Acórdão Nº 5064645-65.2022.8.24.0023 do Terceira Câmara Criminal, 26-07-2022

Número do processo5064645-65.2022.8.24.0023
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5064645-65.2022.8.24.0023/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5064645-65.2022.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

AGRAVANTE: DEIVID ANDRIANI BATISTA (AGRAVANTE) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Deivid Andriani Batista interpôs agravo em execução penal contra decisão da Vara de Execuções da Comarca da Capital, que indeferiu o pedido de afastar o caráter de crime equiparado a hediondo da conduta prevista no art. 33 da Lei 11.343/06 e a consequente adequação da fração para fins de progressão de regime (Seq. 128.1 dos autos n. 0005686-31.2018.8.24.0023).

Irresignado, o agravante alegou, em síntese, que o crime de tráfico de drogas não é considerado hediondo e que, após a revogação do art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90 pela Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), "não há nenhum dispositivo legal que 'equipare' o tráfico de drogas aos crimes hediondos e muito menos que preveja a aplicação de fração específica para progressão de regime em relação a este delito". Com isso, aduziu que o delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/06, pelo qual foi condenado nos autos n. 0021670-89.2017.8.24.0023, deve ser considerado crime comum, inclusive para fins de progressão de regime. Com isso, requer o afastamento do caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e a observância da fração de 16% para a progressão (art. 112, I, da LEP).

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 8).

A decisão agravada foi mantida (Evento 10).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, pelo conhecimento e desprovimento do agravo (Evento 8 - segundo grau).

Em decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, negou-se provimento ao recurso (Evento 10).

Em face disso, a defesa interpôs agravo interno, em cujas razões, em síntese, além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos 'crimes equiparados a hediondos'" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito da redação do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e do art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e, por ser primário, determinar a aplicação da fração de 16% para a progressão (art. 112, I, da LEP) (Evento 20).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, conhece-se do presente recurso.

O agravo interno manejado por Deivid Andriani Batista objetiva reformar decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso em agravo em execução por si interposto, no qual se sustenta que o crime de tráfico de drogas, após o advento da Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), não poderia ser equiparado a crime hediondo, motivo pelo qual seria devida a observância da porcentagem de 16% do cumprimento da pena para progressão do regime (art. 112, I, da LEP).

Não foram levantadas preliminares.

No mérito, a defesa, além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos 'crimes equiparados a hediondos'" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas e, por ser primário, determinar a aplicação da fração de 16% para a progressão (art. 112, I, da LEP) (Evento 20).

Sem razão, no entanto.

Ingressando no mérito, de acordo com o Relatório da Situação Processual Executória, infere-se que o apenado Deivid Andriani Batista cumpre pena total de 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pela prática, dentre outros crimes, do delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - autos n. 0021670-89.2017.8.24.0023), encontrando-se atualmente recolhido em regime fechado.

Após pedido formulado pelo apenado (Seq. 118.1), o Magistrado de origem negou o pretenso afastamento do caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, o que fez nos seguintes termos (Seq. 128.1):

Analisando-se detidamente o caderno processual, verifico que o reeducando fora condenado, nos autos da ação penal n.º 0021670-89.2017.8.24.0023, que tramitou na 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital, à pena corporal de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, por infração ao art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06.

Requer a defesa seja afastada a hediondez do delito previsto de tráfico de drogas por conta da entrada em vigor da Lei n.º 13.964/19.

Inafastável o direito individual fundamental ínsito no art. 5º, XL, da Constituição Federal, prevendo que: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Desta forma, evidente a ressalva constitucional de sentido negativo na qual se verifica que, quando mais benigna a nova lei, possível a sua aplicação em benefício do cumpridor da pena.

Entende Luiz Luisi que:

"A atual Constituição brasileira merece encômios por ter disposto de forma clara a retroatividade quando beneficia ao réu. Isto importa que sempre a lei penal retroage quando em favor do réu, ainda quando haja sentença com trânsito em julgado. Ao contrário da legislação penal peninsular, a nossa lei penal, por abarcar todas as hipóteses possíveis consagra que mesmo no caso de uma sucessão de leis, se aplica dentre elas a mais favorável, mesmo quando tenha havido condenação definitiva." (in Os princípios constitucionais penais, 2. ed., Sérgio Antônio Fabris Editor, pg. 29).

Por outro lado, sedimentando junto à legislação ordinária, preceitua o art. 2º do Código Penal que:

"Art. 2.º Ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos da sentença condenatória. Parágrafo Único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."

No mais, cabe ressaltar que cumpre ao juiz da execução penal aplicar aos casos já julgados a lei posterior que favoreça o apenado, na forma do art. 66, I, da Lei n.º 7.210/84: "art. 66. Compete ao Juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado". Reza ainda a Súmula n.° 611 do Supremo Tribunal Federal: "transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna".

Diante de tal panorama, cumpre sim a este Juízo a análise da possibilidade em tese da aplicação da lei mais branda ao caso concreto.

Ocorre que, nestes autos, razão nenhuma assiste ao apenado: não há que se falar em retroatividade de lei penal mais benéfica em seu favor.

Como se sabe, a Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime), alterou as Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal), para incluir, na primeira, novos delitos no rol de crimes hediondos, enquanto, no segundo diploma legal mencionado, alterou as regras aplicáveis para a progressão de regime e o livramento condicional de acordo com uma combinação entre a natureza da infração cometida e sua condição de réu primário ou reincidente.

Sob tal perspectiva, aduz a defesa que o legislador ordinário deixou de equiparar o crime de tráfico de drogas a crime hediondo, já que o rol atualizado destes trazido pelo chamado Pacote Anticrime não incluiu expressamente o crime de tráfico de drogas.

Não poderia estar mais equivocada, até mesmo porque o crime de tráfico de drogas - ou melhor, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins - nunca esteve no rol do art. 1º da Lei n.º 8.072/90: sua natureza de especial gravidade para fins sancionatórios, que a doutrina e posteriormente o próprio legislador convencionou chamar de "equiparado ao hediondo", não decorre da lei ordinária mas sim da Constituição Federal.

Com efeito, a Lei n.º 13.964/2019 não tratou de excluir o crime de tráfico de drogas do rol de crimes equiparados, sobretudo porque mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.º 8.072/90 o crime de tráfico possuía tal natureza, já que o próprio art. 5°, XLIII, da Constituição da Federal estabelece que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem", o que deixa fora de qualquer tipo de dúvida que a hermenêutica envolvendo a classificação do crime de tráfico de drogas como crime equiparado é de envergadura constitucional, tanto que o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.072/ 90 e também no art. 44 da Lei n.º 11.343/06 seguem inalterados mesmo após a edição do Pacote Anticrime.

Não bastasse, por ocasião da alteração do art. 112 da Lei n.º 7.210/84, houve expressa referência ao § 4º e não ao caput quando prescreveu que "Não se considera hediondo ou equiparado, para os...

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