Acórdão Nº 5067140-88.2021.8.24.0000 do Órgão Especial, 06-07-2022

Número do processo5067140-88.2021.8.24.0000
Data06 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5067140-88.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - FLORIANÓPOLIS RÉU: PREFEITO - MUNICÍPIO DE ITAPEMA - ITAPEMA RÉU: ITAPEMA CAMARA MUNICIPAL

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei n. 4.148, de 6 de agosto de 2021, do município de Itapema, por violação ao artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República, incorporado pelo artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Sustentou que a Lei impugnada proibiu, no âmbito do município de Itapema, a utilização da denominada "linguagem neutra" na grade curricular e no material didático de instituições públicas e privadas, bem como em editais de concursos públicos, e impôs sanções pelo seu descumprimento, violando o disposto no artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República, incorporado pelo artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Requereu, portanto, a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 4.148, de 6 de agosto de 2021, do município de Itapema (evento 1, INIC1).

Diante do pedido de medida cautelar para suspensão imediata dos efeitos da norma impugnada, foi conferido ao feito o rito do art. 12 da Lei Estadual n. 12.069/2001 (evento 2, DESPADEC1).

Foram notificados o Prefeito Municipal e a Câmara Municipal de Vereadores do município de Itapema (evento 7, AR1 e evento 8, AR1), assim como o Procurador-Geral do município de Itapema (Evento 12).

A Prefeita Municipal apresentou informações nos autos, aduzindo que a norma foi de iniciativa do órgão legislativo municipal e que tramitou administrativamente, devendo ser julgado improcedente o pedido após a manifestação do Procurador-Geral do Município (evento 9, PET1).

Por seu turno, o Procurador-Geral do Município alegou que (evento 14, PET1):

[...]

Ocorre que o texto municipal determina de forma categórica a aplicação da própria Lei de Diretrizes e Bases e institui sanção para o descumprimento da própria LDB e não "linguagem neutra", note-se que o artigo 4º determina eventual sanção para o descumprimento do artigo 1º (referência a LDB) e não do artigo 3º (uso de "linguagem neutra").

Ademais, com a devida vênia para o aqui debatido os julgados referenciados com a inicial não se aplicam de forma alguma a matéria aqui debatida, vez que não se trata de ideologia de gênero, mas sim na aplicabilidade da norma culta, e conforme consagrado no próprio artigo 1º, para a correta aplicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

A legislação municipal nada mais tentou que garantir a aplicação da própria legislação federal em vigor e prevê sanção para tal fato e não para eventual uso de "linguagem neutra".

Conforme noticiado anteriormente a norma em vigor, questionada através de ADI pelo Ministério Público é de iniciativa do poder legislativo e tramitou administrativamente conforme arquivos que foram juntados com as informações - evento 9, o que deixa nítido a intenção do Gestor da pasta competente, requerendo que este Douto Tribunal agregue as informações que melhor se adequem ao tema debatido nesta seara.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Paulo de Tarso Brandão, que opinou pela procedência do pedido inicial (evento 17, PARECER1).

VOTO

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina em face da Lei n. 4.148/2021, do município de Itapema.

Confira-se o inteiro teor da referida Lei:

Lei n. 4.148, de 6 de agosto de 2021

ESTABELECE MEDIDAS PROTETIVAS AO DIREITO DOS ESTUDANTES DO MUNICÍPIO DE ITAPEMA AO APRENDIZADO DA LÍNGUA PORTUGUESA DE ACORDO COM AS NORMAS E ORIENTAÇÕES LEGAIS DE ENSINO, NA FORMA QUE MENCIONA

Art. 1º. É garantido aos estudantes do Município de Itapema o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino, estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Art. 2º. O disposto no artigo anterior aplica-se a toda a Educação Básica no Município de Itapema, nos termos da Lei Federal n. 9.394/1996, assim como ao Ensino Superior e aos Concursos Públicos para acesso aos cargos e funções públicas do município.

Art. 3º. Fica expressamente proibida a denominada "linguagem neutra" na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos. Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, entende-se por "linguagem neutra", toda e qualquer forma de modificação do uso da norma culta da Língua Portuguesa e seu conjunto de padrões linguísticos, seja escrita ou falada, com a intenção de anular as diferenças de pronomes de tratamento masculinos e femininos baseando-se em infinitas possibilidades de gêneros não existentes, mesmo que venha a receber outra denominação por quem a aplica.

Art. 4º. A violação do direito do estudante estabelecido no art. 1º desta Lei, acarretará sanções administrativas às instituições de ensino público e privado e aos profissionais de educação que concorrerem em ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente o seu aprendizado à língua portuguesa culta.

Art. 5º. A secretaria responsável pelo ensino básico do município deverá empreender todos os meios necessários para a valorização da língua portuguesa culta em suas políticas educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino.

Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Com efeito, a norma desrespeitou o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República, incorporado pelo artigo 4º, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina, os quais dispõem:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

[...]

-----------------------------------------------------------------------------------------------------

Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte:

Ora, já no art. 1º da norma impugnada, o legislador municipal ingressou em tema de competência privativa da União Federal, pois não cabe ao município adentrar no campo da adoção da Língua Portuguesa e da sua linguagem culta, devendo tais discussões ocorrerem na esfera nacional, de modo a preservar a unicidade do ensino e a linguagem em todo o território brasileiro.

Nesse sentido, colhem-se importantes considerações apresentadas no parecer do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, juntado aos autos da ADI n. 6.925/SC, que tramita no Supremo Tribunal Federal e tem como objeto decreto estadual versando sobre a mesma matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 1.329/2021 DO GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA. VEDAÇÃO AO USO, EM DOCUMENTOS ESCOLARES E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DE "NOVAS FORMAS DE FLEXÃO DE GÊNERO E DE NÚMERO DAS PALAVRAS DA LÍNGUA PORTUGUESA, EM CONTRARIEDADE ÀS REGRAS GRAMATICAIS CONSOLIDADAS". LINGUAGEM NEUTRA. MATÉRIA DE INTERESSE GERAL, QUE HÁ DE SER TRATADA EM ESCALA NACIONAL...

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