Acórdão Nº 5062557-60.2021.8.24.0000 do Órgão Especial, 20-04-2022

Número do processo5062557-60.2021.8.24.0000
Data20 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5062557-60.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: CAMARA MUNICIPAL DE BLUMENAU

RELATÓRIO

Procurador-Geral de Justiça, representado pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON), a quem foram delegadas atribuições por meio da Portaria n. 1.133/2021/PGJ, e a Promotora de Justiça da Comarca de Blumenau, com base no art. 85, incisos III e VII, da Constituição do Estado de Santa Catarina, e na Lei Estadual n. 12.069/2001, propuseram a presente ação direta de inconstitucionalidade com o intuito de declarar a inconstitucionalidade do art. 87 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores de Blumenau (Resolução n. 403/2010), segundo o qual "em toda reunião pública da Câmara Municipal haverá no início da reunião, após a abertura, o Momento Bíblico, com leitura breve de trecho da Bíblia", por ofensa aos arts. e 16, "caput", da Constituição do Estado de Santa Catarina (arts. 5º, "caput" e inciso VI, 19, inciso I, e 37, "caput", da CF).

Alegam que "a Constituição da República consagra a liberdade religiosa como direito fundamental e reconhece o caráter laico do Estado brasileiro, e a Constituição Estadual, em seu artigo 4º, assumiu o compromisso de assegurar tais postulados, ao transplantar, para o âmbito estadual, toda a sistemática dos direitos e garantias previstos na Constituição da República"; que "o princípio do Estado laico adquire, assim, nota de neutralidade e tolerância à diversidade religiosa, e aos aspectos culturais e simbólicos que emana de cada crença"; que o art. 164, § 1º, da Constituição Estadual, por exemplo, assegura essa liberdade e essa diversidade religiosa ao facultar "a matrícula na disciplina de ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental".

Afirmam que é vedado ao Poder Público "interferir no exercício da liberdade religiosa, impondo ou proibindo crenças e cultos, como também não pode privilegiar determinada orientação religiosa em detrimento de outras, ainda que professadas majoritariamente no âmbito social".

Por isso, entendem que o art. 87 do Regimento Interno do Poder Legislativo do Município de Blumenau (Resolução n. 403/2010), ao instituir o "Momento Bíblico" no início das reuniões da Câmara de Vereadores, impondo "a leitura do livro sagrado de uma religião em detrimento do de todas as outras", utilizando a "'máquina pública' para o patrocínio ideológico-religioso", violou os princípios da laicidade e da liberdade religiosa, bem como os princípios da isonomia e da impessoalidade previstos no art. 16, "caput", da Constituição Estadual (art. 37, "caput", da CF).

Requereram a procedência do pedido, para "que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 87 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores de Blumenau (Resolução n. 403/2010), por violação aos artigos e 16, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com os artigos 5º, caput e inciso VI, 19, inciso I, e 37, caput, da Constituição da República".

Notificados, o Presidente e o Procurador-Geral da Câmara de Vereadores de Blumenau prestaram informações discorrendo sobre a tramitação do Projeto de Resolução n. 437/2010, que deu origem à Resolução n. 403/2010 (Regimento Interno da Câmara de Vereadores). E, no mais, entendem que o art. 87 da Resolução n. 403/2010 não é inconstitucional.

O Procurador-Geral do Município de Blumenau, embora tenha sido notificado, renunciou ao prazo e não prestou informações (Evento 15 - da Consulta Processual).

Com vista dos autos, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão, opinou pela procedência do pedido.

VOTO

Há que se julgar procedente o pedido deduzido nesta ação direta de inconstitucionalidade.

O art. 87 da Resolução n. 403, de 2/12/2010, que dispõe sobre o Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores de Blumenau, aqui questionado, está assim redigido:

"Art. 87. Em toda reunião pública da Câmara Municipal haverá no início da reunião, após a abertura, o Momento Bíblico, com leitura breve de trecho da Bíblia".

De outro lado, os arts. e 16, "caput", da Constituição Estadual, que o autor ministerial alega terem sido violados pelo art. 87, da Resolução n. 403/2010, estão assim redigidos:

"Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte: [...]

Art. 16. Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade".

Note-se que a Constituição Estadual, com base no seu art. 4º, além do que nela está previsto, expressamente incorporou ao seu texto todos os princípios, direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal, incluindo-se aí o princípio da laicidade, o direito à liberdade religiosa e ao ensino religioso facultativo, nos seguintes termos:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...]

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; [...]

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".

ALEXANDRE DE MORAES, a respeito da liberdade religiosa e do Estado laico ou leigo, ensina:

"10.1 Liberdade religiosa e Estado laico ou leigoA conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagração de maturidade de um povo, pois, como salientado por Themistocles Brandão Cavalcanti, é ela verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação.

A abrangência do preceito constitucional é ampla, pois sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e a própria diversidade espiritual.

A evocação à 'proteção de Deus' no preâmbulo da Constituição Federal reforça a laicidade do Estado, afastando qualquer ingerência estatal arbitrária ou abusiva nas diversas religiões e garantindo tanto a ampla liberdade de crença e cultos religiosos, como também ampla proteção jurídica aos agnósticos e ateus, que não poderão sofrer quaisquer discriminações pelo fato de não professarem uma fé. A laicidade do Estado é reforçada pela vedação federativa...

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