Acórdão Nº 5062292-23.2020.8.24.0023 do Segunda Câmara Criminal, 14-09-2021

Número do processo5062292-23.2020.8.24.0023
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5062292-23.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: LEANDRO MACHADO (RÉU) ADVOGADO: MARCELO GONZAGA (OAB SC019878) APELANTE: GABRIEL DUARTE (RÉU) ADVOGADO: FABIANO LENIESKY (OAB SC054888) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Gabriel Duarte e Leandro Machado, dando o primeiro como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, e o segundo ao disposto nos artigos 33, caput, da Lei n. 11.343/06, 15 da Lei n. 10.826/03 e 329, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

[...] Fato 01:

Em 19 de agosto de 2020, por volta das 20h30, na Servidão Joel Jorge, Agronômica, nesta capital, os denunciados Leandro Machado e Gabriel Duarte, de modo conscientes, voluntários, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, traziam consigo, portavam e guardavam, para fins de comércio e entrega a terceiros, 1 (uma) porção da droga maconha, sem embalagem, com massa bruta total de 181,9g (cento e oitenta e um gramas e nove decigramas); 1 (uma) porção da droga maconha, acondicionada, com massa bruta de 50,1g (cinquenta gramas e um decigrama); 1 (uma) porção da droga vulgarmente conhecida como crack, com massa bruta de 41,3g (quarenta e um gramas e três decigramas) e 1 (uma) porção da droga cocaína, com massa bruta de 20,4g (vinte gramas e quatro decigramas), tanto que flagrados no momento exato em que vendiam uma parte das substâncias a usuários, tudo em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Os denunciados tinham, ainda, como instrumentos e fruto do crime, 3 (três) balanças de precisão; a quantia de R$ 352,00 (trezentos e cinquenta e dois reais) com Gabriel e de R$ 160,00 (cento e sessenta reais) com Leandro; 1 (um) rádio comunicador; 1 (uma) máquina fotográfica; 1 (um) carregador de bateria; 1 (uma) case para máquina fotográfica; 1 (um) aparelho celular, 2 (duas) tesouras com resquícios de entorpecentes; e 1 (uma) folha com anotações do tráfico.

Tais substâncias entorpecentes são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, cujos usos são proibidos em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Fato 02:

Nas mesmas condições de tempo e local, o denunciado Leandro Machado, no intuito de evitar sua prisão em relação ao fato 01, efetuou disparo de arma de fogo, em via pública, contra a guarnição, empreendendo fuga.

Fato 03:

Em seguida, o denunciado Leandro Machado, na mesma data, percorrendo as Ruas Visconde de Tuanay até a Avenida Mauro Ramos, nesta capital, foi avistado, por outra guarnição, no veículo Volkswagem/Gol, cor branca, placas AOS-8729, e mesmo com a ordem de parada exarada, opôs-se à execução de ato legal, mediante grave ameaça contra funcionário competente para executá-lo, porquanto, empreendeu fuga e efetuou disparos de arma de fogo contra os agentes públicos com o fito de cessar a perseguição policial que se fazia no momento, sendo capturado logo em seguida. (Evento 01, do feito originário).

Encerrada a instrução, foi julgada parcialmente procedente a Exordial, para:

a) condenar Gabriel Duarte ao cumprimento da pena de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 c/c art. 61, inciso I, do Código Penal; e

b) desclassificar o crime de resistência (art. 329, caput, do Código Penal) descrito na exordial, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, e, em consequência, condenar Leandro Machado ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 17 (dezessete) dias de detenção, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, por infração ao art. 330, caput, c/c art. 61, inciso I, c/c art, 65, inciso III, 'd', todos do Código Penal; e à pena de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 c/c art. 61, inciso I, do CP, tudo na forma do art. 69 do Código Penal; e absolvê-lo da imputação relacionada ao crime previsto no art. 15 da Lei n. 10.826/2003, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Irresignado, o réu Gabriel manejou a Irresignação cabível, em cujas Razões, apresentadas na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal, (evento 16), pleiteia, preliminarmente, a nulidade do processo em razão da inépcia da denúncia por ausência de justa causa. Não sendo esse o entendimento, requer "seja anulada a ação penal a partir da defesa escrita (evento 49), oportunizando-se ao réu a apresentação de novas testemunhas".

No mérito, almeja a absolvição, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, por entender que não existem provas suficientes da autoria delituosa, com a incidência do princípio do in dubio pro reo.

No tocante à dosimetria da pena, requer a exclusão do aumento na pena-base pelos maus antecedentes e, na segunda etapa dosimétrica, o afastamento da reincidência, ao argumento de que as certidões dos eventos 02 e 04 do Inquérito Policial demonstram que o acusado é primário, e possui apenas ações penais em andamento; na terceira fase, pugna pelo reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em 2/3, alterando-se o regime prisional para o aberto ou semiaberto.

Igualmente inconformado, o acusado Leandro interpôs Apelação Criminal, em cujas Razões, apresentadas em Segundo Grau (evento 18), pugna, preliminarmente, pela nulidade do processo ante a inépcia da denúncia, que teria sido construída de forma genérica, e nulidade relacionada a não utilização das câmeras policiais durante a ocorrência, circunstância que macularia todo o processo.

No mérito, almeja a absolvição por ausência ou insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

No que diz respeito à dosimetria, pleiteia o afastamento da agravante da reincidência, por entender que a Autoridade Judiciária incorreu em bis in idem, ao utilizar a reincidência na segunda fase e, também, para negar a benesse prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Por fim, pleiteia o abrandamento de regime inicial para o aberto e a devolução do automóvel apreendido.

Não menos insatisfeito, o Ministério Público interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões (evento 446) pugna pela reforma da sentença a quo, a fim de também condenar Leandro Machado como incurso nas sanções do delito previsto no art. 15 da Lei n. 10.826/2003, e pelo crime de resistência, previsto no art. 329, caput, do Código Penal.

Apresentadas as Contrarrazões (eventos 476 do processo de origem e 24 do feito nesta Instância), os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria-Geral de Justiça, que em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento dos reclamos interpostos pelos acusados e pelo Ministério Público, provendo-se apenas ao recurso da acusação.

Este é o relatório.

VOTO

Os recursos devem ser conhecidos, porquanto restaram preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Dos recursos defensivos

1. Das preliminares

1.1. Da nulidade por inépcia da exordial

A Defesa do réu Gabriel pleiteia, preliminarmente, a nulidade do processo em razão da inépcia da denúncia, por ausência de justa causa para o exercício da ação penal e, não sendo esse o entendimento, requer que "seja anulada a ação penal a partir da defesa escrita (evento 49), oportunizando-se ao réu a apresentação de novas testemunhas".

Para tanto, argumenta que a Denúncia, ao descrever o fato delituoso, narrou que o crime de tráfico de drogas teria ocorrido na Servidão Joel Jorge, Bairro Agronômica, Florianópolis/SC. Porém, a prova oral amealhada no curso do feito apontou que o delito teria sido praticado em local diverso, qual seja, na escadaria da Servidão Santa Vitória, no mesmo Bairro.

Diante disso, defende que a Exordial contém vício material, que causou prejuízo à defesa, porquanto poderia ter arrolado outras testemunhas, inclusive pessoas que residem na mencionada via pública.

Contudo, sem razão.

Sabe-se que a Inicial Acusatória possui elementos essenciais, que são aqueles necessários para identificar a conduta como fato típico, e a falta deles é causa de nulidade absoluta do feito. Também, detém elementos acidentais, que dizem respeito às circunstâncias identificadoras do fato, as quais estão geralmente relacionados ao tempo, local e espaço dos acontecimentos, sendo que sua ausência gera nulidade relativa.

Sobre o assunto, especificamente no que tange aos elementos acidentais ou acessórios da Denúncia, leciona Renato Brasileiro de Lima:

[...] também chamados de circunstâncias individualizadoras, são importantes para estremar o fato delituoso de outro acontecimento histórico e individualizá-lo; são aqueles ligados a circunstâncias de tempo, de espaço, ou até que revelem maiores dados de atuar, cuja ausência nem sempre afeta a reação do acusado. Usando o exemplo acima citado, se o Promotor de Justiça omitir a hora exata em que o crime foi cometido, a falha não incide sobre dado da composição da figura típica, recaindo em aspecto acidental. Portanto, a ausência de um elemento acidental não é causa de nulidade absoluta, mas sim de nulidade relativa, sendo indispensável que o prejuízo à defesa seja comprovado.

Logicamente, caso o Promotor tenha conhecimento acerca do lugar, do tempo do crime, e de outros dados acessórios (elementos acidentais), deverá inserir tais informações na peça acusatória. Isso não significa dizer, todavia, que a inserção de tais elementos na peça acusatória seja cogente. Afinal, há situações em que não se sabe o exato momento em que o crime foi cometido, nem tampouco o locus delicti, o que, no entanto, não impede o oferedimento da peça...

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