Acórdão Nº 5062241-12.2020.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 08-12-2022

Número do processo5062241-12.2020.8.24.0023
Data08 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5062241-12.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: LEONARDO SCHEIN PFEUFFER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Leonardo Schein Pfeuffer, imputando-lhe o cometimento dos crimes previstos no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e art. 12 da Lei n. 10.826/2003, de acordo com os fatos descritos a seguir (doc. 2 da ação penal):

Fato 01:

Em 19 de agosto de 2020, por volta das 17h, na Rua Hypólito Gregório Pereira, proximidades com o n. 349, canasvieiras, nesta capital, o denunciado Leonardo Schein Pfeuffer trazia consigo e guardava, para fins de comércio e entrega a terceiros, 1 (uma) porção da droga cocaína, sem autorização e em desacordo com determinação legal.

Já na sua residência, situada na mesma rua no n. 146, guardava e mantinha em depósito outras 8 (oito) porções da mesma droga cocaína, as quais somadas a encontrada com o denunciado apresentam massa bruta de 51,4g (cinquenta e um grama e quatro decigrama), além de balança de precisão e R$1.100,00 (mil e cem reais) em espécie.

Tais substâncias entorpecentes são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, cujos usos são proibidos em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria nº 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Fato 02:

Na mesma condição de tempo e local, o denunciado Leonardo Schein Pfeuffer mantinha em depósito e guardava, na sua residência, 4 (quatro) munições calibre .32, de uso permitido, conforme a Portaria n. 1.222/19, mas sem autorização e em descordo com determinação legal e regulamentar.

Recebido o libelo (doc. 5 da ação penal) e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença, julgando procedente a pretensão estatal para condenar o réu à reclusão de 5 (cinco) anos e à detenção de 1 (um) ano, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, cada qual arbitrado no mínimo legal (doc. 85 da ação penal).

Irresignado, o acusado recorreu (doc. 86 da ação penal).

Em sede de preliminar, postulou sua absolvição, sob o argumento de que o ingresso domiciliar ocorreu à margem da norma e todas as provas decorrentes da diligência devem ser consideradas ilícitas. Subsidiariamente, requereu a aplicação do princípio da insignificância em relação ao porte irregular de munições de uso permitido, de modo a declarar a atipicidade da conduta. Indo além, sobre a dosimetria da pena, vindicou a incidência da redutora entalhada no art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006. (doc. 4)

O Parquet apresentou contrarrazões (doc. 6).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Genivaldo da Silva, que se manifestou pelo conhecimento e provimento do apelo, a fim de reconhecer a nulidade ventilada (doc. 8).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2947225v11 e do código CRC 6e5a399e.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 24/11/2022, às 6:17:3





Apelação Criminal Nº 5062241-12.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: LEONARDO SCHEIN PFEUFFER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

1. Admissibilidade

Não há óbice ao conhecimento do recurso.

2. Ilicitude das provas decorrentes do ingresso domiciliar

Preambularmente, a defesa alegou que os depoimentos dos policiais militares escancaram contradições gritantes, pondo em xeque a presunção de veracidade que recai sobre suas palavras e a própria existência de justa causa ou permissão para o ingresso domiciliar.

De todo modo, salientou que a jurisprudência pátria não acata intervenções com supedâneo em antecedentes criminais ou qualquer outra suposição embasada em elementos abstratos, de difícil aferição.

Por fim, sustentou que, sem embargo de os funcionários estaduais possuírem uma câmera corporal disponível para uso àquele tempo, não a acionaram, inviabilizando a comprovação de eventual consentimento conferido pelos moradores.

O representante ministerial no segundo grau de jurisdição endossou o reclamo. Consoante discorreu, "há uma dúvida bastante razoável quanto a existência de autorização ou não para ingresso dos policiais na residência, seja por parte do próprio acusado, ora apelante, ou de sua mãe, assim como quanto ao eventual flagrante delito a justificar tal ingresso" (doc. 8, p. 11).

Com efeito, a insurgência merece prosperar.

Dispõe o art. 5°, XI, da Constituição Federal que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

A Suprema Corte, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ao apreciar o Recurso Extraordinário n. 603.616/RO conforme a sistemática de repercussão geral, formulou o enunciado adjacente:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados

Logo, embora ausente ordem judicial para acessar o imóvel, se os agentes castrenses o fizerem com esteio em fundamentos idôneos que indiquem a prática de delito em seu interior, a entrada forçada se justifica.

Nessa toada, não se pode olvidar o caráter permanente da infração penal em tela, peculiaridade capaz de ensejar, em tese, a infiltração desautorizada do aparato estatal na vivenda das pessoas suspeitas de perpetrar o tráfico de drogas.

Contudo, a fim de resguardar a privacidade dos brasileiros, é necessário que se evidencie, de forma objetiva e concreta, quais circunstâncias impulsionaram a incursão de emergência. Outrossim, se houver licença dos habitantes, a acusação deve roborar a voluntariedade do ato.

O Superior Tribunal de Justiça aponta o norte:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1).2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é...

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