Acórdão Nº 5070304-90.2023.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 14-03-2024

Número do processo5070304-90.2023.8.24.0000
Data14 Março 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Instrumento Nº 5070304-90.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Juiz SILVIO FRANCO


AGRAVANTE: ELI ROLIM AGRAVADO: BANCO BMG S.A AGRAVADO: BANCO BRADESCO S.A. AGRAVADO: BANCO BRADESCO S.A.


RELATÓRIO


Eli Rolim interpôs agravo de instrumento contra decisão que, no âmbito da "ação de repactuação de dívidas c/c pedido de tutela antecipada de urgência" n. 5008447-56.2023.8.24.0125, indeferiu seu pedido de tutela antecipada (Evento 12 dos autos originários).
Em suas razões, a agravante alega, em resumo, que "pela análise dos documentos e da própria relação de consumo existente entre as partes, as peculiaridades do caso concreto, permeia no caderno processual a flagrante possibilidade de concessão da tutela provisória de urgência uma vez que existentes seus requisitos, nos ditames do art. 300; art. 1.019, inciso I, todos do CPC, risco evidentes e perigo demonstrados". Requer a antecipação da tutela, pois "tem sua dignidade da pessoa humana violada, visto que os ganhos recebidos, após os descontos dos empréstimos facilitados pelas instituições bancárias, não são suficientes para a manutenção da sua sobrevivência, são gastos fixos que não podem esperar".
Em razão de tais fatos, pleiteou, inicialmente, a "suspensão dos descontos [...] por 180 dias ou até a decisão final, limitação dos descontos a 30% da renda líquida, proibição de inclusão em cadastros de inadimplentes, com multa diária até a decisão definitiva".
Contraminutas apresentas pelas instituições financeiras agravadas nos eventos 24 e 25.
É o relatório do necessário

VOTO


Da concessão de tutela antecipada no procedimento de repactuação de dívidas
Na hipótese ventilada, a parte agravante, em resumo, formula pretensão de limitação dos descontos para pagamento de empréstimos bancários com o escopo de que, ao final do procedimento, seja realizada a repactuação dos débitos, com supedâneo na Lei. 14.181, de 1º de julho de 2021, que "altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento".
O superendividamento que, reconhecidamente, aflige milhares de famílias brasileiras, corresponde à impossibilidade global de o devedor, pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras. Nesse contexto, o advento da Lei n. 14.181/2021 tem o escopo de "fornecer as ferramentas jurídicas necessárias e adequadas para a efetiva prevenção e o adequado tratamento para a situação de superendividamento. A Política Nacional estabelecida com o Código de Defesa do Consumidor busca promover a harmonia das relações de consumo, reconhecendo a vulnerabilidade dos consumidores e respeitando a sua dignidade, saúde e segurança, protegendo seus interesses econômicos e visando a melhoria da sua qualidade de vida" (BERGSTEIN, Laís; KRETZMANN, Renata P. Noções Práticas de Prevenção e Tratamento do Superendividamento. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620360. Minha Biblioteca TJSC. Acesso em: 27 out. 2023, p. 9).
No mesmo sentido, José Augusto Peres Filho explica:
Seguindo mesma linha dos legisladores originais do CDC, a Lei do Superendividamento usa da "interpretação autêntica" e apresenta o conceito do que ela entende por superendividamento. Superendividamento, portanto, é "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação" (art. 54-A, § 1º). Neste conceito, salta aos olhos um outro termo, que é o "mínimo existencial", o qual, segundo o texto legal, deverá ser regulamentado. Ou seja, até o advento da regulamentação mencionada (inexistente quando escrevemos a presente obra), caberá aos doutrinadores e aplicadores do Direito, dizer em que consiste esse "mínimo existencial". Podemos adiantar que o "mínimo existencial" é formado pelo conjunto de direitos sociais que possibilitam a qualquer cidadão uma existência digna, na qual haja amparo à alimentação, à saúde, à educação, à cultura, à moradia e ao vestuário. Surge, com isso, a necessidade de valoração, em dinheiro, disso tudo. Aí entra uma carga subjetiva muito grande, que talvez, apenas com a regulamentação consiga ser minorada. O parágrafo segundo do art. 54-A afirma que as dívidas referidas no conceito apresentado "englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada". Nesses serviços de prestação continuada estão incluídos o fornecimento de água, coleta de esgotos, energia elétrica e telefonia. Caso a dívida não seja decorrente de relação de consumo, como um débito fiscal ou trabalhista, por exemplo, ela estaria fora do cálculo para caracterização do superendividamento. (FILHO, José Augusto P. Direito do Consumidor. Coleção Método Essencial. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559645596. Minha Biblioteca TJSC. Acesso em: 27 out. 2023, p. 263).
Em termos legais, o Código de Defesa do Consumidor apresenta a definição de superendividamento como sendo "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação" (CDC, art. 54-A, § 1º), de modo que as dívidas a que alude o conceito "englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada" (CDC, art. 54-A, § 2º). O art. 2º, caput, do Decreto n. 11.150, de 26 de julho de 2022, que "regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor", ratifica a definição consumerista de superendividamento.
Prosseguindo-se, em conformidade com os arts. 104-A, 104-B e 104-C, todos do Código de Defesa do Consumidor, o magistrado poderá instaurar o procedimento de repactuação das dívidas, tal como requer a parte agravante na ação em curso. A partir do pedido inicial, primeiramente, será designada a audiência conciliatória com os todos os credores, oportunidade na qual o consumidor deverá apresentar o plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, de sorte a lhe preservar o mínimo existencial e também as garantias e as formas de pagamento originalmente contratadas. Tal procedimento é assim detalhado pela lei de regência:
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:
I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.
Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
§ 1º Serão considerados no processo por superendividamento, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.
§ 2º No prazo de 15 (quinze) dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa...

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