, vez que não busca apenas evitar que os danos previsíveis ocorram, mas, precipuamente, impedir qualquer risco de sua ocorrência, ainda que imprevisíveis.

O Princípio da Precaução tem como característica, ademais, a inversão do ônus da prova. Nesse sentido, segundo Edis Milaré,

"a incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão consequências indesejadas ao meio considerado" (Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, prática, glossário. 3 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2004, p. 145).

Por fim, mister registrar a reversibilidade da medida, de modo que, ao final, poderá ser permitido ao requerido reconstruir o aterro e a tubulação ora em apreço, se for o caso.

Registro, por oportuno, que o isolamento da área não se mostra necessário, ao menos nesse momento, pois a determinação de que o requerido desfaça as intervenções no local é suficiente para impedir a prática de novos atos nocivos ao meio ambiente.

Diante todo o exposto, preenchidos os requisitos legais, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar que o requerido desfaça o aterro realizado no local, bem como a retire os tubos que canalizaram o curso d'água que passa no imóvel, no prazo de 30 dias a contar de sua intimação, cessando os danos ambientais e possibilitando a recuperação da área degradada., sob pena de multa diária no valor de 1.000,00 (um mil reais).

O agravante argumentou, em suma, que: a) não concorreu para a intervenção em área de preservação permanente; e b) não é proprietário do imóvel em questão, sendo inviável responsabilizá-lo por atos praticados por terceiros (Evento 1).

Indeferido o almejado efeito suspensivo (Evento 10), sobrevieram contrarrazões (Evento 21).

O agravante apresentou pedido de reconsideração (Evento 24).

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 27).

É o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, porquanto tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade.

No âmbito instrumental, o julgamento do recurso não importa na resolução definitiva da controvérsia de origem, sob pena de supressão de instância.

Entre seus valorosos ensinamentos, o multifacetado Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda registrou heurístico exemplo às bases analíticas das pretensões recursais:

A pretensão recursal está para a pretensão à tutela jurídica como o processo para o direito pré-processual. Aquela surge, porque se exerceu essa. Se não havia essa, aquela existe para que se declare não existir essa. Por onde se vê que a criação da relação jurídica, que começa entre o autor e o Estado, e pode ir até o réu (angularização)...

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