Acórdão Nº 5066638-52.2021.8.24.0000 do Sexta Câmara de Direito Civil, 06-12-2022

Número do processo5066638-52.2021.8.24.0000
Data06 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5066638-52.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador CARGO VAGO

AGRAVANTE: ELIZABETH LACOSKI AGRAVADO: SELMA STINGHER CORREA

RELATÓRIO

Tratam os autos de agravo de instrumento interposto em face de decisão proferida nos autos de Cumprimento de Sentença n. 5013842-60.2021.8.24.0008/SC, em trâmite na 5ª Vara Cível da comarca de Blumenau, que acolheu parcialmente a tese de impenhorabilidade dos numerários bloqueados em sua conta bancária (evento 42 dos autos de origem).

Em suas razões recursais, sustenta a agravante, em síntese, que: a) "deve-se o julgador ater-se ao caso concreto, sendo que o STJ se firmou no sentido da relativização da impenhorabilidade salarial para os devedores que auferem rendimentos superiores a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais"; b) "demonstrou que atua informalmente como empregada doméstica e que aufere renda mensal inferior a 3 (três) salários mínimos vigentes, tendo em vista que em esforçada semana de trabalho, ganha R$800,00 (oitocentos reais)"; c) "demonstrou que aufere ganhos muito inferiores à aquele que permite a relativização da impenhorabilidade salarial, merecendo a decisão de origem ser reformada neste sentido"; d) "também demonstrou de forma satisfatória que se utilizaria integralmente das quantias bloqueadas para saldar suas dívidas mensais, sendo que tal fato fora ignorado pelo juízo a quo"; e) "partindo do princípio que a relativização da verba salarial deve ser observada no caso concreto, patente que neste específico, não merece sua aplicação, tendo em vista que a agravante aufere renda mínima e a manutenção do bloqueio de 15% da quantia (R$547,90) representa déficit financeiro de sua importância para a parte hipossuficiente"; f) "por ter a agravante realizado uma retirada de dinheiro da conta poupança e se utilizado do saldo lá existente para realizar uma compra no supermercado, entendeu o juízo a quo que o caráter de poupança da conta fora inobservado"; g) "utilizou do saldo de R$1.128,20 (hum mil, cento e vinte e oito reais e vinte centavos) que possuía em sua conta poupança para compra de alimentos UMA ÚNICA VEZ em 04/10/2021 no valor de R$62,56 (sessenta e dois reais e cinquenta e seis centavos) e sacou R$51,00 (cinquenta e um reais) no dia seguinte"; h) "não se pode interpretar pela desvirtuação da conta poupança mantida pela agravante, tendo em vista que a) É pequena poupadora e possuía pouco mais de 1 (um) salário mínimo de saldo, b) Se utilizou uma única vez no mês da conta para compra de alimentos, c) A mera retirada esporádica de saldo da conta poupança não pode caracterizar sua desvirtuação"; i) e que estariam presentes os requisitos à suspensão dos efeitos do decisum impugnado.

Requer, assim, a concessão de efeito suspensivo da decisão; a concessão da gratuidade da justiça; a reforma do comando judicial que impôs reserva de 15% sobre o valor da constrição judicial recaída sobre a verba salarial da agravante; e a manutenção do bloqueio judicial incidente sobre sua conta poupança, reconhecendo, assim, a impenhorabilidade de ambas as constrições com imediato cancelamento da penhora.

Os pedidos de concessão do efeito suspensivo e da justiça gratuita foram concedidos (evento ).

As contrarrazões foram oferecidas (evento ).

Manifestação pela Procuradoria de Justiça (evento ).

Vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso, adianto, deve ser conhecido e provido.

Compulsando os autos, retira-se que a agravada intentou cumprimento de sentença baseado em título executivo formado na Ação Monitória n. 0303290-24.2016.8.24.0008 reconhecendo o direito de buscar da agravante o valor de R$ 9.278,91 (nove mil, duzentos e setenta e oito reais e noventa e um centavos).

No desenrolar do processo foi deferida constrição via Sisbajud (eventos 24 e 28) sobre numerário presente em conta bancária, o que foi impugnado pela parte agravante ao argumento de impenhorabillidade ante o caráter alimentar (verba salário e conta poupança).

Após impugnação da parte agravante sobre a penhora ocorrida, sobreveio decisão, alvo do presente agravo de instrumento, que manteve a constrição de 15% do valor encontrado na conta da Viacredi (R$ 547,90) com liberação da diferença e mantido os valores bloqueados na Caixa Econômica (R$ 1.018,04), já que, embora seja conta poupança, há retiradas para pagamentos de supermercados que desvirtuam da natureza da aplicação.

A decisão liminar proferida no agravo de instrumento interposto pela devedora nesta instância está assim fundamentada sendo essencial transcrevê-la, evitando tautologias:

Sobre a alegada impenhorabilidade dos valores bloqueados, é cediço que, via de regra, todos os bens do devedor são passíveis de expropriação no bojo tutela executiva, consoante dispõe o art. 789 do Código de Processo Civil de 2015: "o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei".

Quanto ao princípio da responsabilidade patrimonial (ou princípio da patrimonialidade), vaticina Humberto Theodoro Júnior que, enquanto regra geral, "deve-se compreender a responsabilidade patrimonial como a sujeição à execução de todos os bens que se encontrem no patrimônio do devedor", à exceção daqueles expressamente excluídos pela lei, porque qualificados "de impenhoráveis por motivos de ordem moral, religiosa, sentimental, pública" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 51ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 317).

O legislador visou proteger a dignidade do executado no traquejo da tutela executiva, privilegiando valores constitucionais de maior relevo, uma vez que não seria razoável conduzir o devedor à absoluta ruína para satisfação dos credores, subvertendo o escopo de pacificação colimado pela jurisdição.

Nesses viés, destaca-se lição de Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

A impenhorabilidade de certos bens é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É técnica processual que limita a atividade executiva e que se justifica como meio de proteção de alguns bens jurídicos relevantes, como a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo e a função social da empresa. São regras que compõem o devido processo legal, servindo como limitações políticas à execução forçada. (Curso de Direito Processual Civil. Vol. V. 6ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 547).

Dessarte, como a regra geral é a de sujeição de todo o patrimônio do devedor à tutela executiva, cabe a este o ônus de provar a incidência de eventual exceção - isto é, o enquadramento do bem constrito em alguma hipótese de impenhorabilidade legal -, sendo a jurisprudência pátria unívoca em relação ao tema, conforme recente julgado do Superior Tribunal de Justiça: "a regra é a penhorabilidade dos bens, de modo que as exceções decorrem de previsão expressa em lei, cabendo ao executado o ônus de demonstrar a configuração, no caso concreto, de...

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