Acórdão Nº 5064027-29.2021.8.24.0000 do Órgão Especial, 21-09-2022

Número do processo5064027-29.2021.8.24.0000
Data21 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5064027-29.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - FLORIANÓPOLIS ADVOGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA RÉU: Prefeito - MUNICÍPIO DE PALHOÇA/SC - Palhoça RÉU: Câmara de Vereadores - MUNICÍPIO DE PALHOÇA/SC - Palhoça MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: MUNICÍPIO DE PALHOÇA/SC

RELATÓRIO

O Procurador-Geral de Justiça, representado pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON), propôs ação direta visando a declararação de inconstitucionalidade da Lei n. 5.059, de 15 de outubro de 2021, do Município de Palhoça, que instituiu "a importância da leitura de um versículo bíblico no início de cada sessão" da Câmara de Vereadores, "para que Deus venha abençoar o bom andamento da sessão, bem como de todos os projetos a serem aprovados", nos seguintes termos:

"Lei n. 5.059/2021 Fica instituído a importância da leitura de um versículo da Bíblia no início de cada sessão da Câmara Municipal de Palhoça/SC. [...].Art. 1º. Fica instituído a importância da leitura de um versículo Bíblico no início de cada sessão, sendo ordinária ou extraordinária, na Câmara Municipal de Palhoça/SC. Art. 2º. O versículo Bíblico deverá ser lido por um dos vereadores presentes na sessão. O vereador a ser escolhido deverá ser a critério do Presidente da casa. Art. 3º. O versículo deverá ser lido no início de cada sessão e em todas as sessões, inclusive na sessão extraordinária Art. 4º. A leitura deste versículo e extremamente importante para que Deus venha abençoar o bom andamento da sessão, bem como de todos os projetos a serem aprovados nesta casa legislativa por todos os vereadores. Parágrafo único: A presente Proposição faz saber a importância de termos Deus há frente de todos os trabalhos realizados por qualquer vereador no âmbito de seu exercício legislativo desta casa, interno ou externamente, para o bom desenvolvimento do Município de Palhoça. Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação" (evento 1, petição inicial 1, fl. 2).

Para tanto, alegou a inconstitucionalidade da norma, por violação aos "artigos e 16, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com os artigos 5º, caput e inciso VI, 19, inciso I, e 37, caput, da Constituição da República" (evento 1, petição inicial 1, fl. 2).

Afirmou que "a Constituição da República consagra a liberdade religiosa como direito fundamental e reconhece o caráter laico do Estado brasileiro, e a Constituição Estadual, em seu artigo 4º, assumiu o compromisso de assegurar tais postulados, ao transplantar, para o âmbito estadual, toda a sistemática dos direitos e garantias previstos na Constituição da República" (evento 1, petição inicial 1, fl. 2).

Asseguriu que "ao instituir a importância da leitura de um versículo bíblico para "invocar" a benção de Deus na Câmara Municipal de Vereadores de Palhoça, a norma ora atacada acaba por privilegiar as religiões da vertente cristã em detrimento das demais, o que é ofensivo, como já insistentemente afirmado, aos princípios constitucionais da liberdade religiosa, laicidade do Estado brasileiro, isonomia e impessoalidade, de observância obrigatória pelos estados e municípios, conforme disposição do artigo 4º da CESC/89" (evento 1, petição inicial 1, fl 5).

Finalizou requerendo "a procedência do pedido, a fim de se declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 5.059, de 15 de outubro de 2021, do Município de Palhoça, por violação aos artigos e 16, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com os artigos 5º, caput e inciso VI, e 19, inciso I, 37, caput, da Constituição da República" (evento 1, petição inicial 1, fl 9).

Os autos vieram a mim distribuídos, oportunidade em que determinei a notificação do Prefeito do Município de Palhoça e do Presidente da Câmara de Vereadores da Municipalidade para prestarem informações, bem como a intimação do Procurador-Geral Municipal (evento 2).

O Procurador-Geral do Município de Palhoça defendeu a norma impugnada, justificando que a norma "não ofende a liberdade religiosa, tampouco de crença dos munícipes", porque "não obriga a leitura da bíblia antes do início de cada sessão da Casa Legislativa de Palhoça, mas tão somente dispõe sobre a importância da leitura do livro" (evento 13, petição 1, fl. 2).

Assegurou que a lei "não impõe a ação de ler", não instituindo "determinado comportamento no espaço público municipal em detrimento de outras crenças" e "não visou prejudicar outros dogmas e pluralidade cultural da sociedade". Afirmou que a disposição atende "o interesse público, tendo em vista cultural da Bíblia e a importante conexão com a cultura" (evento 13, petição 1, fl. 3).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Procurador Paulo de Tarso Brandão, opinou pela procedência do pedido (evento 16, Parecer 1).

É o relatório.

VOTO

1. Da legitimidade ativa:

O art. 85, inciso III, da Constituição Estadual, na redação dada pela EC n. 45/06, reconhece a legitimidade do Procurador-Geral de Justiça para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual em municipal:

"Art. 85. São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestado em face desta Constituição: (...) III - o Procurador-Geral de Justiça;".

Reconhece-se, portanto, a legitimidade ativa do Procurador-Geral de Justiça para figurar no polo ativo da ação que busca a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal.

2. Do parâmetro de Constitucionalidade:

A pretensão veiculada na inicial é a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 5.059, de 15 de outubro de 2021, do Município de Palhoça, por violação aos artigos 5º, caput e inciso VI, e 19, inciso I, 37, caput, da Constituição Federal que, segundo o autor, foi incorporado à Constituição do Estado de Santa Catarina pelo caput do artigo 4º, "O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte (...)".

3. Da jurisdição constitucional sobre leis municipais:

De início, necessário se faz discorrer acerca da forma, parâmetro e competência do controle de compatibilidade vertical de uma norma municipal, cuja análise pressupõe, inclusive, a delimitação das competências.

3.1. Do controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por meio da ação direta:

Ao Supremo Tribunal Federal (STF) incumbe, precipuamente, a guarda Constituição Federativa e, nessa condição, a competência para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, 'a', CRFB/88):

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I - processar e julgar, originariamente:a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;" (grifou-se).

Como se pode observar, o legislador constituinte optou por excluir a competência do STF para declarar, em concreto, a inconstitucionalidade de lei municipal, o que somente seria permitido em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a teor do art. 102, § 1º, da CRFB/88.

Atribuiu, por outro lado, à esfera estadual, a competência para apreciar as arguições de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CRFB/88): "Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão" (grifou-se).

A Constituição do Estado de Santa Catarina, por sua vez, atribuiu ao Tribunal de Justiça, a competência para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade de leis municipais contestados em face da Constituição Estadual:

"Art. 83 Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:(...)XI - processar e julgar, originariamente:f) as ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais contestados em face desta Constituição;" (grifou-se).

O STF fixou parâmetros que delimitam a competência estadual para o julgamento de arguições de inconstitucionalidade - os quais devem ser respeitados, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte - podendo ser assim delineadas:

a) Do parâmetro de controle:

Não compete aos Tribunais de Justiça apreciarem, por meio de ação direta, a inconstitucionalidade de leis municipais e estaduais incompatíveis com a Constituição Federal, de forma que se uma lei ou ato normativo municipal ou estadual estiver em desconformidade com a Constituição Federativa, tal matéria não poderá ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade pelos Tribunais do Estados, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"Reclamação. Ação direta de inconstitucionalidade proposta, perante Tribunal estadual, com base em afronta a dispositivo constitucional estadual e a dispositivo constitucional federal. Reclamação julgada procedente, em parte, para trancar a ação direta de inconstitucionalidade quanto a 'causa petendi' relativa a afronta a Constituição Federal, devendo, pois, o Tribunal reclamado julga-la apenas no tocante a 'causa petendi' referente a alegada violação a Constituição Estadual, 'causa petendi' esta para a qual e ele competente (artigo 125, par. 2., da Constituição Federal)" (STF, Rcl n. 374, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal...

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